Jorge Pedro Sousa1
Universidade Fernando Pessoa
Sumário
Tendo em consideração que o relacionamento entre jornalistas e
fontes de informação é um aspecto crucial do processo de fabrico
de notícias (newsmaking), esta pesquisa teve dois objectivos: (1) mapear
comparativa e exploratoriamente a utilização de fontes (pessoais)
anónimas no noticiário político dos diários portugueses de
referência: Público e Diário de Notícias; e (2) identificar os tipos de anonimato das fontes que
são visíveis nos jornais seleccionados, tendo em conta as regras de
interacção que Mencher (1979) identifica para o relacionamento entre
fontes de informação e jornalistas ("on background" e "on deep
background"). Conclui-se (1) que ambos os diários portugueses de
referência usam fontes anónimas no noticiário político
(cerca de 10% das notícias mencionam fontes anónimas); (2) que
não há diferenças quantitativamente muito significativas entre
os jornais diários de referência no que respeita à
utilização de fontes anónimas; e (3) que predominam as fontes
"on backgound" em detrimento das fontes "on deep background".
Palavras-chave
Jornalismo, newsmaking, fontes de informação
O estudo das fontes de informação tem constituído um aspecto central da pesquisa sobre jornalismo. De algum modo, a razão para este facto residirá na constatação de que se o jornalismo fornece informações e ideias ao espaço público, e se essas informações e ideias produzem efeitos nas pessoas, nas sociedades, nas civilizações e nas culturas, então importa esclarecer qual é a proveniência dessas informações e ideias, qual o processamento e enquadramento a que são sujeitas antes de chegarem ao espaço público, quais as forças que bloqueiam algumas delas ou aceleram a difusão e aumentam o impacto de outras.
A vastidão do campo de investigação tem permitido encontrar vários objectos de estudo dentro da temática das fontes de informação. Leon Sigal (1973), por exemplo, enfatiza a ideia de que os conteúdos das notícias dependem daquilo que as fontes dizem e do tipo de fontes consultadas (oficiais e não oficiais), apesar da mediação das organizações noticiosas e dos jornalistas. Sigal (1973) faz ainda notar que as fontes de informação dominantes (governo, etc.) detêm um peso significativo nas notícias e um acesso rotineiro aos media (canais de rotina). Pelo contrário, os ``desconhecidos'' têm de se fazer notar, frequentemente através de actos espectaculares, para serem notícia. Esta realidade coloca em desvantagem os "desconhecidos", inclusivamente porque nas notícias parecem menos respeitáveis do que as fontes oficiais.
Molotch e Lester (1974) apresentam o conceito de ``promotores de notícias'' para caracterizar as fontes que tentam promover determinadas ocorrências à categoria de notícias ou que tentam impedir que outras ocorrências se transformem igualmente em notícias. Para os autores, a intencionalidade é a razão de ser do que a fonte divulga e do que não divulga. De algum modo, parte das notícias surge porque, parafraseando Gomis (1991: 59), em grande medida há fontes interessadas em levar determinadas informações e ideias ao conhecimento público.
Segundo Molotch e Lester (1974), as fontes aproveitam-se das rotinas jornalísticas para as actividades de promoção de notícias. Para eles, as fontes poderosas beneficiam ainda da capacidade de alterar as rotinas a seu favor, tendo um acesso regular aos meios de comunicação. Por este motivo, os news media agem no sentido da manutenção de uma espécie de hegemonia ideológica no meio social. No entanto, os autores reconhecem aos jornalistas uma dose elevada de autonomia no jogo negocial que estabelecem com as fontes em torno da definição do que é notícia e dos respectivos enquadramentos.
Ao contrário de Molotch e Lester (1974), Hall et al. (1978) consideram que determinadas fontes poderosas conseguem definir os enquadramentos que dão sentido às notícias, recusando a ideia de que os jornalistas têm grande autonomia nesse jogo negocial. Essas fontes são classificadas pelos autores como "primeiros definidores". Porém, como notam Santos (1997) ou Traquina (1993), o modelo é excessivamente estruturalista, já que admite pouca autonomia dos jornalistas para a definição de sentidos para os acontecimentos e não dá espaço para ocorrências como as fugas de informação ou as iniciativas jornalísticas de demanda de informações junto das fontes. Além disso, embora o acesso aos meios jornalísticos seja socialmente estratificado, Hall et al. (1978) ignoraram o facto de, por vezes, existirem definidores primários de sentidos para os acontecimentos com poder e credibilidade semelhantes mas com visões diferentes sobre esses mesmos acontecimentos. Esses definidores de sentido podem competir entre si e negociar com os jornalistas a imposição de determinados significados a esses acontecimentos.
Gans (1980) observa que existem vários tipos de fontes informativas (institucionais, oficiosas, provisórias...; passivas e activas; conhecidos e desconhecidos) que interagem num sistema que alberga igualmente jornalistas (especializados ou não especializados) e público(s). Para Gans (1980), os órgãos jornalísticos estabelecem as suas fontes de acordo com as suas necessidades produtivas e com o posicionamento dessas fontes na estrutura social. A proximidade social e geográfica entre o jornalista e as suas fontes também afectaria a selecção de fontes. O acesso aos news media seria socialmente estratificado porque as fontes não são idênticas nem têm idêntico relevo. Para Gans (1980), os jornalistas especializados podem cultivar laços mais profundos com as fontes, no seio de uma relação negocial onde se vão estabelecendo direitos e obrigações recíprocas. O autor releva a ideia de que as fontes tentam fazer passar a informação que mais lhes interessa, segundo o ângulo pretendido, enquanto os jornalistas procuram obter informações que as fontes, por vezes, pretenderiam esconder, explorando ângulos alternativos.
Para Herbert Gans (1980), as organizações noticiosas tendem para a passividade, enquanto as fontes interessadas tendem para a actividade. Este facto tornaria os órgãos jornalísticos mais permeáveis às fontes mais activas, designadamente àquelas capazes de corresponderem rapidamente às suas necessidades informativas. Mas Gans (1980) nunca abandona a sua perspectiva construcionista da notícia, destacando a autonomia dos jornalistas no jogo negocial que estes estabelecem com as fontes em torno da definição do que é notícia e dos seus significados. Todavia, o autor realça que existem vários factores que influenciariam a dominância de determinadas fontes sobre outras, como o poder das fontes, a sua credibilidade e a sua proximidade em relação aos jornalistas. Os jornalistas, por seu turno, escolheriam as fontes em função da sua conveniência, aferida, segundo Gans (1980), não só em termos de fiabilidade e respeitabilidade mas também em termos de capacidade de produção de informação. Além disso, para o autor, as fontes capazes de antecipar informações aos jornalistas tendem a ser mais seleccionadas (Gans, 1980).
Vários outros autores têm atentado nas problemáticas já referenciadas. A dominância de determinadas fontes em detrimento de outras, o acesso socialmente estratificado aos mews media e as consequências desta realidade preocupou, entre outros, Schlesinger (1992). Blumler e Gurevitch (1995) mostraram que a relação entre jornalistas e fontes é uma relação de interesse mútuo: os jornalistas estão tão interessados em obter informação quanto as fontes estão interessadas em dar determinadas informações com um determinado enquadramento ou em esconder as informações que não desejem ver no espaço público. As pressões exercidas pelas fontes sobre os meios jornalísticos foram estudadas por Curran (1996). Hess (1984) sustentou que jornalistas e fontes tendem mais a reagir uns com os outros do que a iniciarem processos relacionais. Mancini (1993), por seu turno, averiguou que as relações entre jornalistas e fontes oscilam, frequentemente, entre a suspeita e a confiança. Wulfmeyer (1985) concluiu que 80% das notícias internacionais na Time e na Newsweek tinham fontes anónimas. Segundo o autor, esse facto dever-se-ia ao stress na obtenção de informação. Num estudo semelhante, Blankenburg (1992) mostrou que cerca de 30% das fontes usadas pelo The New York Times, Washington Post e LA Times eram anónimas.
Em Portugal, a pesquisa sobre fontes de informação também já produziu resultados dignos de registo. José Luís Garcia, por exemplo, demonstrou, no II Inquérito Nacional aos Jornalistas Portugueses, que 90,6% dos jornalistas inquiridos já sofreu pressões no exercício da sua actividade profissional, sendo que 30,3% revelam que essas pressões se sentem ``muitas vezes'' e 60,3% ``poucas vezes''. De acordo com os dados do mesmo inquérito, 43,2% dos jornalistas inquiridos afirmou que existem tantas pressões internas como externas, 29,7% que existem mais pressões externas do que internas e 24,5% que existem mais pressões internas do que externas. As pressões externas proviriam de grupos de interesse político-partidários (85,8%), empresariais (61,5%), governamentais (57,1%), desportivos (41,6%), religiosos (20,8%) e jornalísticos (20,4%). As pressões internas seriam principalmente provenientes da administração (47,1%), da direcção de informação (43,4%) e das chefias (41,2%).
Maria Estrela Serrano (1998: 119) refere que num inquérito realizado a jornalistas da Grande Lisboa se chegou à conclusão de que 59,9% utilizavam predominantemente informações de fontes de informação profissionalizadas, como assessores de imprensa e gabinetes de relações públicas.
Rogério Santos (1997) desenvolveu um estudo em Portugal sobre as fontes e os jornalistas. Entre as principais conclusões do autor, ganha volume a ideia de que as fontes burocratizadas tendem a manter uma permanente disponibilidade de atendimento dos jornalistas e que procuram traçar antecipadamente a ocorrência de acontecimentos, processando sistematicamente a informação que, depois, remetem aos jornalistas, de acordo com critérios de noticiabilidade adequados. A fonte procura aceder aos meios jornalísticos através de tácticas destinadas a garantir a sua notoriedade e reconhecimento perante os jornalistas, como a continuidade nos contactos e o desenvolvimento de rotinas produtivas. Porém, a credibilidade da fonte, segundo Santos (1997), depende sempre da instituição. Os jornalistas, por seu turno, processam a informação de acordo com os objectivos e a cultura da organização noticiosa que os enquadra. A autonomia dos jornalistas depende não apenas da esfera de liberdade inscrita na matriz cultural da organização noticiosa, mas também da cotação interna desses profissionais. Entre as duas partes há espaços de cooperação, negociação e luta, pois objectivos de fontes e jornalistas nem sempre coincidiriam.
Ricardo Jorge Pinto (1997) analisou a evolução do jornalismo político em Inglaterra, França, Portugal e Estados Unidos, entre 1970 e 1995, estudando quatro diários ao longo desses anos: Diário de Notícias, Le Monde, The New York Times e The Times. A hipótese levantada e comprovada por Ricardo Pinto é a de que o jornalismo político entrou num novo paradigma no início dos anos 70. O novo modelo de jornalismo político enfatiza a interpretação e a análise2 e substituiu um modelo descritivo, sustentado em longas citações directas dos políticos. Segundo o autor, quatro grandes razões contribuíram para a mudança de paradigma: 1) a desregulação e a globalização do sistema mediático; 2) a emergência da TV como provedor maioritário de informação; 3) a especialização dos jornalistas políticos; e 4) o desenvolvimento do marketing político. Para o investigador, a ascensão da análise, situada entre a informação factual e a opinião, coincidiu, inevitavelmente, com o declínio do paradigma da objectividade jornalística. Ricardo Jorge Pinto demonstra ainda o seguinte: 1) há uma relação mista de conflito e cumplicidade entre jornalistas políticos e políticos; 2) nota-se um declínio na utilização de fontes identificadas em favor das fontes anónimas, cuja utilização aumentou nos últimos 25 anos; 3) as fontes diversificaram-se, sendo contactados indivíduos de todos os escalões de poder nas organizações políticas, da base ao topo; 4) o marketing político afecta as normas dos procedimentos jornalísticos; e 5) os jornais de prestígio analisados, de quatro sociedades diferentes, tornaram-se cada vez mais parecidos uns com os outros, entre 1970 e 1995.
Ricardo Pinto (1997) diz, também, que a diversificação das fontes (o número de fontes quase triplicou entre os anos setenta e os noventa do século XX) e a procura de novos ângulos de abordagem das histórias contribuiu para o aparecimento de novas formas de acesso aos news media. Por outro lado, tecnologias como os telemóveis facilitam o acesso a fontes diversificadas de informação, embora o autor afirme que a um maior número de fontes não corresponde um aumento do número de citações, pelo contrário.
Ricardo Pinto (1997) observou que enquanto nos anos setenta o uso de fontes anónimas no Diário de Notícias era quase nulo, nos anos noventa atingia cerca de 25%, tal como no Times (cerca de 15%) e no The New York Times (cerca de 25%). Este facto levou Ricardo Jorge Pinto (1997: 208) a concluir que as fontes anónimas se tornaram no símbolo do jornalismo político nos anos noventa, isto porque os políticos se sentiriam mais confortáveis a prestar declarações sob a protecção do anonimato e porque esta situação é vantajosa para os jornalistas, que podem usar o anonimato para legitimar determinados pontos de vista. Para Ricardo Pinto (1997: 111), a confidencialidade torna-se essencial na relação entre o jornalista e as fontes, até porque o jornalismo político de investigação ou denúncia é em grande medida baseado em fugas de informação. O mesmo, aliás, diz Sabato (1993: 94).
Ricardo Pinto (1997) também mostrou que no Diário de Notícias, no The New York Times e no Le Monde se assistiu a uma diminuição das citações directas entre 1960 e 1995 e que a percentagem de citações parafraseadas decresceu menos do que a percentagem de citações directas. Para o autor, este fenómeno também se deveu à proliferação de um modelo de jornalismo político baseado na análise e na especialização, que se contrapôs a um modelo generalista, descritivo e declaratório.
Ana Rita Rocha (1999) analisou a utilização de comentários de fontes anónimas no noticiário político, em particular no diário Público (análise ética de um caso de fontes anónimas) e no semanário Expresso (análise quantitativa e qualitativa). A autora descobriu que numa amostra de 52 números do Expresso de 1998 e 1999 tinham sido publicadas 29 notícias que recorriam a fontes anónimas, especialmente nas categorias de "críticas políticas" e "desarmonia relacional". Maioritariamente, tratavam-se de peças não assinadas. Para ela, "muitas vezes o jornalista é obrigado a manter o anonimato das fontes para poder ter acesso às informações e publicá-las" (Rocha, 1999: 87), mas em vários casos o recurso ao anonimato seria desnecessário, já que as informações nada de novo trazem à notícia.
Pegando no trabalho de Ricardo Pinto, Isabel Sampaio (2001) apresentou uma monografia de licenciatura sobre a evolução das fontes anónimas no noticiário político nas décadas de oitenta e noventa do século vinte, nos jornais Expresso e Público. A autora chegou à conclusão de que, no noticiário político aumentou o recurso às fontes anónimas em ambos os jornais entre 1982 e 1992. Em concreto, no Diário de Notícias, em 1982 apenas cerca de 32% das notícias sobre política tinham citações de fontes anónimas, enquanto em 1992 essa percentagem tinha aumentado para 57%. No Expresso, em 1982, nos jornais que constituíram a amostra foram publicadas cerca de 46% de notícias com fontes anónimas, enquanto que em 1992 essa percentagem já atingia cerca de 60%. Isabel Sampaio descobriu também que a percentagem de fontes anónimas institucionais (i. e., fontes "on background") entre as citações de fontes anónimas diminuiu de 84% para 62% no Diário de Notícias e de 57% para 53% no Expresso, de 1982 para 1992, enquanto que a percentagem de fontes não identificadas (i. e., "on deep background") aumentou de 16% para 38% no DN e de 43% para 47% no Expresso. Além disso, a autora descobriu que em ambos os jornais a quase totalidade das citações de fontes anónimas ocorria no desenvolvimento da notícia e só pontualmente nos títulos ou nos leads, o que ela atribui a uma estratégia de credibilização do discurso. Descobriu também que a percentagem de paráfrases em relação às citações directas era sempre maior no semanário Expresso, o que ela atribui ao facto de os jornalistas dos semanários se sentirem mais à vontade para parafrasearem as citações graças ao maior tempo que têm disponível para cativar as fontes de informação. No entanto, em ambos os casos se nota um aumento das citações parafraseadas, o que está de acordo com a evolução de um modelo de jornalismo político generalista para um modelo de jornalismo analítico e especializado, em que os jornalistas intervêm mais sobre a notícia e, consequentemente, sobre as citações das fontes.
Manuel Pinto (1999: 277-294) tem-se preocupado com a categorização das fontes de informação. Para ele, as fontes são pessoas, grupos ou instituições (ou vestígios discursivos da sua actividade) que podem ser classificadas em várias categorias. Uma destas categorias diz respeito à identificação das fontes. No discurso jornalístico e na interacção com os jornalistas, as fontes podem ser anónimas ou explícitas.
Há, de facto, fontes que são visíveis e pretendem garantir essa visibilidade. O processo histórico de organização, institucionalização e mesmo profissionalização de determinadas fontes de informação, que Manuel Chaparro caracteriza como a "revolução das fontes", terá mesmo visado garantir a essas fontes uma presença contínua e controlada nos media3. No entanto, haverá também fontes que pretendem visibilidade para determinadas informações ou ideias, mas não para si mesmas, porque necessitam de proteger-se ou de salvaguardar a sua posição. Essas são as fontes anónimas4. Os jornalistas usam-nas porque confiam minimamente nelas, porque as suas informações são muitas vezes úteis para confirmar suspeitas, introduzir novos elementos na informação, orientar investigações ou cruzar informações. Entre elas tornou-se lendária a figura do "garganta funda", que durante o caso Watergate conduziu os jornalistas Bob Woodward e Carl Bernstein pelos meandros obscuros da política americana.
A presente pesquisa vai precisamente ao encontro desta realidade complexa que são as relações entre jornalistas e fontes de informação, explorando a faceta particular que é o recurso ao anonimato das fontes no noticiário político português.
Tendo particularmente em consideração as conclusões de Ricardo Pinto (1997) sobre a transição de um sistema jornalístico descritivo para um sistema jornalístico analítico, interpretativo e especializado e as constatações do autor sobre a proliferação das fontes anónimas no noticiário político, o presente estudo tem por objectivos:
1) Mapear comparativa e exploratoriamente a utilização de fontes (pessoais) anónimas no noticiário político dos diários portugueses de referência: Público e Diário de Notícias;
2) Identificar os tipos de anonimato das fontes que são visíveis nos jornais seleccionados, tendo em conta as regras de interacção que Mencher (1979) identifica para o relacionamento entre fontes de informação e jornalistas:
A pesquisa parte das seguintes hipóteses:
H1) Ambos os diários portugueses de referência usam fontes
anónimas no noticiário político (relembre-se Pinto, 1997) como
forma de divulgar informações sensíveis mas de interesse
público, assegurando ao mesmo tempo a protecção e
manutenção dessa mais-valia que é a fonte de informação;
H2) Não há diferenças quantitativamente significativas entre os
jornais diários de referência no que respeita à
utilização de fontes anónimas, uma vez que o tipo de jornalismo
praticado é similar e o contexto político (frame) é o mesmo;
H3) Predominam as fontes "on backgound" em detrimento das fontes "on deep
background", já que os jornalistas procuram o mais possível
credibilizar perante o leitor a informação das fontes anónimas
fazendo aproximações à sua identidade.
Face aos objectivos do trabalho e às hipóteses correlacionadas, delinearam-se várias perguntas de investigação (quadro 1). Para responder a estas questões, estabeleceu-se como método a usar uma análise quantitativa do discurso, usando-se variáveis definidas a priori:
Perguntas de investigação | Variáveis |
---|---|
Qual é o peso das notícias que citam fontes anónimas e das notícias que não citam fontes anónimas? | - Número de notícias que citam pelo menos uma vez fontes anónimas e respectiva percentagem
- Número de notícias que não citam fontes anónimas e respectiva percentagem |
Qual é o destaque dado às fontes anónimas na imprensa portuguesa? | - Número de fontes anónimas
- Número de períodos atribuíveis a fontes anónimas e respectiva percentagem. - Número de períodos atribuíveis a fontes identificadas e respectiva percentagem. |
Quais as regras de interacção entre as fontes e os jornalistas que predominam e que se revelam no discurso? | - Número de fontes "on background" e "on deep background"
- Número de períodos atribuíveis a fontes "on background" e respectiva percentagem. - Número de períodos atribuíveis a fontes "on deep background" e respectiva percentagem. |
Como se pode ver pelo quadro 1, o número de notícias, o número de fontes e o período gramatical citado (que geralmente corresponde a uma espécie de unidade mínima de informação no conteúdo das notícias) constituíram as unidades de análise para este estudo.
A análise limitou-se às peças que surgiram nas secções dedicadas à política nacional dos diários escolhidos para objecto de estudo.
Englobaram-se na análise unicamente as peças de cariz noticioso genericamente conhecidas por hard news, na designação de Tuchman (1978), ou seja, as notícias respeitantes a acontecimentos e problemáticas da actualidade política. Incluíram-se todas as notícias, incluindo as que respeitam à actividade partidária e política, às actividades do Governo e às actividades autárquicas cujo relevo impôs a publicação de notícias no espaço dedicado à política nacional. Esta opção poderá justificar as diferenças entre os resultados a que cheguei e os resultados de Pinto (1997) ou Sampaio (2001). Não foram contabilizadas as peças de fait-divers e similares, genericamente conhecidas por soft news.
Quanto aos géneros jornalísticos, restringiu-se a análise às notícias (breves ou desenvolvidas) e às reportagens. Excluíram-se, portanto, entrevistas (o elevado número de citações directas de fontes identificadas teria, ademais, implicações nos resultados), editoriais, colunas, artigos (de jornalistas e não jornalistas), cartas aos leitores, cartoons, tabelas de dados, etc.
Para efeitos de sistematização dos dados recolhidos, apenas se procedeu à contabilização simples das notícias, das fontes citadas (sem consideração pelo número de vezes que cada fonte foi citada) e dos períodos de citação e aos cálculos das respectivas percentagens, em função da categorização previamente estabelecida. No que respeita à contabilização dos períodos de citação, foram contabilizadas quer as citações directas quer as parafraseadas.
Tendo em conta que se trata de um estudo exploratório, foi construída uma amostra de jornais de grande dimensão, de forma a fiabilizar os resultados, de acordo com aquilo que é aconselhado nas análises de conteúdo quantitativas (Riffe, Lacy e Fico, 1998). Assim, seleccionaram-se para análise os jornais de seis meses interpolados do ano 2001. Ou seja, estudaram-se os jornais de Janeiro, Março, Maio, Julho, Setembro e Novembro de 2001 (um total de 366 jornais, 183 Diários de Notícias e 183 Públicos), dos quais se recolheram 7.686 peças, 3.659 do Público e 4.027 do Diário de Notícias. Evitaram-se, assim, períodos eleitorais, já que também poderiam interferir na representatividade dos resultados, embora em Novembro a pré-campanha para as eleições autárquicas de Dezembro de 2001 já estivesse em marcha.
Para avaliação da representatividade da amostra, segmentou-se a mesma em duas metades, constituídas pelas notícias de Janeiro, Março e Maio e pelas notícias de Julho, Setembro e Novembro, tendo-se comprovado que o desvio de resultados de uma para a outra metade era inferior, em todos os casos, a 4%, em ambos os jornais. Verificou-se, igualmente, que os números sobre utilização de fontes anónimas obtidos na segunda metade da amostra, em ambos os jornais, foram sempre superiores aos da primeira metade, eventualmente devido ao efeito inflacionário na citação de fontes anónimas provocado pela aproximação do período eleitoral de Dezembro. Em concreto, o desvio percentual máximo foi o seguinte:
O desvio diminuto entre os dados de uma e outra das metades da amostra leva a concluir pela fiabilidade dos resultados e pela representatividade da amostra.
Dada a natureza quantitativa dos dados recolhidos, optou-se por disponibilizar os dados em tabelas. As percentagens foram arredondadas às unidades.
Com fontes anónimas | % | Sem fontes anónimas | % | |
---|---|---|---|---|
Diário de Notícias | 448 | 11 | 3.579 | 89 |
Público | 342 | 9 | 3.317 | 91 |
Total | 790 | 10 | 6.896 | 90 |
Os dados recolhidos parecem indicar que os diários portugueses de referência são contidos no que respeita ao recurso a fontes anónimas. Em concreto, na amostra apenas 11% das notícias sobre política nacional publicadas no Diário de Notícias e 9% das notícias sobre política nacional publicadas no Público mencionavam fontes anónimas. Hipoteticamente, este dado vincará uma tendência para credibilizar o discurso jornalístico sobre política. Identificar as fontes é mais credível do que mantê-las no anonimato. Por outro lado, também poderá corresponder a uma certa dificuldade de cativar fontes de informação, investigar e aprofundar as notícias, devido à velocidade vertiginosa a que se move o jornalismo diário, agora acentuada pela necessidade de disponibilizar on-line os conteúdos informativos. Uma outra hipótese, sugerida por Isabel Sampaio (2001), é que a possibilidade de as pessoas acederem ao ciberespaço no duplo papel de produtoras e receptoras de informação esteja a dispensar a necessidade de recorrência a fontes anónimas.
Os números apresentados no quadro 2 são discrepantes em relação aos mencionados por Isabel Sampaio (2001) sobre o Diário de Notícias. Recorde-se que essa autora regista que na sua amostra 32% das notícias sobre política publicadas no Diário de Notícias recorriam a fontes anónimas. Em parte, este facto poderá explicar-se pelas diferenças na construção das amostras. Isabel Sampaio (2001) englobou na amostra notícias políticas que surgiam nas secções nacional e internacional, o que terá contribuído para o desvio entre os dados das duas pesquisas. Também é possível, como se disse, que a utilização de fontes anónimas tenha vindo a decrescer, de forma a credibilizar mais o discurso jornalístico.
É ainda de registar que em ambos os jornais as percentagens de notícias em que se recorre a fontes anónimas são muito semelhantes.
Anónimas | % | Identificadas | % | |
---|---|---|---|---|
Diário de Notícias | 521 | 12 | 3.716 | 88 |
Público | 413 | 10 | 3.602 | 90 |
Total | 934 | 11 | 7.318 | 89 |
O quadro 3 reforça os resultados expostos no quadro 2. Na amostra, apenas 12% das fontes mencionadas no noticiário político pelo Diário de Notícias e 10% das fontes mencionadas pelo Público eram anónimas. Parece assistir-se, de facto, a uma estratégia de contenção no que respeita ao recurso a fontes anónimas, hipoteticamente para se credibilizar melhor o discurso jornalístico sobre política ou simplesmente porque os assuntos tratados não geram necessidade de se protegerem as fontes com o anonimato. Também pode significar uma certa cedência às rotinas, que impõem, sob a pressão do tempo, o acesso socialmente estratificado aos media e o privilégio às fontes oficiais, naturalmente identificadas (cf. Gans, 1980; Sigal, 1973; Molotch e Lester, 1974; Hall et al., 1978; etc.). A velocidade a que se movimenta o jornalista de um jornal diário, mesmo de um diário de referência, também imporá limites à capacidade de investigação dos assuntos e isto reflectir-se-á na não necessidade de recorrência ao anonimato das fontes, por não existirem muitas fontes a tocarem assuntos sensíveis.
Os dados recolhidos são inferiores aos registados por Ricardo Pinto (1997) sobre o Diário de Notícias. Recorde-se que este autor descobriu que nas hard news sobre política publicadas nesse jornal em 1995 cerca de 25% eram anónimas. Este facto poderá dever-se às diferenças na construção na amostra, já que Ricardo Jorge Pinto não engloba nas notícias que recolheu as peças sobre actividades governamentais, por exemplo, ao contrário do procedimento que foi adoptado na presente pesquisa. Como as notícias sobre actividades governamentais e autárquicas com repercussão nacional presumivelmente têm menos fontes anónimas, os resultados aqui obtidos mostram uma menor tendência para o recurso ao anonimato das fontes do que a pesquisa de Ricardo Pinto sugere. Também é possível, comos e disse, que a recurso a fontes anónimas tenha vindo a decrescer, de forma a credibilizar mais o discurso jornalístico, entre outras razões possíveis.
É ainda de registar que em ambos os jornais as percentagens de fontes anónimas e de fontes identificadas são muito semelhantes.
Anónimas | % | Identificadas | % | |
---|---|---|---|---|
Diário de Notícias | 1.019 | 8 | 11.555 | 92 |
Público | 594 | 7 | 8.268 | 93 |
Total | 1.613 | 7 | 19.823 | 93 |
O quadro 4 acentua a ideia de que os jornais analisados, competindo pelo mesmo público-alvo, movendo-se dentro do mesmo enquadramento sócio-político e jornalístico, sofrendo constrangimentos hipoteticamente similares, convergem no que respeita à utilização de fontes anónimas. No DN, apenas cerca de 8% dos períodos de citação dizem respeito a citações de fontes anónimas, enquanto no Público essa percentagem é inferior em apenas um ponto percentual.
Os dados observados no quadro 4 permitem também reforçar a conclusão de que ambos os jornais são contidos no que respeita ao recurso ao anonimato das fontes.
Constata-se, igualmente, que os valores percentuais do número de períodos atribuídos a fontes identificadas e anónimas não são muito diferentes dos valores percentuais do número de fontes identificadas e anónimas, o que evidencia a natural correspondência entre o peso das citações de fontes anónimas e o peso dessas mesmas fontes no noticiário político.
"On background" | % | "On deep background" | % | |
---|---|---|---|---|
Diário de Notícias | 354 | 68 | 167 | 32 |
Público | 301 | 73 | 112 | 27 |
Total | 655 | 70 | 279 | 30 |
Provavelmente devido a estratégias de credibilização do discurso, aparentemente os jornais procuram atenuar a força do anonimato da fonte dando pelo menos uma ideia sobre o "ambiente" em que a fonte se move. De facto, é diferente dizer "uma fonte bem identificada", que corresponde a uma fonte "on deep background", e "um membro da Comissão Política do PSD", que corresponde a uma fonte "on background". Assim, ambos os jornais recorrem mais a fontes anónimas "on background" (68% no Diário de Notícias; 73% no Público) do que a fontes anónimas "on deep background" (32% no Diário de Notícias; 27% no Público). É de registar, mais uma vez, a convergência percentual existente nos resultados obtidos com as amostras de ambos os jornais.
"On background" | % | "On deep background" | % | |
---|---|---|---|---|
Diário de Notícias | 648 | 71 | 271 | 29 |
Público | 385 | 65 | 209 | 35 |
Total | 1.033 | 68 | 480 | 32 |
Tal como previsível face aos resultados expostos no quadro 5, no quadro 6 pode observar-se que ambos os jornais -com destaque para o Diário de Notícias- recorre mais a citações de fontes "on background" do que a citações de fontes "on deep background". Na amostra, 71% dos períodos de citação de fontes anónimas no DN e 65% no Público correspondiam a informações disponibilizadas por fontes "on background". Este fenómeno pode estar correlacionado quer com estratégias de credibilização do discurso quer, hipoteticamente, com uma maior confiança dos jornalistas nas fontes que pedem o anonimato mas que aceitam, pelo menos, ser referenciadas "on background".
Os resultados obtidos na análise de conteúdo permitem validar todas as hipóteses enunciadas na introdução, ou seja:
* Os diários portugueses de referência usam fontes anónimas no noticiário político, possivelmente por razões que vão da protecção da fonte à manutenção de canais de comunicação estáveis entre as fontes e os jornalistas, passando pela manutenção do posicionamento das fontes nas estruturas políticas;
* Não há diferenças quantitativamente muito significativas entre os jornais diários de referência no que respeita à utilização de fontes anónimas, provavelmente porque o tipo de jornalismo praticado é semelhante e o contexto político é o mesmo;
* Predominam as fontes "on backgound" em detrimento das fontes "on deep background", já que os jornalistas procurarão credibilizar o mais possível a informação das fontes anónimas, fazendo aproximações à sua identidade.
Poderá ainda dizer-se que, hipoteticamente, a credibilização do noticiário político e a diferenciação dos jornais de referência em relação aos jornais populares ou sensacionalistas poderá estar a passar novamente pelo recurso às fontes identificadas como regra, como acontecia, embora por razões diferentes, durante a subsistência do modelo de jornalismo político declaratório e descritivo, temporalmente delimitado por Ricardo Jorge Pinto (1997) aos anos posteriores à Segunda Guerra Mundial, até meados dos anos sessenta/setenta do século XX.