Os Jornalistas Portugueses e a Internet 1

João Canavilhas

Universidade da Beira Interior


Índice


Resumo: O primeiro estudo acerca da utilização que os jornalistas portugueses fazem da Internet foi efectuado em 1998. De então para cá registaram-se profundas alterações: aumentou a velocidade de acesso à Internet, surgiram novas ferramentas informáticas e, não menos importante, registou-se um crescimento qualitativo e quantitativo dos conteúdos disponíveis na web. Estas alterações despertaram as empresas jornalísticas e os jornalistas para as vantagens da utilização deste novo meio e, actualmente a Internet é um auxiliar indispensável em qualquer redacção. Neste estudo apresentam-se dados relativos à utilização da Internet pelos jornalistas portugueses, comparando-os com os dados anteriores já referidos.

Introdução

A Internet provocou alterações profundas no campo do jornalismo. Apesar o fenómeno ser muito recente, cedo se percebeu que a Internet fornecia um conjunto de funcionalidades de grande importância para a melhoria do trabalho jornalístico e, por isso, o recurso à Internet passou a fazer parte indissociável das rotinas dos jornalistas. Actualmente, o denominador comum entre a maior estação de televisão mundial e o mais pequeno jornal de província, é o recurso à Internet na luta constante contra o tempo e a distância. Nas fases de pesquisa e contactos com as fontes, duas etapas que absorviam muito do tempo de produção de uma notícia, os jornalistas passaram a contar com preciosos auxiliares, como a World Wide Web, o correio electrónico ou os newsgroups, entre outras funcionalidades da Internet.

A web, por exemplo, entrou rapidamente nas rotinas de produção noticiosa, pois permitiu reduzir o tempo pesquisa que antecede qualquer trabalho. Com um vasto repositório de informação disponível 24 horas por dia e à distância de um simples gesto, tudo se tornou mais fácil. Porém, o explosivo crescimento dos conteúdos da WWW transformou uma oportunidade numa dificuldade. A dada altura tornou-se difícil encontrar a informação pretendida entre os milhares de páginas disponíveis, sendo que nalguns casos os dados encontrados não eram coincidentes. O aparecimento dos motores de pesquisa vieram solucionar parcialmente o problema, possibilitando o acesso rápido e eficaz a um vasto manancial de informação. De tal forma que, após algumas resistências iniciais, os profissionais da comunicação acabaram por soçobrar às vantagens da web, e hoje o recurso à Internet é transversal a todos os órgãos de comunicação e a todas as gerações de profissionais.

Outra das razões para o sucesso da Internet junto dos jornalistas é o facto dela significar mais autonomia, ao possibilitar-lhes efectuar o trabalho de recolha de dados. O grau de autonomia para o exercício da actividade é, aliás, uma das características que marcam a diferença entre uma profissão e um ofício, e também uma área de investigação muito desenvolvida nas ciências da comunicação. Com este novo instrumento de trabalho, o jornalista passa a apoiar-se na web para produzir informação explicada, elaborada e variada, manejando com celeridade e segurança uma quantidade de informação muito superior à que pode ser oferecida por um meio convencional.

Esta característica é, aliás, a que mais distingue a Internet dos outros media. Luís Nogueira [2002: 15] refere que ``em relação aos media tradicionais, em que o arquivo não estava disponível em tempo real, a grande vantagem da Internet é que a capacidade de indexação, aliada ao poder de computação e de armazenamento da informação, torna toda a informação virtualmente imediata''. Marcos Palácios [cf. 2002] chama a esta possibilidade de acesso imediato à informação ``memória múltipla, instantânea e cumulativa'' sublinhando ainda com esta expressão o carácter ``arquivista'' resultante da acumulação de informação na web. Esta acumulação passa a funcionar com um valioso auxiliar na tarefa de produção noticiosa ao permitir aceder ao historial de um determinado fenómeno. O ``enquadramento'' dos acontecimentos enriquece a notícia e dá origem a um jornalismo de memória em detrimento de um jornalismo de estados de alma que se afasta progressivamente da essência desta actividade.

O correio electrónico é, a par da web, a outra valência da Internet que mais contribuiu para a adesão dos jornalistas ao novo meio. A possibilidade de contactar rápida e eficazmente colegas de profissão e fontes de informação foram determinantes na adopção do correio electrónico.

Num e noutro caso, os jornalistas perceberam que podiam ganhar tempo nas fases de pesquisa e contactos, aplicando esse tempo na fase de redacção e de actualização de informações, com consequências directas na qualidade do seu trabalho. Por isso, depois de um início da década de 90 com os jornalistas na expectativa, passou-se para um final de década em que os profissionais da informação a aderiram rapidamente ao novo meio. Páginas como o www.journaliststoolbox.com ou o www.pressnetweb.com, apenas para citar dois exemplos, dedicam-se exclusivamente a apoiar o trabalho dos profissionais da comunicação. Para além de outras ferramentas, estas páginas oferecem agrupamentos temáticos de páginas com interesse para o trabalho dos jornalistas, compilando assim grande parte da informação necessária para o desempenho da profissão. Foi a forma encontrada pelos mentores destas páginas para ajudarem os jornalistas a ultrapassar uma nova dificuldade resultante da expansão da web: o excesso de informação. Alguns investigadores chegaram a dizer que uma maior oferta de informação significaria uma menor importância do jornalista enquanto mediador, mas cedo se percebeu que o mediador é mais importante numa situação de excesso, que numa situação de escassez de informação.

A avalanche informativa, o aumento da velocidade noticiosa e as novas formas de contactar os agentes da notícia são apenas algumas das alterações sofridas pelo jornalismo em consequência do aparecimento da Internet. Por isso, o impacto das novas tecnologias na prática jornalística tornou-se num novo e vasto campo de pesquisa para os investigadores do fenómeno.

No caso português, o primeiro estudo sobre a utilização da Internet pelos jornalistas portugueses foi publicado por Hélder Bastos em 20002, tendo sido os dados recolhidos em 1998. Seis anos depois, a Internet é já uma realidade em todos os meios de comunicação nacionais e regionais, verificando-se que a classe jornalística recorre cada vez mais a este meio. Por isso pareceu-nos interessante procurar saber de que forma os jornalistas portugueses utilizam a Internet e o que mudou neste campo desde o ano em que foi efectuado o estudo anterior.

Metodologia

Entre Janeiro e Setembro de 2004 foram distribuídos inquéritos por 7 jornais, 5 rádios e 3 estações de televisão portuguesas. No total foram recebidas 81 respostas, distribuídas da seguinte forma: 38 de imprensa, 18 de rádio e 25 de televisão.

A amostra utilizada no trabalho foi a seguinte:


  Sexo Idade
  F M - 25 26/35 36/45 +45
Imprensa 18 20 12 19 5 2
TV 11 14 2 11 11 1
Rádio 7 11 3 8 7 0
Total 36 45 17 38 23 3


  Formação Anos de actividade
  -12 Bachar. Lic. Outro -1 1/5 6-10 11-20
Imprensa 7 2 29   3 20 8 7
TV 7 3 13 2 2 5 8 10
Rádio 8 2 7 1 1 4 2 11
Total 22 7 49 3 6 29 18 28

Neste inquérito procurava-se saber com que finalidade os jornalistas utilizam a Internet, quais as ferramentas mais usadas e quais os sites informativos procurados para actualização das informações.

Na parte final do inquérito pretendeu-se ainda avaliar a atitude dos jornalistas face à Internet enquanto fonte e meio de comunicação. Para isso foram apresentadas 6 afirmações, tendo-se pedido aos jornalistas uma classificação a variar entre o completamente de acordo (1) e o completamente em desacordo (5).

Internet e Jornalismo

Nos últimos anos tem crescido exponencialmente o número de cibernautas que acedem à Internet a partir de casa. Os dados do estudo A Internet e a Imprensa em Portugal3 revelam que 79,3 por cento dos cibernautas acede à Internet a partir de casa, 25,8 por cento acede a partir do estabelecimento de ensino que frequenta e 16,7 por cento a partir do trabalho. Esta tendência verifica-se também entre a classe jornalística, com 25 por cento a aceder apenas partir do local de trabalho e 75 por cento dos profissionais a aceder a partir de casa e do emprego. Um dado interessante é que todos os jornalistas inquiridos acedem à Internet, confirmando-se assim a importância do meio junto destes profissionais. Aliás, estes dados coincidem com resultados conseguidos em estudo análogos realizados noutros países latino-americanos: o Estudio sobre el uso de la rede n los medios de comunicación4, por exemplo, revela que 90 por cento dos jornalistas considera a Internet imprescindível.

A esmagadora adesão da classe jornalística a este meio, levou alguns investigadores a procurarem uma explicação para o fenómeno e para isso decidiram analisar a rotina diária destes profissionais.

O processo de produção jornalística obedece a quatro passos: (Ward 2003: 30)

  1. Identificar e encontrar acontecimentos/informações que interessem ao público-alvo do meio onde trabalha
  2. Compilar toda a informação necessária para relatar o acontecimento
  3. Seleccionar o melhor da informação compilada
  4. Redigir/Editar a notícia

Cada um destes passos implica uma determinada actividade e, em maior ou menor escala, todas elas registaram alterações em consequência da utilização da Internet pelos jornalistas. Para este trabalho agruparam-se os quatro passos definidos por Ward em funções que implicam o recurso aos computadores e à Internet:

  1. Função Comunicação
  2. Função Pesquisa
  3. Função Selecção
  4. Função Produção

Foi ainda acrescentada uma outra função que não está ligada com a rotina de produção noticiosa, mas que surgiu com alguma dimensão nos dados recolhidos: a função edutainment. Esta função está relacionada com o recurso à Internet para fins lúdicos e formativos.

O ponto de partida para um trabalho é sempre a informação recebida de uma determinada fonte. Por fax, telefone ou através do serviço de agenda, a informação entra na ordem do dia através de um canal de comunicação. Por isso chamamos a esta função comunicação e consideramos aqui a utilização da Internet enquanto forma de trocar informações com terceiros, sejam eles fontes ou leitores.

É um dado adquirido que nos últimos anos o correio electrónico tem vindo a ganhar terrenos às formas tradicionais de receber informação num órgão de comunicação. Para isso contribuem algumas das características fundamentais do correio electrónico:

Velocidade. O correio electrónico permite o envio e recepção de informação de uma forma instantânea, independentemente da localização geográfica do destinatário. Neste aspecto, o correio electrónico coloca-se num patamar de utilidade semelhante ao do fax, um dos mais preciosos auxiliares do trabalho jornalístico. Mas o facto do correio electrónico ser pessoal é uma grande vantagem sobre o fax, já que o jornalista pode receber informações em absoluta confidencialidade, um pormenor importante no relacionamento com as fontes.

Versatilidade. Em anexo ao texto, uma mensagem pode transportar outros elementos multimédia, o que torna o correio electrónico mais versátil do que o fax. Quando a imagem ganha preponderância como elemento gráfico e até como prova, é natural que um suporte de comunicação que permita enviar imagens seja mais valorizado pelos jornalistas.

Os softwares para gestão de correio electrónico oferecem ainda um conjunto de funções de grande utilidade, nomeadamente as possibilidades de enviar várias mensagens em simultâneo, de confirmar a recepção da mensagem e de manter uma base de contactos actualizada, por exemplo.

Esta constatação justifica a razão pela qual a leitura e envio de correio electrónico é uma das funcionalidades da Internet mais usadas pelos jornalistas (92,5%). Grande parte deste correio, 53,1 por cento, é trocado com as fontes de informação, o que reforça a ideia de que esta ferramenta é muito usada na fase inicial do processo de produção noticiosa. A justificação para esta utilização massiva do correio electrónico poderá ser encontrada no estudo da Deloitte & Touche antes referido, onde 64 por cento dos jornalistas defendem que esta forma de trocar informações é o melhor canal para receber informações.

Também a tese de doutoramento de Elias Machado5 apresenta dados acerca da utilização do correio electrónico. Compilando os dados existentes na tese acerca das publicações brasileiras, concluímos que 96 por cento dos inquiridos utiliza este instrumento, o que reforça a importância desta funcionalidade junto da classe jornalística

Sendo um correio electrónico uma das ferramentas mais usadas pelos jornalistas, perguntou-se ao profissionais da imprensa escrita se assinavam os seus trabalhos com endereço electrónico próprio, verificando-se que apenas 29 por cento o fazem. É uma percentagem muito baixa considerando o crescente número de leitores que recorre a este meio para contactar os jornais ou os jornalistas. De todos os meios e suportes analisados neste estudo, apenas em dois jornais e numa revista os jornalistas assinam com o endereço electrónico. Em dois outros meios, o correio electrónico dos jornalistas vem nos contactos ou na ficha técnica, sendo que nos restantes disponibiliza-se apenas o correio electrónico geral ou o das várias secções. Por isso não é de estranhar que apenas 34 por cento dos jornalistas receba mensagens dos seus leitores. Entre os jornalistas que recebem correio electrónico dos leitores, 38 por cento afirmam que respondem a todos os leitores e 72 por cento dizem responder apenas a alguns leitores. Por cada artigo escrito, os jornalistas portugueses recebem 1 a 5 mensagens em 69 por cento dos casos, 5 a 10 em 8 por cento dos inquiridos e de 11 a 30 nos restantes 23 por cento.

Uma outra utilidade usada para contactos é o Messenger, com 34,6 por cento dos profissionais da comunicação a referirem a sua utilização. Neste caso destacam-se claramente os jornalistas da imprensa escrita, com 52,6 por cento a confirmarem a sua utilização. Esta percentagem estará relacionada com o facto do trabalho de redacção das notícias ser efectuado no computador de trabalho, podendo o jornalista manter-se em contacto permanente. Já os jornalistas de televisão, por exemplo, após a escrita do texto saem do seu computador e passam para as salas de ENG6. Assim, o tempo de contacto com o computador pessoal é menor, o que poderá justificar um recurso menos intensivo ao Messenger. Segmentando por sexos, constatamos 57 por cento dos utilizadores do Messenger são mulheres e 43 por cento de homens, sendo esta uma das duas únicas utilidades da Internet - a outra são os newsgroups - em que a percentagem de utilizadores do sexo feminino é superior ao dos homens.

Dentro desta função incluímos o segundo passo da rotina de produção noticiosa, salvaguardando que a notícia também pode nascer da função pesquisa e não da função comunicação. Isto acontece sempre que o assunto nasce de uma constatação individual do jornalista.

E em que consiste a pesquisa?

Segundo Mike Ward (2002:68-9), na hora de efectuar uma pesquisa online, o jornalista pretende cumprir quatro premissas:

1. Procurar informação, seja ela documental, dados, imagens, áudio ou vídeo

Os dados do presente estudo confirmam que a quase totalidade dos jornalistas portugueses, 98 por cento, recorre à Internet para procurar informação: analisando os dados por meio conclui-se que todos os jornalistas de rádio assinalaram esta opção, logo seguidos da imprensa escrita, com 97,4 por cento, e da televisão com 96 por cento.

Neste processo de pesquisa na web, os jornalistas vão encontrar a informação agrupada em quatro categorias (Wolton, 1999: 82-3)

- Informações: Todas as páginas relacionadas com reservas de serviços, agendas de acontecimentos, meteorologia, etc

- Lazer: jogos online, vídeo, etc

- Informação-acontecimento: agências noticiosas, jornais, rádios, etc

- Informação-conhecimento: bases de dados, enciclopédias, mapas, etc

Dentro destas quatro categorias, os jornalistas trabalham sobretudo nas duas últimas, mas ainda assim a oferta existente na web é enorme. O profissional de comunicação acaba por recorrer aos motores de busca, a única forma de encontrar a informação pretendida no autêntico mar de dados em que a web se tornou. Ao efectuar uma pesquisa no Google, por exemplo, o jornalista sabe que o motor vai procurar a informação pretendida em 4.285.199.774 páginas da web7. Este motor de busca, o mais usado pelos jornalistas que responderam ao inquérito, foi referenciado por 91,4 por cento dos jornalistas. Seguem-se o Sapo, com 54,3 por cento e o Altavista e o Yahoo, ambos referidos por 29,6 por cento de utilizadores. O Google substitui assim o Altavista no lugar de motor de referência para os jornalistas portugueses8 e sublinha a preferência por um sistema de pesquisa por palavra, a grande novidade introduzida por este motor.

2. Localizar determinadas pessoas envolvidas no assunto em investigação ou especialistas nessa matéria

Os dados revelam que 31 por cento dos jornalistas portugueses recorrem à web para identificar especialistas, com 53,1 por cento a usarem o correio electrónico para os contactarem. Ainda dentro do campo da localização de pessoas, 40 por cento dos jornalistas indicam a lista telefónica online 118PT como auxiliar nesta tarefa. Para além de listas telefónicas online e das bases de dados de especialistas, a web disponibiliza ainda outros sistemas de procura de pessoas, com directórios especializados por áreas temáticas, zonas geográficas, etc.

3. Confirmar informações ou dados, recorrendo a páginas de referência

O nosso estudo revela que 84 por cento dos jornalistas procura a web para actualizar informações acerca dos assuntos em que estão a trabalhar.

Os sites institucionais e os Gabinetes de Comunicação também são referidos por 56,8 por cento dos jornalistas como locais onde procuram informação de referência para os seus trabalhos.

No estudo da Deloitte & Touche ficamos a saber que 47 por cento dos jornalistas considera que os Gabinetes de Comunicação utilizam eficazmente os meios de comunicação, pelo que não surpreende que mais de metade dos jornalistas aceda a este tipo de estruturas como fonte de informações.

Para actualização de informações, os jornalistas portugueses recorrem sobretudo a sites de outros órgãos de informação e o universo de citações é bastante vasto: os mais referidos são o Público Online (24,7%), a Lusa (22,2%), a TSF/DN (13,6%), Diário Digital (9,8%) a Euronews (7,4%) a BBC e o Portugal Diário (6,2%). Registam-se ainda mais de duas dezenas de outras referências, portuguesas e estrangeiras, todas elas especializadas em determinadas áreas temáticas.

A quarta premissa referida por Mike Ward (2002:68-9) enquadra-se já na fase de selecção.

4. Analisar informação, particularmente dados

Embora possa ser referida como parte da pesquisa, a fase de análise e comparação de dados parece melhor integrada no processo de selecção. Ao analisar a informação recolhida, o jornalista está a iniciar um processo conducente à escolha de determinados dados em detrimento de outros menos interessantes para o seu trabalho.

Quando os jornalistas portugueses referem os newsgroups (16 %), os fóruns (18,5%) e os chats (9,9%) como locais de procura de informação, considera-se que entraram já numa fase de selecção. E porquê? Porque estas funcionalidades da Internet, sobretudo os newsgroups e os fóruns, são zonas de discussão altamente especializadas em determinados temas. É nesta esfera de discussão que se encontram os especialistas pelo que, mais do que procurar informações, os jornalistas procuram as explicações e as opiniões de quem domina os assuntos em discussão. É com base nas opiniões desses especialistas, ou dos que pertencem ao quadro da empresa, que os jornalistas fazem a selecção dos dados que interessam ao seu trabalho.

Esta última fase está relacionada com a redacção e/ou edição das notícias. As alterações sentidas nesta fase da rotina de produção noticiosa estão mais ligadas à introdução do computador nas redacções e não tanto á sua ligação à Internet. A temática não foi objecto de estudo neste inquérito, mas há várias investigações na área do Jornalismo Assistido por Computador (Computer Assisted Journalism) que sublinham a importância do computador no jornalismo. Desde logo, porque os processadores de texto vieram facilitar a tarefa de escrever e corrigir os textos, o que constitui um assinalável ganho de tempo. Mas as vantagens da informática no jornalismo não se ficam por aqui. O computador permite guardar os textos, os contactos e outros dados recolhidos pelo jornalista noutras investigações, constituindo-se como uma importante base de dados. É ``neste ponto que verdadeiramente se pode falar em JAC, num novo Jornalismo tornado possível pelo computador. É muito para além da compreensão e da utilização do computador como máquina de escrever, com a utilização de programas de agenda, de folhas de cálculo, de bases de dados e de estatística que surge o JAC''. (Fidalgo, 2000)

Mas a Internet é ainda utilizada pelos jornalistas com outros propósitos que não fazem parte da produção noticiosa. Um dos grandes problemas que afectam a classe jornalística é a impossibilidade de compatibilizar o exercício da sua profissão com a necessidade de alargar e actualizar as suas competências. A natureza do trabalho jornalístico, com um agendamento dinâmico e imprevisível, faz com que o jornalista sinta dificuldades em abandonar o seu local de trabalho durante longos períodos que lhe permitam efectuar acções de formação. O facto da Internet permitir o acesso à informação sem sair do local de trabalho faz com este meio se tenha transformado também num óptimo instrumento de formação para os jornalistas, sendo que 32,1 por cento dos profissionais portugueses referem esta como uma das finalidades do seu recurso à Internet. Destes, 58 por cento são homens e 42 por cento mulheres. O meio onde a procura de formação é mais equilibrada entre os dois sexos é a imprensa escrita - homens a 41 por cento e mulheres a 59 por cento. Em televisão registam 13 por cento para mulheres e 87 por cento homens e na rádio 14 por cento mulheres e 86 por cento homens.

Por fim, 35,8 por cento dos jornalistas dizem ainda que utilizam a Internet para divertimento. Destes, 75 por cento são homens e 25 por cento mulheres. Segmentando por idades, o grupo dos 26/35 anos é o que mais se diverte na Internet, com 57 por cento, seguido do grupo com menos de 25 anos (25%) e do segmento de 36 a 45 anos (18%). Os dados permitem ainda concluir que 76 por cento dos jornalistas que recorrer à Internet para divertimento são licenciados, 12 por cento têm até ao 12º ano, e 8 por cento são bacharéis.

A Internet como fonte

A natureza imprevisível dos acontecimentos condiciona fortemente o processo de produção noticiosa, obrigando as empresas jornalísticas a tentar impor ordem no espaço e no tempo. [Traquina, 2002: 107-111]

Em termos espaciais, as empresas criam redes de correspondentes que lhes permitam estar o mais próximo possível do acontecimento. Trata-se de uma estrutura cara, o que leva as empresas a recorrerem a agências.

Em termos temporais, a empresa procura ganhar tempo recorrendo ao agendamento de determinados acontecimentos passíveis de serem transformados em notícia. Porém, umas vezes o acontecimento não serve os tempos de produção do meio jornalístico e outras vezes são fenómenos inesperados, pelo que o factor tempo continua a ser uma forte condicionante.

A entrada da Internet na rotina de produção noticiosa foi facilitada porque veio ajudar nalgumas destas situações. Ao funcionar como uma fonte permanente de informações, a Internet suaviza as barreiras do espaço e do tempo.

As principais fases da produção informativa quotidiana são três: a recolha, a selecção e a apresentação. Cada uma obedece a uma rotina articulada e a um processo de trabalho. [Wolf, 1995:195]

Neste caso interessam sobretudo os passos 1 e 2, já que é nestas fases que a Internet mais influencia o processo de produção noticiosa e, consequentemente, o seu produto, as notícias.

A recolha dos materiais informativos ``é influenciada pela necessidade de se ter um fluxo constante e seguro de notícias, de modo a conseguir-se sempre executar o produto exigido'' [Wolf, 1995: 197]

Para isso as empresas recorrem a agências e a fontes institucionais estáveis que permitam assegurar o caudal noticioso. Tal como foi referido na função pesquisa, ao funcionar como um acervo global de informações e dados, a web assegura um permanente fluxo de notícias oriundas de todas as latitudes e de todos os assuntos. O correio electrónico, referenciado na função comunicação, oferece ao jornalista a possibilidade de contactar fontes próximas do acontecimento sem sair do seu lugar. Este conjunto de duas utilidades funcionais favorece o trabalho do jornalista na tarefa de ultrapassar a barreira espacial.

O processo de selecção também obedece a rotinas onde os critérios de noticiabilidade jogam um papel importante. Dois desses critérios são o momento do acontecimento e a clareza dos factos.

O momento do acontecimento é importante na medida em que o acontecimento tem maior probabilidade de passar a notícia se as suas características temporais servirem as necessidades do meio. A Internet permite reduzir substancialmente o tempo de produção noticiosa, pelo que os acontecimentos são mais susceptíveis de passar a notícia.

A inexistência de dúvidas em relação ao acontecimento é o outro dado importante na hora de lançar uma notícia. O facto da Internet disponibilizar várias funcionalidades de pesquisa permite destrinçar mais facilmente os dados recorrendo às múltiplas fontes disponíveis.

A Internet emerge assim como um valioso auxiliar do trabalho jornalístico, mas também como um factor que condiciona o próprio produto final ao influenciar directamente alguns dos critérios de noticiabilidade em que assenta o trabalho jornalístico.

A noção de que existe uma forte relação entre o conteúdo da notícia e a Internet, fez com que o estudo incluísse algumas questões destinadas a saber a opinião dos jornalistas acerca da Internet. Para isso foram colocadas à consideração dos inquiridos seis afirmações que deviam ser classificadas numa escala a variar entre o completamente de acordo e o completamente em desacordo.

Em primeiro lugar procurou-se saber a atitude dos jornalistas em relação à web enquanto fonte de informação. O dado mais saliente é que 71 por cento dos inquiridos está de acordo ou completamente de acordo que A web facilita o acesso à informação procurada. Os jornalistas de imprensa escrita são os que mais valorizam a web enquanto ferramenta de pesquisa, com 81 por cento a partilharem esta opinião.

A valorização da web vai ao ponto de 40 por cento dos inquiridos confessarem que a A web é o primeiro local onde procuram informação, sendo a imprensa escrita, com 63 por cento, o meio mais concordante com esta afirmação.

Perguntava-se também se A informação recolhida na net é fiável e, face a uma pergunta tão aberta, as posições recolhidas demonstram um grande equilíbrio: 32 por cento estão de acordo, 37 por cento estão indecisos e 21 por cento estão em desacordo. Em conversas informais, os jornalistas acabaram por confirmar aquilo que se esperava: o que está em causa não é o meio, mas a fonte onde se recolhe a informação.

Outra pergunta onde os jornalistas se dividem é quando questionados se O excesso de Informação é contraproducente: 35 por cento consideram que sim, 26 por cento estão indecisos e 40 por cento considera que não.

Foi ainda analisada a atitude dos jornalistas em relação à essência mediática da WWW. Procurava-se saber se os jornalistas sentem a web como um suporte, isto é, uma simples extensão do meio de comunicação onde trabalham, ou se lhe reconhecem uma essência única capaz de a catalogar com um meio. Para isso os inquiridos classificaram as duas frases que se seguem:

- A web é apenas mais um suporte mediático

- A web é um novo meio de comunicação social

Se no primeiro caso os jornalistas se mostravam algo indecisos, quando confrontados com a segunda afirmação conseguiram-se 53 por cento dos jornalistas a mostrar o seu acordo, contra apenas 18 por cento com uma opinião contrária e 29 por cento a ficarem indecisos. Dos três meios tradicionais, os jornalistas da imprensa escrita são os que mais aceitam a web como meio, com 74 por cento de acordo e apenas 13 por cento com a opinião contrária.

A consciência profissional de que a Internet é um novo meio é um dado importante para a investigação em torno de uma linguagem própria destinada ao webjornalismo. Esta linguagem, que deverá tirar partido das características do meio, conta desde já com um grupo profissional atento, consciente das potencialidades da Internet e preparado para se lançar na estabilização dessa linguagem. Os dados deste estudo permitem concluir que se verificou já uma integração plena das novas ferramentas nas rotinas de produção noticiosa dos meios tradicionais, pelo que a tarefa de construir uma nova linguagem poderá ser mais simples do que o previsto.

ANEXOS

QUADRO 1


Finalidade 2004 1998 *
Procurar Informação 97,5% 100%
Obter dados actuais 83,9% 93,5%
Ler/Enviar correio electrónico 92,6% 87,5%
Identificar peritos/Especialistas 30,9% 62,5%
Formação 32,1% -
Contactar fontes 53,1%  
Divertimento 35,8% -


* (Bastos, 1988)

QUADRO 1b


Finalidade TV Rádio Imprensa
Procurar Informação 96% 100% 97,4%
Obter dados actuais 84% 77,7% 86,8%
Ler/Enviar correio electrónico 92% 100% 89,5%
Identificar peritos/Especialistas 12% 11,1% 52,6%
Formação 32% 33,3% 57,9%
Divertimento 28% 38,9% 39,5%
Contactar fontes 44% 27,7% 71,1%

QUADRO 2


Funcionalidades TV Rádio Imprensa TOTAL
WWW 96% 100% 97,4% 97,5%
Correio Electrónico 84% 94,4% 100% 93,8%
Fóruns 20% 5,5% 23,7% 18,5%
Messenger 24% 11,1% 52,6% 34,6%
Chats 0% 5,5% 18,4% 9,9%
Newsgroups 20% 0% 21,5% 16%

QUADRO 3


Motores de Busca 2004 1998*
Altavista 29,6% 56%
Yahoo 29,6% 56%
SAPO 54,3% 43%
Google 91,4%  


* (Bastos, 1988)

QUADRO 4


VISITAS DIÁRIAS  
CNN 11,1%
Lusa 22,2%
TSF/DN 13,6%
BBC 6,2%
Euronews 7,4%
Público 24,7%
Portugal Diário 6,2%
Diário Digital 9,8%

QUADRO 5


OUTRAS FONTES  
Gab. de Comunicação 56,8%
Sites Institucionais 56,8%
Newsgroups 35,6%
118pt 39,5%
NR 9,8%

QUADRO 5b


OUTRAS FONTES TV Rádio Imprensa
Gab. de Comunicação 40% 61,1% 65,8%
Sites Institucionais 36% 50% 73,7%
Newsgroups 48% 27,8% 31,6%
118pt 24% 44,4% 47,4%
NR 12% 5,5% 13,4%

Bibliografia

Textos OnLine

Estudos OnLine



Notas de rodapé

... Internet1
Comunicação apresentada no V Congresso Ibero-Americano de Jornalistas na Internet, realizado na FACOM, S. Salvador da Bahia em 24 e 25 de Novembro de 2004.
... 20002
Bastos, Hélder (2000), Jornalismo Electrónico, Ed. Minerva, Coimbra
... Portugal3
A Internet em Portugal foi um estudo efectuado em 2003 pela empresa Vector XXI para a Associação Portuguesa de Imprensa. (disponível em http://www.vector21.com/pd/estudosmercado/)
... comunicación4
Estudio sobre el uso de la rede n los medios de comunicación - Deloitte & Touche y Accesogroup, 2002

... Machado5
La estructura de la noticia en las redes digitales (2000)
... ENG6
Referimo-nos aqui à edição linear. No caso estações de televisão onde o próprio jornalista edita num sistema digital, o processo acaba por decorrer também no mesmo local onde se escreve a notícia.
... web7
Número de páginas existente nas bases de dados do Google em 22 de Setembro de 2004
... portugueses8
Dados recolhido por Hélder Bastos no estudo de 1998.