Manoella Neves e Geder Parzianello1
Vimos pensando sobre o ensino de semiótica nos cursos de comunicação social, quando no transcorrer da disciplina 'Teoria da Comunicação' é chegado o momento de apresentá-la aos alunos. O nome 'semiótica' parece ao imaginário do acadêmico algo com certo peso e complexidade que o mantém relativamente distante, e quase sempre, desde os primeiros esforços de aprendizagem. Partimos então da seguinte questão: como ensinar para um aluno de graduação a análise da produção, circulação e consumo de sentidos que propõe a semiótica, tornando menor essa distância entre o aluno e a disciplina?
Antes de iniciar, porém, a discussão proposta neste artigo, de uma pedagogia que promova a análise dos efeitos de sentido e torne a tarefa do professor de teoria um desafio possível, sobretudo admissível ao aluno, esclarecemos algumas questões epistemológicas centrais. Como o foco do artigo está no ensino da disciplina e não na defesa de uma corrente de semiótica, trazemos para o texto autores de diferentes escolas em um esforço de aproximá-los na direção do problema formulado em nossa inquietação como professores.
Falamos de um lugar que observa a aproximação coincidente entre Bakhtin e Peirce no que se refere à exterioridade do signo. Conforme Santaella (1985) Pierce afirma que a linguagem não está em nós. Somos nós que estamos na linguagem. Idéia coincidentemente partilhada por Bakhtin (1992) que diz que todo signo possui um significado e remete a algo situado fora de si mesmo e que por sua vez emerge de um processo de interação entre uma consciência individual e outra.
A experiência da leitura, a capacidade / propriedade de atribuir sentido às coisas, é uma experiência de comunicação, um fenômeno de atividade semiósica, no sentido que Greimas (1975, p.120) dá ao termo, e se insere no universo das práticas significantes. Seu estudo, por parte dos estudantes de Comunicação, torna fundamental tanto um pensamento sobre uma pedagogia própria da aprendizagem de semiótica quanto a precisão sobre o que se entende por um processo de instauração de sentidos que se constroem sobre o mundo desde uma intencionalidade dada.
Por sentido, entendemos a produção ou os efeitos obtidos através da utilização de elementos argumentativos destinados a capturar a atenção e aprovação do sujeito no interior de um texto. No texto, o enunciado toma forma, variando seu sentido de acordo com o contexto, sendo a partir da observação do contexto geral da turma e somente desde este primeiro olhar, que o professor poderá trazer para a sala de aula materiais para análise capazes de despertar a atenção do acadêmico, provocando nele um efeito de sentido e uma intimidade com as questões da teoria.
A partir desta provocação, poderemos aguçar a visão do aluno para encontrar, na superfície de textos, as marcas e pistas deixadas pelos processos sociais de produção de sentido, fazendo com que o aluno busque uma postura de analista, como alguém que desconfia/desconhece para procurar e descobrir vestígios que possibilitem uma contextualização do evento comunicacional, buscando o sentido exterior ao texto. O conceito de texto que mantemos, evidentemente, é o mesmo que anima a quase totalidade dos estudos semióticos, de qualquer produção dotada de sentido, visual, sensitiva, ou mesmo de outras ordens. Fora portanto, da visão fronteiriça de texto como algo necessariamente construído por frases e constituído na escrita.
Concebendo o texto como qualquer objeto significante, afirmamos que ele tem um valor fora de si. Em outras palavras, o objeto de análise semiótica não tem um valor per si, mas emerge de um contexto social onde ocorrem interações de consciências. Logo, neste caso, texto é signo.
A produção intelectual do aluno na disciplina começa a ocorrer a partir do momento em que ele reconhece os processos de construção social e científico que o circundam. Ele obtém tal reconhecimento ao ampliar seu universo de leitura de textos que estão dispostos a sua volta, agregando a isto sua história de vida, suas leituras anteriores, sua relação com as outras consciências. E a semiótica dá a possibilidade de ampliação da visão e se oferece como referencial metodológico para a análise de bens produzidos em determinada cultura.
Na ampliação desta visão, há uma linha de tensão entre um objeto significante e seu interpretante, já que a instância geradora do sentido de um objeto é a subjetividade humana, sugerida a dificuldade de submeter à análise algo que não apresenta um controle reconhecido. Este momento de tensão é justamente o que torna uma pedagogia da análise dos sentidos tão necessariamente discutida no âmbito de práticas de ensino em cursos como o de Comunicação. Sabe-se que quando o sujeito interpreta e dá sentido a um objeto, o faz de modo intencional, ainda que possua apenas relativa consciência de sua intenção. Sendo assim, como então promover uma prática de ensino capaz de escapar de uma subjetividade tão marcada como a do interpretante a ponto de fazer parecer que todo sentido atribuído desde uma perspectiva singular possa ser de fato aceito como sentido válido a um signo?
A primeira noção que temos em nível de senso comum sobre como interpretamos o mundo é de que a interpretação é resultado de uma atividade subjetiva. Essa noção é revista pela semiótica de Peirce, para quem um signo não é dependente de um ego individual. Ao contrário, para ele, o signo é capaz de determinar o interpretante, ou o efeito do signo, que se faz sentir na mente do intérprete.
O sentido do mundo encontra substância no(s) sujeito(s) que o avaliam. Não está, portanto, na realidade em si, de modo absolutizado, mas ao contrário, se dá sobre ela e desde referenciais que este sujeito possui devido sua trajetória de vida. Por esta lógica será possível admitir que um sentido é compreensível mesmo não havendo por vezes a condição essencial de significação possível no sujeito que o interpreta. Há um sentido contido no objeto em si, ainda que seja apenas parte do sentido possível. Enquanto movimento direcionado desde um agente interpretativo até um objeto específico, o sentido é possível em muitas direções, mas desde que se assuma uma direção, então certos sentidos não se farão mais pertencentes e esta é uma questão que precisa ser reconhecida pelo aluno no processo ensino-aprendizagem em semiótica.
O sentido, ou a significação do mundo, é sempre um ato intencional. Quando um sujeito lê o que lê, age conscientemente porque tem noção clara de que está expressando sobre como entende a realidade e como, impregnado pelo seu interpretar, vai entender inclusive que a realidade seja aquela mesma que ele vê. Nesse jogo semiósico entre o sujeito e o mundo, existe, no entanto, uma "vontade de significação oculta" como diria Eco (1976, p.12), ao que chamamos nesse artigo de 'intencionalidade'.
A questão é que uma pedagogia da análise dos efeitos de sentido parece desde esse pressuposto teórico uma prática necessariamente voltada ao estudo das intenções e das marcas destas intenções, o que equivale pensar que estudá-la pedagogicamente é reclinar-se sobre componentes emotivos no emprego de signos sociais. Embora a instância geradora de um sentido seja a subjetividade humana, não há como negar a intencionalidade do interpretante que se vincula ao objeto, a uma ordem de pensamento, mas livre de uma duplicação no plano da representação, haja vista que um signo é um representamen com um interpretante mental - transmite noção para a mente humana, mas não há razão para que todo representamen deva fazer isso.
Um equívoco que Santaella aponta inclusive como ``renitente'' (1995, p.22) é a idéia de que um signo represente necessariamente algo para alguém. O fato é que o sentido, ou aquilo que algo nos representa, não está necessariamente no que se coloca a serviço da representação. A relação signo-objeto-interpretante, responsável pela noção triádica peirceana de signo é uma relação que permite compreender que o sentido não está somente e por completo nas coisas, não está no mundo, como já reforçamos neste artigo. Uma pedagogia da análise da produção de sentido, ao que poderíamos chamar de uma pedagogia da imagem, portanto, deve buscar promover a análise de sentidos que não estão colocados como prontos, mas os quais se consegue ver por através dos signos contidos no mundo das culturas desde a interação dos elementos que fazem com que signos sejam interpretados.
Do ponto de vista da teoria do conhecimento, a análise dos efeitos de sentido não oferece um saber ``totalmente'' controlado do objeto, apresentando uma determinada espontaneidade no momento desta análise, contrastando com o rigor e o controle metodológico exigidos na produção do conhecimento científico do campo do saber formal. Em particular, na semiótica, esse processo se dará de forma aberta mesmo, no conceito de obra postulado por Eco (2000). A dificuldade de o acadêmico produzir análises parece residir neste aparente contraste, dado que a metodologia semiótica vai nos dizer que o que vemos, e que o desejamos compreender, possui uma unidade que não precisa ser entendida de forma plena, tendo em vista que um objeto não constitui um elemento diferente de algo que se pode ir dividindo em ``feixes de perceptos'' (Johansen, 1985, p.232).
Quer dizer: não há um objeto totalmente controlável nem uma captura do olhar plena, inclusive na instância metodológica da ciência - sabemos que, a construção do nosso objeto científico, é apenas um olhar e que nem sempre é possível expressar todas as possibilidades de interpretação do objeto. Nesse jogo em que parece um vale-tudo, algo que se constitui e será preciso radiografar é o que resta, conforme acena Santaella (2004, p.23), citando a teoria dos interpretantes de Peirce.
Peirce considerava o vir a ser de um interpretante como dependente de ser do signo, muito mais do que do ser de um ato de interpretação do signo. Para compreender isso, temos de romper completamente com a noção cartesiana da mente e junto com ela, romper com o psicologismo e o subjetivismo debilitantes de nosso tempo. Também será preciso deixar claro ao estudante que o interpretante peirceano é o efeito interpretativo que o signo produz, e que portanto, desmancha uma possível confusão com a figura de um intérprete. Logo, propor uma análise dos sentidos é propor pedagogicamente o reconhecimento dos interpretantes que se manifestam nos signos mesmos, independentemente das vontades subjetivas de quem interpreta.
Uma pedagogia dos processos mentais de interpretação do signo, processos estes que entendemos como imagéticos, não pode, no entanto, preceder de um certo nível de profundidade de abstração. ``O melhor modo de resgatar o funcionamento lógico do signo, em nível de generalidade máxima, é começar por algumas formulações que alcançaram o nível de abstração maior'' (Santaella, 1995.p.24).
Segundo David Savan (1976, p.29) a ``teoria do interpretante é a parte mais extensa da teoria peirceana dos signos'' e entendemos nesse artigo que ela precisa servir de referencial teórico quando se pensa a pedagogia da análise dos efeitos de sentido ou a pedagogia que deseje promover a educação para a consciência dos processos mentais de construção de sentidos. A extensão desta teoria talvez possa nos oferecer pistas para buscarmos uma pedagogia que aproxime o acadêmico da aprendizagem da semiótica enquanto disciplina na graduação, promovendo, quem sabe, a preparação de futuros pesquisadores na área.
O exame interno do texto (em seu sentido lato) não é suficiente para determinar o significado que o discurso veicula. Para tanto, é necessário inserir o texto no contexto. ``O significado é limitado pelo contexto mas o contexto é ilimitado'' (Clark e Holquist, 1998). E no ilimitado aproximamos o contexto do texto ao do seu interpretante revelado - se daí a compreensão do signo como vai nos indicar Bakhtin quando afirma que ``a compreensão é uma resposta e um signo por meio de outro''.
O signo é não manuseável, embora possa ter uma encarnação material por onde buscaremos descobrir a linguagem que produziu efeito de sentido, ou seja, seus sistemas de comunicação verbal, oral ou outros sistemas semióticos. Ensinar semiótica é levar o acadêmico a aprender a descobrir mecanismos de linguagem permitindo ao aluno despertar habilidade para aplicar as regras gramaticais, normas, listas de palavras em situações fluidas, conhecendo não só as regras, mas os usos desta linguagem e o seu contexto (Clark e Holquist, 1998).
Pode-se caminhar nessa direção e executar a análise contextual, desde que o contexto seja entendido e examinado como uma organização de textos que dialogam com o texto em questão. Entendendo o texto como signo, ele exerce uma função mediadora entre uma realidade e outra. Logo, a leitura é um processo de reconhecimento das inferências desta mediação. O texto não se confunde com o ``mundo das coisas'', mas se explica como um texto maior, no interior de que cada texto se integra e pede sentido. Conforme Santaella (2204,p.25), `` O primeiro efeito que um signo está apto a provocar em um intérprete é uma simples qualidade de sentimento, isto é, um interpretante emocional''. Mas este não é o único. Haverá um sentido energético, dinâmico, quando forem mais representativos que outros e um sentido lógico, internalizado e por associação.
Uma pedagogia que pretenda evocar a análise para os fenômenos desta mediação do signo deve estar voltada para dois pressupostos básicos que aqui propomos: