Programação Educativa destinada à Televisão Interativa 1

Ana Vitória Joly
Universidade Federal de São Carlos


Índice

Resumo

O objetivo da pesquisa foi explorar o potencial de comunicação dialógica da televisão digital, buscando conhecer os recursos técnicos que estarão disponíveis nessa nova mídia com intuito de propor formatos específicos de programas televisivos interativos que entretenham educando informalmente, uma pequena amostra do que poderá ser, em um futuro próximo, Programação Educativa destinada à Televisão Interativa.

Introdução

A televisão é a principal fonte de entretenimento, informação e cultura de grande parte da população brasileira, alcança a todas as faixas etárias, classes sociais, a qualquer horário e em qualquer lugar, é, portanto, uma realidade contemporânea que pode ser facilmente utilizada para ajudar a educar.

Esse potencial educativo da tv será amplificado, pois essa mídia está preste a sofrer uma grande e importante mudança decorrente da digitalização do sinal: a possibilidade de uma interação do telespectador com a programação. Essa interatividade na televisão digital possibilitará que os telespectadores tenham melhor escolha e controle da experiência de assistir tv através das novas tecnologias digitais.

O vídeo-on-demand, homebanking, e-mail, condições meteorológicas, jogos e informações complementares à programação como, por exemplo, estatísticas, detalhes de eventos, recurso de multicâmeras, t-commerce2 e guia interativo de programação, são oferecidos aos telespectadores nos países em que a tv digital já está implantada. Porém, a próxima geração da programação digital para televisão a cabo, satélite e terrestre poderá utilizar os recursos tecnológicos para gerar novas formas de entretenimento, possibilitando a interação do telespectador redirecionando uma narrativa, e, principalmente, a educação através do t-learning, ensino e aprendizado baseados na tv interativa.

Entretanto, o t-learning além de ser pouco pesquisado é também pouco exibido nos países que já dispõe da tecnologia necessária, por essa razão, foi produzido um vídeo interativo com um formato de ``edutainment'' 3, já que o aprendizado interativo através da tv tende a ser informal.

A presente pesquisa visa justamente mostrar as tendências da Programação Educativa destinada à Tv Interativa, para que no futuro possamos usufruir desses recursos técnicos da nova televisão a fim de educar e entreter.

Tecnologia da Televisão Digital

Atualmente, a transmissão televisiva é exemplo de um veículo no qual toda a inteligência encontra-se no ponto de origem. Mas, segundo o autor Nicholas Negroponte, o próximo passo evolutivo da televisão será uma mudança na distribuição dessa inteligência. A nova mídia, conforme Dizard, dará a todos a oportunidade de "falar assim como de escutar", de acordo com McLuhan existirão "centros em todos os lugares" e, finalmente, para Artur Matuck, surgirá uma "interação horizontal e interindividual". Todas essas expressões são referentes à uma nova forma de televisão, bidirecional, que proverá ao telespectador interatividade em potencial.

Assim, "a introdução da tecnologia digital neste setor ocasionará uma profunda mudança nas possibilidades de exploração deste serviço e na maneira do público se comportar face a este veículo". 4 Com a implantação da televisão digital, tecnologicamente, será possível que os aparelhos recebam milhares de informações, e selecionem umas poucas, dependendo de interesse do telespectador, hábitos ou planos para o dia em questão. E ainda, o capacita de, a qualquer momento, tornar-se emissor.

"Hoje parece que estamos testemunhando mudanças fundamentais na natureza da comunicação mediada. A troca dos sistemas analógicos pelos sistemas digitais na codificação da informação, combinada com o desenvolvimento de novos sistemas de transmissão, (incluindo os satélites e os cabos de fibra óptica) estão criando um novo cenário técnico no qual a informação e a comunicação podem ser operadas de maneiras mais flexíveis." (Thompson:1998: 31)

As etapas da evolução para a tv digital começam com a escolha do padrão de tecnologia. No Brasil, ainda não se decidiu qual padrão de televisão digital será adotado, os padrões em questão são: o americano, ATSC (Advanced Television Systems Commitee), o europeu, DVB (Digital Video Broadcast), o japonês ISDB (Integrated Service Digital Broadcast) e ainda o brasileiro SBTVD (Sistema Brasileiro de Televisão Digital) e o chinês que ainda estão em desenvolvimento. Os padrões americano, europeu e japonês foram testados no Brasil, o ISDB, teve melhor desempenho, foi o único sistema que atendeu ao modelo de negócios flexível defendido e sugerido a Anatel pelo grupo ABERT / SET. Mas, questões econômicas e sociais estão envolvidas na fabricação de receptores e o impacto da escolha do sistema em seu preço final. Então ainda não se sabe quando será decidido o padrão, mesmo porque houveram algumas condições impostas pelos engenheiros brasileiros caso a escolha se der realmente pelo japonês ISDB tais como, por exemplo: dar apoio e amplo acesso a informações para a indústria nacional, suporte tecnológico para implantação, royalties não discriminatórios, e participação na evolução do padrão.

A transição dos sistemas analógicos para os digitais trará múltiplos benefícios aos telespectadores. Primeiramente, uma melhoria na qualidade de imagens e sons, a imagem recebida terá a mesma qualidade que aquela captada no estúdio, isso já na SDTV (Standard Definition Television) a tv digital padrão; o passo seguinte será a HDTV (High Definition Television), tv digital de alta definição, cuja qualidade de imagem pode ser comparada a do cinema. Mas ainda levará um tempo para a evolução da SDTV até HDTV se concretizar devido ao custo elevado dos televisores de alta definição.

O segundo beneficio da nova televisão será a maior quantidade de canais disponíveis, já que os canais digitais ocupam menor lugar no espectro que os atuais analógicos.

Uma audiência complementar será criada com a tv móvel, ônibus e automóveis podem receber sinais televisivos, e a tv portátil, os celulares já podem transmitir dados multimídia e com a inclusão de um chip poderão transmitir também tv pelo celular.

Outras características básicas do mundo digital, que estarão presentes nessa nova mídia, são: a facilidade de manipulação, pois bits podem ser processados, possibilitando a busca, a interatividade e a criptografia (embaralhamento de informação utilizada, por exemplo, em transações bancárias feitas através do televisor); o armazenamento, que possibilita a programação assíncrona; e a reprodução e transmissão, com compactação, sem perda de qualidade e bidirecional.

Essa bidirecionalidade da tv digital interativa trará a oportunidade dos telespectadores interagirem com a programação, através de um canal de retorno, em que se pode enviar um sinal para a emissora, "pedindo" uma programação específica, emitindo opiniões, ou até escolhendo um determinado ângulo de câmera ou um desfeche para a história. O processo acontece da seguinte forma, quando o telespectador aciona o controle remoto, o sinal é emitido de sua antena particular para a emissora, que então envia a programação desejada.

Porém, essa é uma realidade que, provavelmente, não acontecerá na televisão digital aberta, pois, devido ao grande número de pessoas enviando sinais, o espectro ficaria congestionado e, a emissora seria incapaz de responder a todos os pedidos. Então, é possível que a interatividade através do canal de retorno aconteça apenas nas televisões por assinatura. Todavia, os telespectadores da televisão aberta também poderão usufruir da interatividade, utilizando um Set Top Box.

O Set Top Box (STB) é um dispositivo que pode servir como um decodificador, assim aqueles que não puderem investir em um televisor novo poderão assistir a programação digital em seus televisores analógicos. Mas, as principais funções do STB são a capacidade de armazenar dados e a "inteligência", ou seja, o aparelho pode receber e armazenar apenas o conteúdo que interesse ao usuário especifico. Os telespectadores recebem todas aquelas informações de seus respectivos interesses e as opções de interação que a emissora oferece em um "pacote de conteúdo''. Então, cada um, utilizando o controle remoto, pode interagir selecionando, dentre as opções disponíveis, as que desejar assistir, concretizando, assim, a idéia de Negroponte da transferência da inteligência para o receptor. Desse modo, a interação fica independente da utilização do espectro, no momento que o telespectador optar por seguir um caminho diferente da história, ou assistir uma entrevista com o diretor da telenovela, o fará quando desejar, e estará apenas interagindo com seu aparelho.

Outros advindos da inteligência e capacidade de armazenar dados do STB são: a programação assíncrona, isto é, o usuário não e mais vinculado à grade de programação das emissoras, já que seu aparelho pode, facilmente, ser programado para gravar os programas desejados utilizando o PVR (Personal Video Recorder) o que muda o conceito de medição de audiência, afeta a indústria dos comerciais (que podem não ser mais vistos), possibilita a edição pessoal de qualquer programa ou filme e a cópia de PVR para PVR (via e-mail) sem interferência das redes de tv, o que será um desafio para os direitos autorais. Para Henrique Gandelman, as novas tecnologias de comunicação, paralelamente aos eventuais progressos da criatividade intelectual que promovem, também engendram, casualmente, facilidades que podem estimular diversas formas de pirataria. Está certo, todavia, de que com o próprio auxílio do desenvolvimento tecnológico, serão encontradas por todos os participantes (autores, produtores, distribuidores) as soluções técnicas, jurídicas e administrativas que conduzirão a propriedade intelectual ao seu fantástico futuro na era digital, que já é, na realidade, o presente. E, essa possibilidade de ``copiagem'' sem perda de qualidade, também pode ser vista como mais um avanço da obra de arte na era da reprodutividade técnica, "a reprodução técnica da obra de arte representa um processo novo, desenvolvendo na história intermitentemente, através de saltos separados por longos intervalos, mas com intensidade crescente". (BENJAMIN:1985:166)

A reprodução, compactação e armazenamento de obras audiovisuais sem perda de qualidade são viabilizados pelos MPEGs. Os padrões MPEG são um conjunto de normas para compressão, formatação e distribuição de produtos audiovisuais, concebidos por um grupo de pesquisadores Motion Pictures Expert Group. O pesquisador Gustavo Faria se refere aos padrões MPEG como "o coração dos STBs da TV Digital, decodificadores HDTV, DVDs, videoconferência, vídeo via Internet entre outros." (Faria: 2000:4)

Os três padrões de tv digital em discussão utilizam o MPEG-2, mas, certamente migrarão, em breve, para o MPEG-4. O professor da USP (Universidade de São Paulo) Marcelo Zuffo ressaltou que enquanto "os MPEGs 1 e 2 estavam focados na compressão, os MPEGs 4, 7 e 21 estão focados no conteúdo". 5

Isso porque o MPEG-4 é mais que um codificador, tem características como a divisão da cena em objetos, textos e gráficos, áudio e vídeo (naturais, capturados com uma câmera e sintéticos, aqueles gerados pelo computador).Os objetos podem ser colocados em qualquer posição da cena (temporal e espacial), podem ser aplicadas transformações a esses objetos, pode-se interagir com eles (mover ou excluir).

Além disso, um vídeo MPEG-4 utiliza menos banda do que um vídeo MPEG-2. Assim, com cada vez mais compressão, os sinais digitais ocuparão menor lugar no espectro, e o Set Top Box poderá armazenar muito mais dados fazendo com que, conseqüentemente, seja multiplicada a quantidade de canais e programação disponíveis aos telespectadores, por esse fator, é extremamente importante que exista um EPG (Expert Program Guide).

O EPG é um outro novo paradigma da tv interativa, funcionará como um guia de eletrônico de programação, que possibilitará a pesquisa por ator/atriz, título, gênero, faixa etária, nacionalidade; oferecerá alertas para programas / gêneros preferidos; e possui uma interface com o PVR para a gravação automática de programas selecionados, interface com celular para alertas, além de ser cem por cento atualizado, e permitir customização (criação de canais virtuais).E, com auxílio de um teclado anexado à tv podem ser feitas buscas específicas, por exemplo, se o telespectador digita Wood Allen seu PVR gravará, automaticamente, todos os filmes do diretor, documentários e programas de entrevista relacionada a ele.

O Video on Demand (VOD) já está aparecendo no mercado de televisão por assinatura, mas com a televisão digital e a evolução dos MPEG, citada anteriormente, os filmes disponíveis sob demanda tendem a ser tão numerosos quanto os de uma videolocadora. Então, com auxílio do EPG pode-se procurar os filmes desejados no VOD e gravá-los com o PVR em seu STB.

Contudo, e importante ressaltar que o Set Top Box pode interferir na privacidade dos telespectadores, uma vez que dispõe de um endereço IP (Internet Protocol) que pode identificar o receptor e saber exatamente qual o tipo de programação de seu interesse, e que tipo de produto pode ser mais propício consumidor. Por isso, hão de ser feitos estudos para que a população não seja prejudicada, mas sim a maior beneficiada com a implantação da tv digital. Essa, por sua vez, permitirá o acesso a qualquer hora em qualquer lugar, ao entretenimento, as experiências de interatividade, aos conteúdos educacionais, culturais e de utilidade pública, ao comércio eletrônico e bancário, aos serviços de informação e comunicação, aumentando extraordinariamente o acesso do grande público a aspectos culturais e tecnológicos até então inacessíveis.

Com todos esses recursos tecnológicos por vir a televisão está prestes a passar por uma grande mudança, se tornará um mídia interativa, que irá "integrar a componente passiva e a componente ativa, a visão e a reflexão, o ver e o saber" (Santos: 2000: 38) e, conseqüentemente, sua programação também será alterada.

Programação Interativa

Nos países em que a tv digital já está implantada, os serviços oferecidos, já citados anteriormente, são o vídeo-on-demand, homebanking, e-mail, condições meteorológicas, jogos e informações complementares ao programa, recurso de multicâmeras, t-commerce e guia interativo de programação, talvez sejam os motivos do fracasso da tv interativa nesses lugares. Mas, "a introdução da tv digital no Brasil pode ser surpreendente, diferente do que se viu na Europa e nos Estados Unidos, pois o potencial da televisão aberta brasileira é muito grande", 6 porém, esse sucesso depende de conteúdos atrativos e específicos para mídia interativa que entusiasmem a população a comprar novos televisores e STBs.

As narrativas interativas serão promissoras para o incentivar o sucesso dessa mídia em nosso país, principalmente, porque, no Brasil, as telenovelas, de certa forma, já são interativas, assistidas diariamente por milhares de brasileiros, são escritas à medida que transmitidas, de acordo com os índices de audiência, a fim de que haja um retorno do público que vai aos poucos direcionando a história. ``A telenovela não é apenas discurso nem obra, mas produto da relação desta com o receptor'' (Távola:1996:40).

A autora Janet Murray coloca que o casamento da tv com o computador fará com que o drama seriado seja a mais provável maneira de contar histórias e arquivos hiperseriais poderão estender o melodrama televisivo a um complexo mundo narrativo.

As novelas interativas poderão ser enviadas a todos os telespectadores em "pacotes", contendo entrevistas com a equipe, making of, detalhes da produção de efeitos especiais, como já contém os DVDs (Digital Versatile Disc). Entretanto, incluirão também diversas opções do desenrolar da narrativa. Assim, se o espectador assistir sem interagir assistirá a novela como assiste hoje na televisão analógica, mas, caso deseje, poderá intervir e mudar o percurso da história, escolhendo um dentre vários caminhos da narrativa, e, deste modo, poderá assistir a história múltiplas vezes de formas distintas. "A principal diferença da narrativa interativa e da narrativa clássica linear é que na primeira a história se desenvolve de maneira única por cada usuário. Nesses ambientes não existe um caminho único ou certo. Nesse tipo de dramaturgia o prazer está em experimentar as possibilidades de interação". 7

Porém, a maioria das narrativas interativas para tv digital, em uma primeira instância, seguirá uma estrutura simples que limita a escolha do usuário a uma seleção de alternativas a partir de um menu fixo. Isso porque, primeiramente, são os produtores de conteúdo que precisam se adequar à nova realidade em que haverá modificações em todo o processo da produção audiovisual.

O roteiro precisa, necessariamente, seguir um mapa de interação. Esse construído para ``orientar'' o roteirista e toda a equipe pelas múltiplas versões de uma mesma história que estão sendo produzidas simultaneamente. Para tanto, o autor precisará criar vários caminhos da história, e se, hoje, as telenovelas possuem entre 24 e 25 tramas ou histórias paralelas, quando se tornarem interativas terão ramificações referentes a todas essas tramas que, conseqüentemente, se multiplicarão. O roteirista terá ainda que alterar a forma de escrever roteiro, provavelmente, esse precisará ser escrito em HTML8, objetivando ser acompanhado interativamente, de maneira que clicando nos links o usuário é conduzido para o trecho da história selecionado, e quando impresso terá que ser lido como os livros infantis do gênero ``enrola e desenrola'' 9. Roteiros interativos terão que contar com, além desses fatores mencionados anteriormente, tipos diferentes de audiência. Existirão, ainda, aqueles que precisam se satisfazer com um único episódio, outros irão procurar coerência na história como um todo e alguns terão prazer em seguir, interagir, fazer conexões entre diferentes partes da história e descobrir múltiplas versões de um mesmo enredo. Para isso, é importante que haja artifícios para contextualização como, linha do tempo, árvores genealógicas, mapas, relógios, calendários, que possibilitem que o telespectador compreenda as diversas versões da história sem se desorientar.

O diretor também passará por mudanças em seu trabalho, além de ter que gravar uma maior quantidade de cenas, precisará se preocupar em dirigir uma mesma cena de várias formas diferentes. Em uma narrativa não-linear, vários trechos podem conduzir o espectador para um mesmo ponto, os caminhos de cada história podem se convergir em alguns momentos, porém, as personagens em cada versão terão passado por situações distintas que influenciarão suas ações. Se, por exemplo, uma personagem está em seu quarto e em uma das opções de trajeto está bebendo champanhe, em outra está lendo e na cena seguinte a história converge para um ponto comum. Enquanto a versão que a personagem estava bebendo a levará a uma cena ``x'' na qual estará um pouco embriagada, a versão que estava apenas lendo pode ser seguida pela mesma cena ``x'', mas desta vez ela estará sóbria, sendo que, certamente, o ator precisará atuar de duas formas diferentes, a cena ``x'' terá, portanto, que ser gravada de duas maneiras distintas.

Assim, a produção se tornará muito mais cara, já que para ser feita uma narrativa interativa, serão necessárias diversas histórias diferentes, e ainda, como dito anteriormente, um roteiro mais complexo, melhor trabalho do ator, diretor, trabalho aumentado de toda equipe, e uma finalização envolvendo a criação de telas para interação, contendo links que possibilitem a intervenção do telespectador.

Todavia, os telespectadores poderão gravar essas horas de programação e assistir múltiplas vezes para ver diferentes desenrolares da história. Com isso, a emissora pode conseguir financiar sua produção inserindo produtos de patrocinadores dentro do programa, que além de poderem ser vistos várias vezes, podem ser detalhados e comprados através da televisão sendo apenas necessário utilizar o controle remoto. Por isso, o t-commerce é, para empresários do setor, a grande promessa da tv interativa.

A ação dramática será parecida com a de qualquer programa televisivo para tv analógica, mas quando o telespectador desejar saber informações do vestido de uma personagem pode acessar o conteúdo referente à peça do figurino e comprá-lo. Se essa personagem estiver conversando em um grupo de dois ou mais outros personagens e ela sair de cena para um outro lugar no mundo ficcional, o telespectador poderá escolher se deseja seguí-la ou seguir um dos outros envolvidos na trama, coadjuvantes tem, portanto potencial para se tornarem protagonistas de suas próprias histórias.

A partir do momento que o público se acostumar a assistir televisão de uma forma ativa, pode ser que venha a existir programas interativos em que cada telespectador escolhe o cenário que desejar, o figurino para os personagens, o enredo, e, com isso, vai construindo sua própria narrativa. Mas, por enquanto, ainda é necessário prover um conteúdo interativo que não obrigue os telespectadores passivos a interagir, é preciso prover interatividade, mas também a opção da audiência interagir somente quando desejar.

Janet Murray afirma que as histórias certas podem abrir nossos corações e mudar quem somos, e as narrativas digitais adicionam um poderoso elemento a esse potencial oferecem a oportunidade de atuar na história ao invés de meramente testemunhá-la.

A Programação Educativa destinada à Televisão Interativa absorverá certas características da narrativa interativa, já que o telespectador irá se identificar com a personagem, se envolver na história, desejará interagir para modificar o percurso e seguir caminhos diversos que encaminharão a desfechos diferentes resultando em um aprendizado eficaz.

Telespectadores podem aprender através da televisão aberta, hoje, com programas divididos, pela autora Rosa Maira Bueno Fischer, em três categorias: programas didáticos cujo objetivo é ensinar, temático não-didáticos que realizados sem finalidades institucionais específicas fazem aprender, e programas não temáticos, que mesmo sem tratar de temas curriculares tem notável alcance educacional, são desse tipo os programas mais propícios para tv interativa que tende a veicular uma programação educativa informal.

A educação informal é, segundo Peter J. Bates, aquela que acontece durante a vida toda, e permite os indivíduos adquiram conhecimento das experiências diárias, incluem o aprendizado em casa, no trabalho, com amigos e mídias.

Narrativas ficcionais educam informalmente porque podem permitir ao telespectador observar, discutir e compreender comportamentos e atitudes, situações de conflito, questões morais e éticas, sendo também, ótimas para desenvolver a sensibilidade, o imaginário e a criatividade. A autora Gilka Girardello, apresenta os argumentos de pesquisadores que acreditam ser a linearidade o elemento que asfixia a imaginação infantil e exerce um efeito hipnótico sobre a audiência passiva. Para rebatê-los, expõe que a tv por si só não é responsável por tal efeito, outros fatores estão envolvidos como o tempo que a criança passa assistindo televisão, o tipo de mediação adulta e o conteúdo da programação. A interatividade será um fator a mais para refutar essa idéia. Através da atividade da televisão interativa que todas essas características educacionais da narrativa ficcional ganharão uma grande aliada: a interatividade. Aumentando sua capacidade de educar.

"A porta do futuro é a porta da escola, e atualmente não é mais uma porta e sim um portal que deve ser desmistificado e passar por cima do efeito on/off (aparelhos com apenas um botão, o liga/desliga) e levar a interatividade com a educação para as casas dos cidadãos".10

O e-learning11 está começando ser uma forma alternativa de aprendizagem. Porém, para isso, é necessário ter um computador pessoal com acesso a Internet, o que apenas 8,6%12 dos lares brasileiros possui. No entanto, 89% das residências possuem uma televisão. Apesar de ser necessário adicionar outros artifícios à tv para torná-la digital e interativa, as perspectivas são de que em algum tempo todas as televisões analógicas serão substituídas pelos aparelhos digitais ou serão munidas de decodificadores e, assim, serviços interativos via tv serão acessíveis a todos. Isso provê uma grande oportunidade para os cidadãos, pois além de encorajar novas oportunidades econômicas e reduzir a ``exclusão digital'', oferecendo a todos um acesso igualitário à tecnologia digital e ao aprendizado. Existem várias boas razões para considerar importante o papel da tv digital interativa como um meio propício para o t-learning.

O uso crescente das tecnologias digitais e das redes de comunicação interativa, segundo Pierre Lévy, acompanha e amplifica uma profunda mutação na relação com o saber, pois prolonga determinadas capacidades cognitivas humanas como a memória, a imaginação e a percepção. Serão construídos novos modelos do espaço dos conhecimentos emergentes, abertos, contínuos, em fluxo e não-lineares.

O modelo de espaço do conhecimento na tv interativa terá, certamente, um formato de ``edutainment'', entretenimento e educação, já que a maioria do aprendizado interativo através da tv tende a ser informal, poderá oferecer algumas opções inovadoras para auxiliar o desenvolvimento de habilidades básicas de maneira divertida.

Na Inglaterra, o canal digital BBC CBeebies é dirigido para crianças desenvolverem suas habilidades para o aprendizado. Quando o ícone interativo é exibido no canto superior direito da tela, durante o programa, o telespectador poderá acionar o botão vermelho do controle remoto, que abrirá uma tela de interação. Um número de atividades e histórias distintas estarão disponíveis em diferentes momentos relacionadas a programas que estão sendo transmitidos. Uma dessas atividades é baseada no programa infantil popular ``Bob the Builder'', focada no reconhecimento e comparação das cores. Mesmo sendo uma atividade simples, pode ajudar as crianças a desenvolver importantes habilidades.

O programa interativo ``Bob the Builder'' é destinado a crianças de três a cinco anos e as telas de interação possuem frases para que a criança faça sua escolha, mesmo que deste modo, com tal idade, ela não consiga interagir sem o auxílio de um adulto.

``Pelo que se vê, os meios digitais, ao contrário do que se pensava, não desestimulam o uso do texto escrito. Ao contrário, elevam-no a uma condição de importância que haviam perdido com o desenvolvimento das mídias audiovisuais. E mais, promovem sua integração com a imagem de forma mais decisiva do que na impressa''. (Costa:2002:98 e 99)

Portanto, a maioria das interfaces 13 utilizadas na televisão interativa tende a ser textuais, em que as frases ou palavras específicas servirão como links que levarão o telespectador ao ponto escolhido no ``pacote'' do programa recebido pela emissora.

Para muitos pesquisadores a melhor interface é a transparente, aquela que desaparece durante o uso e não precisa de um manual de instruções, pois funciona intuitivamente.

O Prof. Dr. Carlos Scolari14 define quatro metáforas para interface: Conversação, que pode se dar entre homem-sistema, homem-objetos interativos, agentes inteligentes e textuais aplicada na interação homem-computador. Instrumento, referente à manipulação direta de objetos, conceito de extensão ou próteses aplicado a interfaces homem-computador. Superfície, que permite intercâmbio, mas seleciona informação. E, por fim, a interface como ambiente, o lugar da interação.

No filme de Woody Allen ``A Rosa Púrpura do Cairo'', a personagem sai da tela do cinema seduz uma das espectadoras na platéia e a convida a participar do filme, Cecília, depois de ter sido convencida a interagir, entra na tela e muda a história. Nas narrativas interativas acontecerá certamente a mesma coisa, os espectadores poderão interferir na história, ``entrar nos filmes'', mas não serão os personagens que irão convencê-los a interagir, serão as interfaces.

As interfaces, portanto, deverão desempenhar um papel fundamental na interatividade da televisão digital, atraindo o telespectador e o convidando a interagir. Para que, assim, possa se divertir e aprender através de sua tv.

A Programação Educativa destinada à Televisão Interativa não irá, milagrosamente, resolver problemas econômicos e sociais contemporâneos, mas viabilizará, contudo, novos modos de entretenimento e aprendizagem.

Contos de Fadas na Era Digital

Uma história para contribuir com o desenvolvimento cognitivo e emocional das crianças, além de entreter, deve estimular a imaginação, ajudar na construção do intelecto, auto-estima e autoconceito, reconhecer as ansiedades e aspirações para sugerir soluções aos problemas que as perturbam.

``Esta é exatamente a mensagem que os contos de fada transmitem à criança de forma múltipla: que uma luta contra dificuldades graves na vida é inevitável, é parte intrínseca da existência humana - mas que se a pessoa não se intimida mas se defronta de modo firme com as opressões inesperadas e muitas vezes injustas, ela dominará todos os obstáculos e, ao fim, emergirá vitoriosa.'' (Bettelhein, 1980, p.14)

O grande fascínio que os contos de fadas despertam está ligado ao fato de serem atemporais, não acontecem em um lugar específico, o reino pode ser qualquer um, assim como a heroína ou o herói qualquer pessoa, esses fatores permitem uma identificação da criança com a personagem. Segundo a psicanálise, os contos de fada podem transmitir importantes mensagens à mente consciente e inconsciente da criança, auxiliando e, ao mesmo tempo, encorajando o seu desenvolvimento através da elucidação de problemas humanos universais. Assim são considerados ótimos instrumentos para o desenvolvimento integral da criança.

Assim, ``a televisão interativa será o novo suporte expressivo dos contos de fadas da era digital'' 15, possibilitando que os contos sejam uma forma de edutainment, além de divertir colaborem com a aprendizagem infantil.

``Branca de Neve'', um dos contos de fadas mais conhecidos, foi o escolhido para ilustração da pesquisa. O vídeo ``A História Interativa da Branca de Neve'', cuja experiência permitiu as análises aqui desenvolvidas, capacita o usuário para assistir à história linear tradicional, mas, em certos pontos da narrativa, pode-se intervir na história alterando seu percurso.

Deste modo, existem versões em que o espelho diz ser a rainha a mulher mais bonita do mundo, ela então convoca o príncipe para se casar. No entanto, ele não aceita porque nem a conhece e não a ama. Ela, em uma das versões, desabafa com o caçador e os dois terminam juntos, felizes para sempre. Já em outra versão, pede para o caçador matar o príncipe. O caçador o mata e leva seu coração para a rainha. Os anões encontram o corpo sem coração e realizam um transplante, mas, infelizmente, o príncipe não volta a viver. Já no leito chega a Branca de Neve, se apaixona, com um beijo ele acorda e os dois vivem felizes para sempre. Essas são duas das opções poderão fazer com que a auto-estima das meninas aumente, pois são os homens os submissos e fracos da história, enquanto as mulheres poderosas, dominadoras e heroínas.

Constatou-se com a produção do vídeo experimental que os processos de produção de uma narrativa interativa são, realmente, diferentes de uma narrativa linear convencional. Antes do roteiro foi feito o mapa de interação, já contendo as idéias principais de cada versão da história, para serem apenas desenvolvidas no roteiro. O mapa de interação precisou também ser anexado para orientar os atores que tiveram dificuldades para ler e entender o roteiro interativo com indicações como as dos livros do gênero ``enrola e desenrola''. Foram utilizadas cores no mapa, que facilitaram a identificação de cenas que poderiam ser aproveitadas em versões diferentes e, às vezes com pequenas modificações precisariam ser gravadas de duas maneiras, mas decoradas apenas uma vez. É o caso da cena em que a rainha telefona para o caçador e pede que ele mate a Branca de Neve, outra cena de outra versão ela telefona e pede para que ele mate o príncipe, portanto, a atriz só precisou decorar uma vez e fazer essa pequena substituição.

Na produção propriamente dita, teve-se que estar atento para não esquecer nenhum trecho de nenhuma versão e também para aproveitar algumas cenas em várias versões. Exemplo disso foi a cena em que o caçador corre para matar Branca de Neve ou o príncipe, optou-se por fazer um plano do caçador correndo sozinho com a visão subjetiva do perseguido, e assim, pode-se aproveitar o plano gravado uma única vez nas duas situações distintas. A edição também seguiu o mapa de interação para construir blocos de vídeo, esses foram ligados, posteriormente, no programa Macromedia Director que possibilita a criação de links e, conseqüentemente, a intervenção do usuário na história.

Concluiu-se ainda, do ponto de vista do espectador, que momentos de clímax da narrativa são mais propícios para a interação. As pessoas que assistiram ao vídeo interagiram com mais entusiasmo na cena em que o caçador está correndo atrás da Branca de Neve para matá-la ou não, do que na cena da rainha ao telefone.

As cenas abaixo do caçador correndo para matar Branca de Neve, e a rainha depois do príncipe ter recusado seu convite de casamento, duas das cenas em que o usuário pode optar por mudar o trajeto da história.

A interface utilizada em ``A História Interativa da Branca de Neve'' é simples e intuitiva, não precisa de instruções de uso, palavras ou frases curtas nos botões deixa claro que clicando sobre eles pode-se interagir facilmente. Talvez pudessem ser melhor elaboradas a fim de atrair maior atenção do usuário e convidá-lo a interagir.

Segundo Steven Johnson as ``palavras continuam sendo parte importante da metainformação da interface'', mas o autor ressalta que ``os elementos da interface textual parecem ter se estabilizado em torno de uma constituição genética unificada'' (Johnson, 1997, 112). Lamentavelmente, não há nada de inovador na interface utilizada no vídeo experimental, nem no modo como utiliza as informações textuais, mas possui um funcionamento simples e auto-explicativo em que o usuário encontra um ambiente familiar (botões), que possibilitam interagir quase naturalmente, de maneira transparente.

O vídeo interativo experimental possibilita que o usuário assista à história linear da Branca de Neve tradicional, sem interromper a narrativa, mas ao longo do vídeo vão surgindo os botões que, quando clicados, redirecionam a história para o trajeto escolhido.

Assim, ``A História Interativa da Branca de Neve'', com um formato de edutainment, é um modelo de narrativa interativa que ajuda na construção da auto-estima e educa informalmente, uma pequena amostra do que poderá ser, em um futuro próximo, a Programação Educativa destinada à Televisão Interativa.

Conclusões

Nos Estados Unidos, Austrália, Espanha e Reino Unido, países em que a televisão digital já está implantada, a programação transmitida é semelhante à da tv analógica, apenas com uma melhor qualidade de imagens e sons, disponibilizando comércio televisivo e serviços interativos pouco atraentes, motivo pelo qual a nova mídia não é sucesso.

No Brasil, pode-se trilhar um caminho diferente que leve ao êxito, mas, para isso, precisam ser analisados os recursos tecnológicos que estarão disponíveis com intuito de criar uma programação específica, usufruindo da interatividade para prover programas que entretenham e eduquem.

O potencial da tv digital pode ser explorado em novas histórias interativas, com um formato de edutainment, que educarão informalmente e narrativas ficcionais, como os contos de fadas, que acompanham a humanidade há séculos poderão ser adaptadas e migrar para a tv interativa, muitas vezes com uma versão ainda mais divertida e educativa que a original.

A Programação Educativa destinada à Televisão Interativa poderá estimular a criatividade e facilitar a aprendizagem, educar de forma divertida e lúdica.

Referências Bibliográficas



Notas de rodapé

... Interativa1
Monografia apresentada no Departamento de Artes e Comunicação e premiada como melhor trabalho de conclusão de curso na Intercom 2003 em Belo Horizonte.
... t-commerce2
Termo referente ao comércio televisivo interativo.
... ``edutainment''3
Edutainment é um termo utilizado para indicar um formato de entretenimento educativo.
...iculo". 4
Sr. Miguel Cipolla Junior, declaração registrada na palestra "A importância de uma Política de Desenvolvimento e Recursos Necessários para a Implantação de Sucesso da Televisão Digital Terrestre no Brasil", 11 de Dezembro de 2001, São Paulo.
...udo". 5
Prof. Marcelo Zuffo, declaração registrada na palestra "Ambiente de Pesquisa para Tv Digital no Brasil", 2 de Agosto de 2002, São Paulo.

... grande",6
Sr. Roberto Franco, declaração registrada no fórum ``A Comunicação na Era Digital'', 31 de Julho de 2002.
...ao". 7
Prof. Arlindo Machado, declaração registrada no Núcleo de Pesquisa Comunicação Audiovisual, "Perspectiva dos meios digitais - Regimes de Imersão e Modos de Agenciamento", 4 de Setembro de 2002.
... HTML8
Hypertext Markup Language, é uma linguagem de marcação hipertextual.
... desenrola''9
Livros em que existem indicações ao pé de cada página, com opções de caminhos diferentes a serem seguidos, à medida que o enredo se enrola e desenrola, o leitor interage seguindo para a página referente à sua escolha.
...aos".10
Gilberto Dimenstein declaração registrada no painel ``Telecomunicações, responsabilidade social e educação: uma aliança estratégica para o desenvolvimento do Brasil''. 31 de Outubro de 2001.
... e-learning11
O termo e-learning pode ser usado para o aprendizado através de qualquer aparelho eletrônico digital conectado, nesse caso o t-learning é um componente do e-learning.
...%12
Fonte: IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) pesquisa nacional por amostra de Domicílios, 2001.
... interfaces13
Interfaces são aparatos que permitem a interação do usuário com informações digitais.
... Scolari14
Prof. Dr. Carlos Scolari, declaração registrada no Workshop ``Teoría y Practica del Digital Design''. 10 de dezembro de 2002. Havana, Cuba.
... digital''15
Prof. Dr. João Carlos Massarolo, comunicação pessoal do autor, 20 de maio de 2001.