Alessandro Paveloski1
A Internet já é parte dos sistemas e instrumentos da comunicação social mediada: é um suporte, é uma ponte, é a estrada, é um medium. As suas características diferem-se dos meios de comunicação de massa como o jornal ou a tevê, mas ela é um mediador. Distancia-se também dos meios interpessoais por origem, como o telefone. Reúne parte dos outros meios pelas vias da tecnologia, mas está distante de ser simplesmente o meio convergente, onde todos os outros se encontram. Enquanto suporte, permitiu até agora estimular a inversão constante, simultânea quase, de emissor e receptor, num emaranhado de alterações de papéis que até então não tínhamos presenciado na nossa história da mídia.
E ela fez-se então notada. A rede mundial de redes de computadores é sim um fantástico avanço das tecnologias de comunicação. É um suporte poderoso e diferente, que não só tecnologicamente, mas estruturalmente, em sua arquitetura informacional, reensinou o homem a usufruir sua capacidade criativa, científica, exploratória, de maneira mais profunda. Conectou o inconectável. Promoveu diminuições perceptíveis de distâncias globais, ao mesmo tempo em que ajudou a transformar o papel moeda em dígitos, entre outros muitos rearranjos que provocou na nossa sociedade - talvez a principal foi ter colaborado decisivamente para a transformação do computador de uma máquina de cálculo para uma máquina de comunicação. Ela acelera nossos mercados, disponibiliza o local ao global, e traz o global ao local com uma proximidade ímpar. Fez mesmo os mais leigos em física perceberem que o tempo é um fator terreno, ou apenas um encadeamento de momentos de vida, e que o espaço, tal qual o conhecemos, é somente uma das manifestações do que chamamos de realidade objetiva.
Como toda revolução no seio da sociedade, apresentou-se também como uma lupa para ampliar nossas mazelas, dificuldades, preconceitos, injustiças. Mostrou-nos nossos problemas, inclusive relacionados a ela mesma, Internet, com a exclusão digital. Virou elemento proibido para algumas culturas e desencadeou também elos temíveis entre facções e grupos radicais, extremistas, que buscam na rede as suas possibilidades destrutivas. Fez com que o fluxo do capital oscilasse mais rápido do que o do trabalho, ajudou a gerar euforias e suas conseqüências. Proporcionou, de alguma maneira, enquanto meio de comunicação, a ampliação da exclusão informacional. Mas não fez nada sozinha. Como toda nova etapa na história da humanidade, traz seus avanços, mas aflora também os retrocessos. Assim foi com a escrita, o mesmo com as navegações e todas as outras invenções que alteram o curso da história.
Assim, propor subsídios que nos dêem um mínimo de embasamento para a difícil tarefa de analisar mais a fundo as potencialidades já usadas (e outras em vias de serem utilizadas) da rede das redes, tendo como base o fato de a Internet estar indiscutivelmente presente em nossas vidas é um desafio e tanto. O espaço de amostragem para análise é enorme, perde-se em interconexões muitas vezes infinitas. Mas apesar das dificuldades, é possível iluminar a chance de se construir um agrupamento de pontos de reflexão que revele, com um pouco mais de clareza, por que os nossos parâmetros, referências de comunicação mudaram e estão em plena transformação com o advento da Internet.
Para isso, é preciso ir a fontes um tanto diferentes daquelas sobre as quais se construiu o que muitos teóricos chamam de Teoria da Comunicação. Essa linha teórica que gerou a Teoria da Comunicação de Massa buscou seus referenciais nos estudos sociais da Escola de Frankfurt, nas pesquisas administrativas e funcionalistas dos norte-americanos. Bebeu na sociologia dos meios de comunicação plantada pelos europeus e se fez viva nas análises da construção da notícia também nos EUA e nas pesquisas latino-americanas, que demonstrou uma profundidade de análise de conteúdo e contexto histórico sem igual. Mas quando falamos dessa nossa pretensa linha de análise da comunicação digital via Internet, é preciso juntar outros parâmetros. A Teoria da Comunicação visa oferecer referenciais úteis para analisar muito mais os efeitos do que a forma como a Internet se organizou enquanto suporte de informações através do globo.
Para ir mais além é preciso buscar suportes em algumas outras áreas do conhecimento, as quais escolhemos, entre tantas, as que seguem:
a) Teoria da Informação;
b) Teoria da Comunicação (já citada) e
c) Cibernética.
Estas três áreas desenvolvidas por disciplinas e campos do conhecimento até então sutilmente conectados, passam por uma ``reconexão'' nesta nossa proposta da seguinte forma:
Como ponto principal, seguiremos a ordem proposta (Teoria da Informação, da Comunicação e Cibernética) para que, através de um outro caminho, a Teoria dos Três Mundos, de Karl Popper2, possamos esquematizar com mais coerência esta contribuição a qual chamamos de subsídios para uma futura configuração de uma linha teórica que se dedique, com exclusividade e embasamento, a delinear ou ao menos iluminar os caminhos da comunicação baseada nas Novas Tecnologias da Comunicação (as NTCs).
Os mundos propostos por Popper assim como o desenvolvimento de três linhas de análise para a compreensão mais ampla da comunicação digital via Internet perfazem uma reflexão que consideramos fundamental para compreender as dimensões da rede das redes. É apenas um caminho entre vários, certamente, mas gostaríamos de frisar que estas dimensões nos mostrarão como a Internet é abrangente e certamente irá de maneira indelével nossas manifestações de comunicação.
A razão desta reflexão, além das já explicadas, é a de ampliar a visão do comunicólogo e de qualquer cidadão que se preocupa com a comunicação com relação ao que a Internet já é enquanto mediador de diferentes modalidades comunicativas. As teorias escolhidas, além de serem consagradas e devidamente exploradas em diversos estudos a respeito da comunicação, nos oferecem caminhos mais seguros e mais iluminados. Por isso, fizemos essa opção. Iniciamos propondo um paralelo com a comunicação de massa, reflexão que faremos a seguir. Depois, vamos percorrer um caminho que nos leva para dentro da física, e da engenharia e as ciências da comunicação eletrônica. Finalizando, veremos o que a Cibernética e seus conceitos podem nos oferecer de subsídios para uma compreensão mais ampla do tema, assumindo, tal qual Norbert Wiener definiu, que a cibernética é a ciência que estuda todo o campo de controle e da comunicação, seja na máquina, seja no homem.
Vamos retomar uma idéia já apresentada anteriormente: adotamos aqui que a Internet é um suporte, ou seja, uma estrada, uma via, um mediador da comunicação, com a qualidade de ser ``plurilateral''. Mas ela pode, tranqüilamente ser vista como um meio de comunicação de massa também, desde que observado com clareza de que a Internet e todos os seus recursos e ``manifestações midiáticas'' não configuram propriamente a formação de um só meio, único em toda a sua configuração, como o é o rádio e o jornal impresso, por exemplo.
E aqui vale deixar esclarecido, diante do que Rabaça & Barbosa (2002, p. 172) classificam como Meio de Comunicação de Massa, que há um ponto em que a rede das redes deixa de ser um meio de massa e passa a configurar-se como um mediador de caráter ainda não totalmente definido ou delineado.
Para estes autores, a comunicação de massa é geralmente dirigida para um público amplo, para milhões de pessoas simultaneamente através de alguns intermediários que se estabelecem enquanto grandes empresas, com capital, investimentos, enfim, baseadas na economia e nas regras de um mercado de capitais, e estrutura empresarial. Além disso, sua mensagem, sua informação, que compõe esse processo de comunicação, parte do que eles chamam de uma ``fonte organizada''. E é exatamente nessa fonte, composta por uma diversidade de elementos, e organizada enquanto sistema - conceito que veremos melhor ao darmos uma breve explanação sobre Cibernética - que se apóiam os pilares da fronteira que delimita o que é e o que não é um meio de comunicação de massa.
São quatro as características básicas daquilo que chamamos de meios de comunicação de massa, segundo Rabaça & Barbosa:
a) Sistemas que se organizam enquanto empresas. Tais organizações são amplas, complexas, com estruturas hierárquicas internas, uma quantidade grande de funcionários nos mais diversos setores e obrigações relacionadas às leis que amparam ou regem empresas, não só de mercado, como também as que permitem medir o fluxo entre lucro e despesas.
b) Comunicação mediada por máquinas: este segundo divisor está baseado sobre as técnicas e tecnologias, mais objetivamente sobre o segundo ponto, onde hoje está não só o hardware, mas o software e todas as possibilidades eletrônicas e computacionais que dão suporte ao processo de comunicação para a massa.
c) Capacidade de a emissão atingir um grande público simultaneamente. Este divisor refere-se à audiência: um meio de comunicação de massa tem condições técnicas e, inclusive, sociais (via formação de líderes de opinião, multiplicadores), de atingir simultaneamente uma vasta quantidade de pessoas, nos diversos estratos sociais, em pontos distantes de um mesmo país, continente ou até países espalhados pelo globo.
d) A comunicação unilateral é o quarto divisor e refere-se à questão da emissão: um meio de comunicação de massa configura-se, por essência, como um sistema de comunicação num só sentido e, apesar de possuir recursos que permitam à audiência estabelecer canais de retorno e contato (feedback ou retroalimentação), isso acontece de uma maneira não determinante. É também um retorno não igualitário. Isso faz com que o feedback não alcance nunca o retorno total, o que para muitos pesquisadores como Pfromm Neto e Pasquali, por exemplo, (apud Barbosa & Rabaça, p. 172 e 173), descaracteriza o verdadeiro sentido da comunicação, que prevê sempre uma interação e uma possibilidade mútua e igualitária de se estabelecer um processo de troca de informação.
Comunicação unilateral: é exatamente neste último divisor que está a diferença entre a comunicação de massa e a comunicação que se estabelece, em suas mais variadas modalidades e dimensões, na Internet. Como é próprio deste suporte digital a comunicação promovida pela Internet permite um alto grau de interatividade entre os elementos presentes no ato comunicativo, levando-nos a reforçar a idéia de que entramos num grau de comunicação em que se configura o fim do privilegiado emissor, estabelecido, em sua maioria, por empresas de interesses de capital e/ou particulares. E mais: por permitir que através do mesmo suporte que o suposto receptor pode participar on-line das mais diferentes variações e modalidades de comunicação, colocando, por exemplo, abaixo de uma notícia o seu parecer sobre a mesma ou pegando esta mesma notícia, personalizando-a e enviando aos seus amigos virtuais via e-mail, a Internet desencadeia, também em tempo real, do verdadeiro feedback. Este é definido pela cibernética como um conceito de reação, e mais à frente como retroalimentação, ligado intrinsecamente ao retorno pelo mesmo canal (o que ocorre na Internet, mas jamais no jornal, por exemplo, onde as dúvidas do leitor ou manifestações seguem via carta escrita, telefonema ou mesmo e-mail).
Ao falar em sistemas, passamos a mergulhar em alguns conceitos da Cibernética, sem nos esquecer dos Sistemas propostos pelo pensador alemão Jürgen Habermas, que também tem um tipo de sistema aqui explorado3. Os sistemas e suas regras internas, suas qualidades inerentes, suas limitações são dissecadas por esta ciência. Enquanto sistema, realmente o mundo comunicacional da Internet remete-nos a outros mundos e, como tem em sua essência a possibilidade de manifestação de diversas modalidades de mídia4, é certo que existem mesmo vários níveis da comunicação fluindo em sua estrutura.
Para compreender melhor este raciocínio, podemos seguir a mesma linha de pensamento e análise proposta por Ostrowiak (2000, p. 146 a 155), que entre várias idéias a respeito de uma Teoria da Comunicação potencializada, chamada de Teoria da Comunicação Produtiva, expõe com clareza uma adaptação pertinente dos conceitos elaborados pelo filósofo inglês Karl Popper (em sua Teorias dos Três Mundos como já citamos), a qual vamos desenvolvê-la no decorrer do nosso raciocínio - seguindo exatamente no mesmo foco e na mesma linha explorada com coerência por Ostrowiak - porém, devidamente adaptada às nossas reflexões.
O ponto de partida é saber quais são as dimensões da comunicação e em quais destas dimensões a Internet se encaixa melhor. O segundo ponto encontra-se na questão da produtividade. Ostrowiak, em seu texto ``Productividad de la comunicación en la era de Internet'' (2000) vê na sua proposta de uma Teoria da Comunicação Produtiva a oportunidade de ir mais a fundo na idéia de retroalimentação, ou feedback (momento em que o receptor torna-se emissor) lançando uma pergunta: ``que existe depois ou mais além da retroalimentação?'' Primeiro temos que compreender que, dentro do fenômeno comunicacional, a retroalimentação é a resposta que completa os diversos ciclos do processo de comunicação (de uma forma resumida, claro) ou, como nos explica o próprio Ostrowiak:
(...) a retroalimentação é, talvez, o elemento central que nos permite distinguir a informação da própria comunicação. É, assim pensando, o fator que fornece identidade ao processo da comunicação. Junto com o problema da interpretação, é o que define a comunicação como humana. (Ostrowiak, 2000, p. 146).
Para ir mais além da retroalimentação, o autor propõe que caminhemos na compreensão de três níveis da comunicação:
a) Geração e transmissão da informação: que se refere a um nível denominado linear.
b) Difusão ou distribuição da informação: que recebeu o nome de nível dinâmico.
c) Uso e aproveitamento da informação: que ganhou o nome de nível produtivo e tem como propósito classificar e analisar a informação gerada, transmitida e distribuída sob a luz de um propósito, objetivo ou meta que se pretende atingir com aquela determinada informação.
Ostrowiak, além de classificar estes três níveis, liga-os à Teoria dos Três Mundos de Popper da seguinte forma. Nesta teoria, Popper nos mostra que a realidade possui três aspectos distintos, porém, coexistentes e muitas vezes complementares que ele relacionou como a realidade física (nível linear, segundo Ostrowiak), realidade social (nível dinâmico) e, por fim, talvez o mais complexo conceito do filósofo para efeito deste nosso estudo, a realidade criativa (nível produtivo), que também pode ser chamada de realidade objetiva das criações humanas.
Explicando Popper e relacionando-o com sua Teoria da Comunicação Produtiva, Ostrowiak revela que as leis da física, da química, da biologia e todas as suas possíveis combinações constituem todo o conhecimento produzido, ajudando a compreender o primeiro mundo, o da realidade física. Já as ciências sociais ou humanas, e hoje as ciências sociais aplicadas, geram todo o conhecimento que explica e rege o segundo mundo, o da realidade social. Um tanto mais complexo de se definir ou de demarcar suas fronteiras, este segundo mundo pode ser composto pela consciência, pelo mundo subjetivo que habita a mente de cada um de nós, todas as nossas relações e as trocas e relações existentes entre os mais diferentes grupos sociais. O autor defende a idéia de que o principal regente deste mundo e que demonstra suas operações internas é sem dúvida a racionalidade, a inteligência. Os meios de comunicação de massa, em geral, estabelecem um vínculo muito forte com esse mundo, principalmente pela sua capacidade de emissão de informações no interior da sociedade.
Mas é no terceiro mundo que estamos, ao falarmos de Internet e suas manifestações: o mundo da realidade objetiva das criações humanas que, segundo Ostrowiak, ``se move em quatro domínios: a ciência, a tecnologia, a arte e a cultura''. Tal mundo é complexo ao extremo, e ao buscar o seu regente, a força que o coordena, encontramos uma polêmica definição teórica de Popper. O filósofo sustenta que o mundo da realidade objetiva das criações humanas é regido pela ``Lei das Conseqüências Não Previstas''. Tal conceito pode nos ajudar a explicar a até ``inexplicável'' expansão da rede das redes pelo mundo e a diversidade absurda com que seus conteúdos se multiplicaram, não só em termos de referência de temas dos mais diferentes campos e disciplinas do conhecimento humano, mas em modalidades perceptivas e em recursos tecnológicos e comunicacionais. Tudo em nome de uma maior interatividade e de uma ruptura com os parâmetros que definem a comunicação linear, analógica, própria dos meios de comunicação de massa tradicionais, a citar o rádio, a televisão, os meios impressos e até mesmo o cinema.
Mas o que será que nos diz Popper com essa Lei que seja tão fundamental para compor os nossos subsídios para a construção de uma teoria da comunicação digital, que contemple o estudo da Internet? O subsídio básico apóia-se numa fórmula: i # e.
Da fórmula, vamos retornar ao conceito básico desta Lei: ela quer dizer que ``a intenção (i) nunca (#) é o efeito (e) ''. Ostrowiak (2000, p. 152) detalha que a implicação imediata das criações humanas não são propriedade de quem as descobre ou inventa, mas sim, são propriedades de si mesmas. Ou seja, os nossos ``produtos da subjetividade'', quando expostos ao mundo, sejam eles de qualquer domínio demonstrado (ciência, tecnologia, arte e cultura), transformam-se em produtos de uma realidade objetiva, passam a ser regidos por leis que a eles mesmos pertencem, e, desta forma ``se governam por princípios que são independentes e autônomos da intenção e da vontade de quem lhes deu vida''.
Façamos um exercício de conhecer tal princípio aplicando-o sobre a realidade objetiva que se apresenta nas manifestações mais aparentes da Internet. Desde que foi criada, os objetivos principais da rede das redes eram o de preservação de dados, descentralização da informação e quebra de um centro armazenador de informações estratégicas em pontos distantes, coexistentes e compartilhados, visando proteger tal ``conteúdo'' de uma possível destruição - fatos ocorridos mediante a ameaça histórica da Guerra Fria, isso na década de 60.
Mas a Internet não enveredou por este caminho, e como se tivesse vida própria, seguiu à risca a Lei das Conseqüências Não Previstas. Surpreendeu, ano a ano, todos os sistemas da nossa sociedade, imprimindo um ritmo se não totalmente novo, ao menos estranho e incontrolável às esferas da política (local e global), da economia, das relações sociais, das ``trocas'' culturais, entre outras. Por reger-se e ser produto da objetividade da criação humana, percorreu um caminho que muitos poderiam chamar de destino, e outros de fatalidade, e alguns, ainda, de evolução natural e incontrolável de uma tecnologia. Qualquer que for a busca por uma definição, estaremos diante de um fenômeno com variáveis incontroláveis.
Por ser a essência ou o fenômeno que distribui todo e qualquer saber produzido pela sociedade e seus indivíduos, a comunicação em todas as suas dimensões pode ser considerada uma meta-ciência. Isso quer dizer que mesmo diante dos mais complexos parâmetros teóricos da física, de algoritmos muitas vezes indecifráveis, de teoremas complexos e fórmulas químicas revolucionárias, estamos diante de dois fenômenos: um, a essência da própria descoberta e outro, a sua multiplicação, distribuição, e, em princípio, a sua construção enquanto codificação, usando palavras, números, códigos para que tal descoberta possa ser compartilhada. Comunicação é tudo isso. As ciências dependem dos instrumentos de comunicação para existirem, o que nos faz concluir que comunicação, então, é realmente fenômeno meta-científico. É a ciência catalisadora de ciências.
Se a comunicação é esse fenômeno, ela pode ser considerada uma realidade que ultrapassa o seu próprio mundo, estando presente nas três realidades apresentadas simultaneamente: ela é realidade física, por estar presente na codificação de todo o conhecimento que não seja tácito e na percepção que adquirimos das leis naturais em todas as suas manifestações e combinações. Ao mesmo tempo, ela faz parte das ciências sociais aplicadas, é o objeto e, ao mesmo tempo, o componente máximo da nossa consciência, seja ela individual ou coletiva. A comunicação permite que tenhamos referenciais que ajudam na construção de todo e qualquer conhecimento e funciona como um elemento de ligação das dinâmicas de relações intergrupais, por exemplo. E, claro, a comunicação também é, essencialmente, um produto da nossa realidade objetiva e faz parte do rol das criações humanas, através dos caminhos da história da nossa espécie.
A relação que se pode fazer então, para iniciarmos a construção desses subsídios que nos ajudará a formar um repertório analítico mais completo (para ter a mente mais preparada para avaliar as manifestações da Internet no decorrer deste trabalho), é de que pelos três mundos, ou melhor, pelas três realidades, podemos unir a idéia de Popper como parâmetro, linha de pensamento, aos três referenciais teóricos que propomos, da seguinte forma:
a) Mundo 1 - Realidade Física e a Teoria da Informação
b) Mundo 2 - Realidade Social e as Teorias da Comunicação
c) Mundo 3 - Realidade Objetiva das Criações Humanas e Cibernética
Vamos agora, de uma maneira mais objetiva e esquematizada, organizar estes três mundos dentro do objetivo principal nosso: conhecer a Internet em uma dimensão mais ampla e profunda. Basicamente, vamos esquematizar os três mundos em referenciais teóricos (principais conceitos) e, conjuntamente, faremos uma análise que pretende, à luz de cada teoria, propor uma visão complementar do que venha a ser a Internet. O objetivo é buscar definições que comprovem, de uma maneira empírica, que estamos diante de um suporte de comunicação ímpar, que se difere de todos os demais meios de comunicação já existentes, em especial aqueles que denominamos de meios de comunicação de massa: televisão, rádio, jornais e revistas.
Os referenciais teóricos pretendem ser uma breve explanação dos principais conceitos de cada linha teórica, em especial aqueles que podem ser úteis para a compreensão da dimensão do raciocínio que propomos nesta dissertação. Outra análise, que navega pelos conceitos, mas enquanto elementos convergentes e divergentes, têm o objetivo de expor brevemente os pontos e contrapontos de cada ``lugar de análise''. Finalmente, na análise final vamos comparar conceitos, pontos divergentes e convergentes numa objetiva e concisa conclusão do que tais teorias podem contribuir para subsidiar a formação de uma linha analítica que permita compor uma exploração mais segura das vertentes da comunicação digital.
Informação é um dos pilares do momento histórico em que vivemos. Porém, para a Teoria da Informação, os conteúdos de uma mensagem, seja qual for suas características, idiossincrasias ou composições, não possuem importância no plano analítico. Informação neste campo do conhecimento é única e exclusivamente uma manifestação de dimensões técnicas e até matemáticas, e no processo de comunicação, ela existe potencialmente, mas seu significado está contido, diretamente, nas partes envolvidas no processo comunicacional. Basicamente é desta forma que a Internet e o seu protocolo de sustentação, o protocolo TCP/IP, trata a Informação5. Ela possui um código, uma certa ordem. É, se assim podemos considerá-la, um sistema cujo significado encontra-se no ponto de emissão e é decodificada, devidamente organizada enquanto significação, no ponto de recepção. Isso tudo com a virtude de que os pontos se alternam entre emissão e recepção, fazendo-o de maneira simultânea, uma vez que computadores podem ser considerados máquinas de processamento e produção de informação de maneira simultânea, sincronizada ou não.
Como buscamos aqui elencar os referenciais teóricos que podem servir para uma análise das dimensões da Internet, além de informação, temos que nos ater também à maneira como este campo teórico explora o conceito de mensagem. Segundo a Teoria da Informação, mensagem é uma seqüência, uma sucessão qualquer de dados codificados passível de transmissão de um emissor a um receptor, independente de seu significado. Neste ponto, o do significado, está o parâmetro que separa este conceito de mensagem da TI e do abordado, mais à frente, pelas pesquisas comunicacionais. Concluindo, tecnicamente pode-se afirmar que a mensagem é a ``unidade complexa codificada'' que transita por um canal, levando informação de um emissor a um receptor. Ela é, assim, o conteúdo que permite a efetivação de um processo comunicacional, sendo ela, não só a razão do processo de comunicação no nível técnico-matemático, mas também o seu próprio mediador (o que nos faz, inevitavelmente, relembrar do que McLuhan afirmou de que ``o meio é a mensagem'').
A grande contribuição que esta linha teórica deu e que, de uma maneira clara, influenciou no processo de formação de uma rede das redes que desembocou no advento da Internet, refere-se à velocidade da informação. Segundo Umberto Eco (apud WOLF, 2002), a Teoria da Informação contou com uma série de estudos dedicados ao desafio de aumentar e otimizar a velocidade dos fluxos comunicacionais, diminuir as distorções e aumentar o rendimento global do processo de transmissão de informação. De maneira complementar, os pesquisadores entendiam também a informação da seguinte maneira:
(...) propriedade estatística da fonte das mensagens [...], como medida de uma situação de eqüiprobabilidade, de distribuição estatística uniforme, que existe na fonte [...], como valor de eqüiprobabilidade entre muitos elementos combináveis, valor que é tanto maior quanto mais escolhas são possíveis. (ECO, 1972, p. 14-15, apud WOLF, 2002, p.113).
Outro conceito que se torna fundamental para subsidiar análises em torno das manifestações e dimensões da Internet é o de código. Para a Teoria da Informação, distante dos significados que já foram adotados, o código também é um sistema de regras, porém, ao invés de oferecer ao sinal a possibilidade de significação ele convenciona um valor ou um atributo de valor.
Informação, mensagem e código serão os três conceitos avaliados, visando compreender de maneira mais ampla a Internet.
Estamos no primeiro mundo de Popper, o mundo físico. Aqui, as leis ligadas às questões muitas vezes indecifráveis, mas inegáveis da natureza elétrica dos sinais que compõe as telecomunicações são consideradas determinantes. Quando analisarmos as vertentes tecnológica e econômica que existe no mundo pós-advento da Internet veremos como tais Leis do eletromagnetismo e, hoje, da óptica marcaram de vez os destinos da humanidade. Para uma análise e percepção mais ampla das dimensões da rede das redes, vamos nos ater a estes três conceitos da Teoria da Informação para nos aprofundarmos neste primeiro mundo, que serve mais como um primeiro trecho da estrada para chegarmos mais perto de um rol de idéias que nos permita visualizar melhor a Internet em todas as suas manifestações.
A informação, mensagem e código, no mundo das telecomunicações, perfazem três subsídios básicos para que a Internet torne-se um suporte comunicacional. A diferença básica é que, ao invés de reproduzir uma linha comunicacional composta por receptor e emissor tal como a teoria informacional prevê, a Internet multiplica de forma quase que infinita as possibilidades de alternância emissor/receptor. Isto faz com que, por exemplo, um mercado financeiro, desprovido de um emissor definido promova um fluxo contínuo de informações que se unem em torno de mensagens codificadas com um código tecnológico próprio deste mercado, que logo se traduz no código básico do protocolo adotado pela rede das redes. Tudo isso nos mostra que a Internet é um canal híbrido de telecomunicações. É neste ponto que residem as principais limitações do primeiro mundo - o mundo da realidade física - como instrumento para se compreender as dimensões da Internet.
Porém, Eco (2002, op. cit) nos mostra que o teórico da informação não deve estar preocupado exclusivamente com a relação entre o sinal e o significado, mas sempre com a forma mais econômica e rápida de se transmitir os sinais, hoje tão importantes para o sucesso da Internet. Ele busca o sinal perfeito, o que gera também a perfeição da mensagem, e diminui sensivelmente as possibilidades de ruído. Foi com esta mentalidade tecno-informacional que a Internet ficou encubando em diversas universidades norte-americanas e, quando ganhou espaço na sociedade, teve logo uma rápida aceitação. Por sua essência servir a uma comunicação sem ruídos e com uma alta taxa de segurança na fidelidade do sinal recebido e emitido, mercados e a sociedade global logo a adotaram como uma nova dimensão da comunicação sem fronteiras.
Finalizando esta linha de raciocínio, o próprio Umberto Eco nos alerta: a Teoria da Informação ``pode constituir um método para a investigação cada vez mais cuidadosa da forma de expressão sob seu aspecto de sinal físico, mas não pode ter mais do que um valor de orientação [...] para uma teoria comunicativa mais abrangente que só pode ser uma semiótica geral'' (ECO, 1972, p.26 apud WOLF, 1992, p. 103). Em outras palavras, neste mundo físico em que estamos, onde o sinal é a prioridade e não o significado, a Teoria da Informação cumpre bem seu papel. Mas quando passarmos a outros aspectos, como o uso social da comunicação via Internet, temos que buscar outros subsídios que serão revelados ao longo das nossas análises.
As Teorias da Comunicação superaram as ligadas aos paradigmas informacionais não enquanto essência, mas enquanto vertente e suporte para reflexão a respeito das manifestações de comunicação. Isso quer dizer que não estamos diante de uma teoria mais sólida, e sim, de uma abordagem que segue caminhos diferentes, de uma reflexão que passeia por outra seara. Enquanto na Teoria da Informação estamos diante dos referenciais tecno-comunicacionais, aqui estamos diante dos referenciais sócio-comunicacionais, o que muda completamente o ponto de vista. Os subsídios para análise, portanto, também ganham uma nova dimensão.
As Teorias da Comunicação são, como nos mostra Martino (2001), um estudo interdisciplinar, que forma um conjunto de outras teorias vindas da Sociologia, da Antropologia, da Filosofia e demais conceitos extraídos de outras áreas das ciências humanas e sociais. Assim, nos deparamos com diversas escolhas. A nossa foi feita com base em Mauro Wolf (2002), que consegue reunir quase todas essas teorias num único trabalho. Entre as diversas linhas teóricas apresentadas, vamos seguir, para uma breve e concisa análise da Internet, a teoria sociológica do estrutural-funcionalismo, uma linha de pesquisa norte-americana que inaugurou uma etapa diferente das pesquisas em comunicação ao propor que sociedade e mídia estavam interligadas de tal forma que uma análise isolada de um dos dois sistemas, poderia levar a conclusões infundadas.
Segundo Wolf, ``... a teoria sociológica do estrutural-funcionalismo salienta a ação social (e não o comportamento) na sua adesão aos modelos de valores interiorizados e institucionalizados'' (2002, p. 55). O autor também explica que o nosso sistema social é visto por essa linha teórica como ``um organismo cujas diferentes partes desempenham funções de integração e de manutenção do sistema. O seu equilíbrio e a sua estabilidade provêm das relações funcionais que os indivíduos e os subsistemas ativam no seu conjunto'' (WOLF, 2002, op.cit).
Se estamos diante deste ponto de análise, os subsídios básicos necessitam ser colhidos a partir daí. Pontuamos que a Internet é um componente de um sistema que busca uma integração e cumpre, por assim dizer, uma função de manutenção desse sistema, ajudando a reforçar os laços sociais através de uma linha um tanto libertária de comunicação. Ë uma rede das redes que ajuda a manter estreitos vínculos com valores e princípios construídos pela própria sociedade que a subsidia. Tais valores e princípios externados principalmente na parte hipertextual e gráfica da Internet, a chamada World Wide Web (www), realmente refletem nossa imagem social. Ali, podemos encontrar nossos desejos de consumo, nossas vontades de provocar mudanças e nossos desvios também, como a pornografia disseminada, o humor sarcástico e nossos desejos de destruição.
Para levar a uma reflexão mais profunda dessa lógica do espelho, que a Internet expõe diante dos nossos cliques de maneira mais transparente que os demais meios de comunicação, podemos seguir quatro caminhos de análise derivados dessa lógica principal. Estes quatro caminhos levam-nos a refletir que a função da Internet, suporte comunicacional, também possui poderes dentro da sociedade, e com os seguintes objetivos:
a) Manutenção do modelo e o controle das tensões: ``cada sistema social possui mecanismos de socialização que ativam o processo através do qual os modelos culturais vem a ser interiorizados na personalidade dos indivíduos'', revela-nos Wolf (2002, p.55). Não se pode afirmar com precisão que a Internet esteja hoje cumprindo o papel de controladora de tensões. Trabalhando na manutenção de um novo modelo comunicacional que veremos em nossas análises, a Internet vem cumprir aquilo que para a sociedade pós-moderna vem a ser de fundamental importância: a diversidade de jogos de linguagem onde cada um pode recorrer a um código, a uma convenção distinta, visando que o modelo determinado, seja ele um clube de interesses, um grupo de universitários, uma rede distinta de colecionadores interconectados, uma lista de e-mails formando um grupo em torno de determinado tema, sejam mantidos, reforçados e seus laços tornem-se mais fortes, conforme nos explica Harvey (2001).
b) Adaptação de um sistema social ao ambiente social: Se estamos diante de um ambiente social diferente, interconectado, universalizante, os sistemas sociais que se utilizam da Internet para manutenção de seus elos, precisam adaptar-se a essa nova realidade midiática que se expandiu. Hoje, as interconexões que ficam claras na Internet estão presentes não só na rede mundial, como em toda a sociedade global, que possui acesso, logicamente, aos mercados mundiais, entre outras novidades do mundo globalizado. Para seguir tal parâmetro na construção de uma análise pertinente deste âmbito da comunicação social, é preciso que o inverso também seja levado em conta.
O ambiente social global também é um fruto de adaptações a alguns sistemas, principalmente os predominantes, ou melhor, os dominantes. Organizacionalmente falando, a rede das redes leva-nos ao seu princípio: uma rede para defender interesses estratégicos da maior potência mundial, os Estados Unidos da América, e que possuía em sua gênese a função de preservação de informações de maneira descentralizada. Se a Internet possui um DNA social, ele está diretamente ligado aos Sistemas Estatais, em especial ao Militar e ao Acadêmico.
c) Direcionamento do sistema na perseguição de um objetivo conjunto: Wolf (2002) nos explica que cada sistema social tem vários objetivos a alcançar, susceptíveis de serem realizados mediante esforços de caráter cooperativo. Certamente que a Internet pode, por assim dizer, ser considerada uma estrada multidirecional dos também multi-sistemas que compõem a rede intrincada da nossa sociedade global. Objetivos em comum, assim, são perseguidos com o auxílio de toda a amplitude tecno-informacional que a rede oferece - citando apenas um dos aspectos.
d) Integração do sistema ou de um sistema com o outro, promovendo um dos pilares da Globalização: a comunicação em fluxo. Isso quer dizer que as partes que compõem o sistema devem estar interligadas. Prates (1998) nos explica das necessidades da fidelidade entre os elementos do sistema para que seu conjunto seja preservado. Certamente, a interligação de computadores através da Internet pode ser considerada como uma rede integradora do sistema que acaba por compor a sociedade global. Vista do prisma dos grupos minoritários, a Internet também consegue se configurar enquanto fator de integração, pois sua característica de meio de comunicação multidirecional, plural, incontrolável até, manifesta-se como um antídoto contra as características desagregadoras, típicas dos meios de comunicação de massa quando estes, em especial, são usados para fins de manipulação dos estados e de empresas privadas, visando a defesa de interesses próprios.
Claro que não podemos, com esta análise, incorrer na ingenuidade de achar que as minorias da sociedade global possuem força, poder e condições tecno-econômicas para se integrar às possibilidades da Rede. A Internet ainda está distante de ser um instrumento de nivelamento dos estratos sociais e de democratização perfeita dos fluxos informacionais, como nos revela Cebrián:
Mesmo assumindo possíveis vantagens na prática democrática pela Internet, teremos de reconhecer que se corre o risco de estabelecer uma nova exclusão entre os cidadãos, de signo parecido ao ateniense: aqueles que não estiverem conectados à rede e os que têm menos habilidades para exercitar-se ver-se-ão discriminados em sua participação e expulsos do conclave dos iniciados. Isso é válido para coletivos locais ou nacionais tanto quanto para a totalidade do território sobre o qual o sistema pretende reinar. (CÉBRIAN, 1999, p. 78).
Colocar a Cibernética no mesmo plano da realidade objetiva das criações humanas foi um desafio que levamos para este trabalho com o intuito de mostrar que, mesmo diante das incontroláveis manifestações do nosso espírito, há algo a sistematizar. Esse foi o desafio que Norbert Wiener teve ao elaborar uma teoria que buscasse compreender a lógica ou mesmo as regras que regiam a organização dos mais diferentes sistemas. Wiener buscou essa lógica de organização na própria Natureza (céus, raios, luzes...), e levou a mesma lógica para os sistemas da sociedade. Nesta viagem conceitual, mostrou-nos que somos capazes de criar a organização até mesmo em seres inanimados e dependentes do nosso intelecto. Uma definição mais completa nos expõe Gordon Pask:
A cibernética é uma ciência nova que, como a matemática, aplica, corta transversalmente os entrincheirados departamentos da ciência natural: o céu, a terra, os animais e as plantas. Seu caráter interdisciplinar emerge quando considera a economia não como um economista, a biologia não como um biólogo, e as máquinas não como um engenheiro. Em cada caso, seu tema permanece o mesmo, isto é, como os sistemas se regulam, se reproduzem, evoluem e aprendem. Seu ponto alto é de como os sistemas se organizam. (PASK, 1961, p.11 apud EPSTEIN, 1973, p.9).
A partir dessa definição fica mais claro o caminho percorrer. Se estamos diante de um sistema ao olharmos e analisarmos a Internet, e mesmo ao propormos alguns subsídios que nos permitam conhecê-la em dimensões até novas, a Cibernética pode realmente ser um ponto de sustentação dessa busca. E podemos iniciar esta abordagem a partir do próprio criador da Cibernética, Wiener, na medida em que coloca num mesma patamar ou classe os conceitos de comunicação e controle. Segundo Wiener, ``quando me comunico com outra pessoa, transmito-lhe uma mensagem, e quando ela, por sua vez, se comunica comigo, replica com uma mensagem conexa, que contém informação que lhe é originariamente acessível, e não a mim'' (Wiener, 1978, p. 16). Com base nisso, temos que comunicação tem em sua essência um imperativo: mesmo quando não buscamos persuadir alguém (fugindo do estigma que destrói a ação comunicativa), ao emitirmos determinada mensagem, seja ela oralmente ou via Internet, estamos enviando ao mesmo tempo um comando, que deseja pelo menos uma resposta do interlocutor, seja ele um ser humano, uma máquina, um grupo, ou um anônimo, pendurado em uma conexão da rede das redes em alguma parte do mundo.
Esta reflexão nos leva a outra: ``a sociedade só pode ser compreendida através de um estudo das mensagens e das facilidades de comunicação que disponha'' (Wiener, op.cit). O próprio Wiener, prevendo a presença cada vez mais constante da tecnologia e das máquinas no âmbito da comunicação humana, continua sua conceituação, dizendo que ``no futuro desenvolvimento dessas mensagens e facilidades de comunicação, as mensagens entre o homem e as máquinas, entre as maquinas e o homem, e entre a máquina e a máquina estão destinadas a desempenhar papel cada vez mais importante'' (Wiener, op.cit.).
O núcleo da nossa análise, aqui, está no conceito de mensagem, que pode ser considerada a própria organização da informação ou mesmo a desorganização da informação, na medida em que as mensagens compõem-se em formas de configuração ou de organização - variando em termos e dimensões de acordo com sua probabilidade e clareza. E complementando e esclarecendo esta idéia, a Cibernética quando fala de organização leva em consideração, ao mesmo tempo, a desorganização, bebendo nesses conceitos a partir da idéia de entropia. Entropia é a medida de desorganização, a segunda lei da Termodinâmica, que traduzida para o universo comunicacional por Wiener, pode ser considerada uma medida de desorganização. A informação é exatamente o contrário: quando transmitida por um conjunto de mensagens, torna-se a medida da organização.
Para efeito de uma análise mais profunda do mundo da realidade objetiva das criações humanas, recordamos mais um conceito que relaciona-se à informação: ``informação é o termo que designa o conteúdo daquilo que permutamos com o mundo exterior ao ajustar-nos a ele, o que faz com que nosso ajustamento seja nele percebido'' (Wiener, 1978, p. 17). Assim, quando vamos em direção às análises da Cibernética, saltamos além do conceito social de comunicação, indo ao pós-social, às leis, regras e as não-regra, ou anti-regras que regem o nosso universo social e comunicacional. A Cibernética de maneira mais profunda demonstra-nos que a comunicação prevê controle, e é uma atividade que busca diminuir o nível de desorganização. Porém, quanto mais provável seja a mensagem, menor é a quantidade de informação, pois informação relaciona-se à originalidade máxima, o que quer dizer que a informação maior é a que possui a mais absoluta imprevisibilidade.
A partir destes conceitos, podemos penetrar neste mundo objetivo das criações humanas e percebê-lo como mundo social e mundo comunicacional. As ferramentas básicas estão em nossas mãos: informação, mensagem, entropia. Agora, temos que considerar: a Internet é um meio totalmente entrópico, mas que possui um suporte único que o faz existir, o protocolo TCP/IP. Se esse protocolo é uma medida de entropia negativa, as possibilidades que ele gera, tal qual os números na matemática, são infinitas. O que temos que perguntar a nós mesmos é qual caminho queremos seguir.
A Internet é entrópica em vida, em uso, e antientrópica ou neguentrópica em sua essência. Estamos diante de um meio de comunicação alavancador de possibilidades também infinitas de regulação e autoregulação. O que significa que a rede das redes é um sistema um tanto complexo necessitando conviver com sua parte entrópica e com sua parte antientrópica simultaneamente.
Sendo um elemento de organização e ao mesmo um caos tecnológico como muitos gostam de alardear, a rede mundial das redes de computadores possui o mérito de ter sido formado por movimentos espontâneos, por interconexões muitas vezes livres, muito diferente da formação da televisão que, só como exemplo, possui uma divisão clara entre empresas, configurando-se como elementos de uma indústria cultural que se estrutura sobre as bases industriais da segunda etapa da revolução industrial. Isso quer dizer que a Internet contém empresas, mas não permite que elas sejam as únicas centralizadoras de todo o poder comunicativo. É entrópica ao se organizar em forma de uma rede onde máquinas das mais varias plataformas e arquiteturas se comunicam. E é neguentrópica ou antientrópica ao permitir que todos nós usemos o seu espaço fluido e virtual para manifestarmos nossos produtos de subjetividade, criação e percepção do mundo, sem pedir nada em troca.
Assim, podemos concluir que as dimensões realmente incalculáveis da rede mundial das redes de computadores permite-nos as mais diferentes reflexões. Colocamos aqui apenas uma parte ínfima do que a Internet pode estimular em termos de análise e de conceitos. Sim, conceitos, pois fazer uma análise deste suporte comunicacional usando três referenciais distintos, porém, complementares, com são as Teorias da Comunicação, da Informação e a Cibernética, torna-se uma aventura até mesmo arriscada. É certo que a compreensão de alguns desses conceitos aqui lançados não é fácil, nem também é um caminho sem obstáculos a construção do pensamento não linear que três áreas distintas do conhecimento humano estimulam. Como estamos habituados à não-linearidade do suporte digital da Internet, o objetivo principal desta proposta de subsidiar um caminho à Teoria da Comunicação Digital se cumpre na medida em que os fragmentos apresentados vão se fundindo numa única linha de raciocínio.
Os pontos principais desta etapa de observação foram cumpridos na medida em que apresentamos:
a) A Internet vista pelos prismas das três linhas teóricas apresentadas logo no início do capítulo.
b) A rede mundial de computadores como uma manifestação do conhecimento humano em todas as suas dimensões, o que nos leva a refletir que a Internet é realmente um fenômeno de comunicação novo, que se difere em uso e em essência dos seus antecessores mais famosos da comunicação eletrônica: o rádio e a televisão.
c) Por fim, a Internet como um fenômeno também de regulação e autoregulação, de uma comunicação entrópica e antientrópica ao mesmo tempo, fato este que mexe com as estruturas básicas do conceito cibernético de informação que tem em sua base a própria organização dos dados.
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