Vladimir Caleffi Araujo1
Resumo
O processo de evolução da informação sindical indica que esse campo passou por transformações profundas nos últimos anos, no que diz respeito tanto a seus meios de produção e difusão de informação (principalmente com a incorporação de novos veículos de comunicação) como a seu corpo de profissionais (através da profissionalização crescente de jornalistas e técnicos, agentes produtores da informação sindical) e a suas práticas informativas. O presente trabalho propõe-se a analisar as condições que envolvem a produção da informação sindical e as relações de interdependência que se estabelecem entre seus diferentes atores - jornalistas, dirigentes e militantes sindicais -, assim como os mecanismos (de funcionamento, decisão, etc.) e as estratégias que subtendem o processo de produção do jornalismo sindical.
A comunicação conheceu, no curso das últimas décadas, uma irresistível ascensão, invadindo todos os lugares onde a vida social se organiza. Uma após outra, as diferentes instituições sociais foram conquistadas pela comunicação2. As empresas, as administrações, os partidos políticos, as associações de toda espécie, as igrejas, dentre outras, estão na origem de um fluxo incessante de informações, que tem como destinatários principais a mídia e a opinião pública de uma forma geral. Nessa ``batalha pela conquista da opinião'' 3, essas instituições acabam por reforçar a lógica atual de ``midiatização'' das ações e dos conflitos na sociedade, transformando os jornalistas em atores à part entière das mobilizações sociais. Os sindicatos, como não poderia ser diferente, dobraram-se a essa lógica e passaram a integrar as ações de comunicação em suas estratégias globais de luta sindical. Um relatório do IBGE, de 2001, revela que cada sindicato brasileiro utiliza, em média, cinco modalidades de comunicação para informar seus associados e a opinião pública, sendo o rádio a mídia mais cotada (50% das preferências)4.
Desde a sua recomposição na década de 80, o movimento sindical brasileiro esteve à frente de experiências significativas no campo da comunicação, algumas organizações fazendo história com a sua própria imprensa. É o caso dos metalúrgicos de São Paulo e do ABC, dos bancários de São Paulo, das centrais sindicais (em especial, a CUT), dentre outras. Se, antes, porém, comunicar era um ato que visava fundamentalmente à mobilização dos atores diretamente implicados na luta sindical (isto é, os trabalhadores em geral e eventualmente outros setores da sociedade em condições de pesar politicamente sobre os conflitos do trabalho e de apoiar a ``causa'' sindical), hoje, as ações de comunicação têm por finalidade, cada vez mais, sensibilizar a ``opinião pública'', ente que se transformou numa espécie de árbitro dos conflitos que se travam no âmbito da sociedade.
Os sindicatos passaram, assim, a produzir e a difundir informação destinada cada vez mais a audiências externas - dentre as quais se destaca a comunidade jornalística -, muitas vezes priorizando essa dimensão de sua comunicação em detrimento daquela destinada ao público ``interno''. Esse deslocamento na direção do espaço público exigiu da informação sindical uma ampliação de conteúdos e uma diversificação de seus meios de difusão: aos tradicionais boletins e jornais vieram juntar-se revistas de grande sofisticação editorial, programas de rádio e de televisão e, mais recentemente, novas tecnologias de comunicação possibilitaram aos sindicatos a produção de boletins eletrônicos, sites e portais na Internet. Ao mesmo tempo em que os serviços de comunicação se profissionalizavam, o recrutamento das equipes de redação passou a obedecer critérios profissionais (conhecimento técnico, competência jornalística, etc.), e muitas delas empregam hoje profissionais capacitados, experientes, muitos oriundos da chamada ``grande imprensa''. Dos jornalistas sindicais que fazem parte de nossa amostra, apenas 20% declararam ter iniciado a carreira jornalística na imprensa dos sindicatos; enquanto 80% (ou seja, 28 dos 35 entrevistados) afirmaram possuir uma experiência na mídia comercial antes de ingressar nos veículos sindicais. Vinte, dentre eles, haviam trabalhado na imprensa diária - destes, 15 declararam ter trabalhado em grandes jornais de São Paulo ou de outros estados, aparecendo a Folha de S. Paulo e o Estado de S. Paulo como os mais citados 5.
A profusão de formas de comunicação na sociedade atual, a emergência de novas tecnologias (sobretudo a Internet) e o desenvolvimento acelerado de setores específicos da informação (representados na imprensa técnica ou profissional, na mídia governamental, empresarial ou sindical, dentre outras) vêm transformando o campo do jornalismo profissional e suas práticas. Produzir informação jornalística deixou de ser uma exclusividade das empresas de mídia, que têm nessa atividade sua razão de existir e que contam, para isso, com a competência especializada de profissionais a serviço da informação (os jornalistas). A concepção dominante de informação repousa sobre uma experiência de profissionalização do jornalismo que já dura mais de um século. Apesar de considerado por muitos como inacabado e cheio de lacunas, esse processo (de profissionalização jornalística) conseguiu erigir um certo número de valores - os quais embasam princípios deontológicos - e de regras técnicas que asseguraram até aqui a legitimidade necessária para a imprensa se impor enquanto instituição fundamental das sociedades modernas.
No entanto, à margem do modelo dominante, vêm se legitimando formas específicas de informação e do fazer jornalístico, cujo impacto (sobre a ``tradição jornalística'') coloca em xeque os princípios fundadores da profissão. Assim, não existiria mais um jornalismo unitário e absoluto nas suas formas de manifestação, único a usufruir a legitimidade conquistada a duras penas pela profissão ao longo de décadas. Esse jornalismo de referência passa a coexistir com outras modalidades de informação e de prática jornalística, que absorvem, cada vez mais, os contingentes profissionais. Dados da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) mostram que um terço da população de jornalistas ocupando um posto de trabalho encontra-se hoje fora das redações tradicionais (jornais, revistas, televisão, radio e agências)6 . Segundo estatística do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, cerca de 40% dos profissionais empregados estão nas assessorias de imprensa, no setor público, produzindo portais e sites da Internet ou trabalhando em agências de comunicação (como proprietários ou empregados dessas agências)7. Em Brasília, cidade com grande concentração de jornalistas, estima-se que metade deles esteja trabalhando em serviços de comunicação institucional8. Na França (para citar outra realidade da qual o autor dispõe de dados), o crescimento da imprensa especializada é um dos fenômenos importantes da evolução recente da mídia naquele país. Ela concentra, hoje, cerca de 33% dos jornalistas que possuem registro profissional9. A esse respeito, escreve o pesquisador Dominique Marchetti (2002: 28): ``Essa transformação vem romper, ainda mais, com a idéia de unidade do grupo profissional e com os discursos de jornalistas ou de pesquisadores, que pressupõem que os jornalistas se dirigem a um público no singular''.
A informação sindical constituiu-se, ao longo dos anos, num campo privilegiado para o exercício do jornalismo de tipo ``institucional'', construído à margem das práticas dominantes, assim como outras formas de jornalismo. O jornalismo de informação sindical tem na sua natureza fundamentalmente engajada uma de suas principais características. Além de informar, exerce plenamente seu papel militante ao expor e ao defender uma política, ao tomar posições em relação aos fatos da atualidade, ao erigir suas convicções como elemento central de sua prática jornalística. Como qualquer outra modalidade de prática jornalística, tem, porém, na informação sua matéria-prima. Mas, no momento em que se situa abertamente na defesa dos interesses de uma categoria ou classe social, que declara publicamente seu partis pris, como, efetivamente, se assegurar uma credibilidade e construir, em conseqüência, uma legitimidade jornalística? Esse é o dilema de fundo do jornalismo de tipo sindical, objeto deste trabalho.
A proposta deste estudo é, portanto, analisar as condições que envolvem a produção da informação sindical e as relações de interdependência que se estabelecem entre seus diferentes atores - jornalistas, dirigentes e militantes sindicais -, assim como os mecanismos (de funcionamento, de decisão, etc.) e as estratégias que sustentam o processo de produção do jornalismo sindical. Os objetivos visados são: (a) detectar as especificidades que distinguem o jornalismo e a fabricação da informação sindical de outros processos de produção jornalística; (b) responder, com os elementos recolhidos ao longo da pesquisa, a interrogação inicial do trabalho: até que ponto é possível atribuir à atividade que se exerce nas redações sindicais o estatuto de prática jornalística? Essa perspectiva implica descrever e compreender a atividade jornalística tal qual ela se estrutura e funciona no cotidiano das salas de redação, fazendo emergir os dispositivos da ``maquinaria redacional'' (Neveu, 2001: 44). Nesse sentido, este trabalho procura reconstituir a prática jornalística sob os seus diversos aspectos: a relação dos jornalistas com as fontes de informação, os procedimentos e rotinas de trabalho, as estratégias redacionais face às condições constrangedoras da atividade jornalística no ambiente das redações sindicais, as interações entre os diversos atores da informação sindical.
Pareceu-nos indispensável, neste estudo, interrogar sobre a significação de "ser jornalista" em órgãos de imprensa do tipo sindical. Concentramos, assim, nosso interesse nos profissionais jornalistas incumbidos de produzir a informação sindical. Procuramos abordar criticamente tanto as representações desses profissionais sobre as questões pertinentes à prática jornalística, como o trabalho concreto que desenvolvem em sala de redação. Buscamos apontar as contradições do espaço jornalístico em que figuram as redações sindicais, evidenciar o caráter equivocado da legitimidade que essas redações pretendem atribuir a certas práticas que adotam e relevar a incompatibilidade das visões da informação e do jornalismo que co-habitam no universo das organizações, representadas, de um lado, pelos jornalistas e, de outro, pelos dirigentes e militantes sindicais. Nessa perspectiva, tentamos desvelar as condições em que se desenvolvem as atividades do jornalismo de informação sindical e seu modo de operar, resgatando, a partir daí, seus particularismos.
Na pesquisa, buscamos identificar manifestações, que, na produção do jornalismo sindical, pudessem efetivamente ser associadas à prática jornalística, distinguindo-as de procedimentos que convém classificar em outros registros, mais próximos das lógicas de comunicação. Tarefa espinhosa, na medida em que o processo de produção jornalística das redações sindicais se encontra, por vezes, no limite das ações de comunicação e que, com freqüência, é consagrado aos discursos institucionais e promocionais do sindicalismo. A observação é importante, pois essa imbricação entre informação e comunicação acaba por determinar os processos narrativos em uso nas redações sindicais. Essa lógica está expressa nas palavras de um dirigente, para quem a informação é a ``arma'' que o ``combatente'' (militante) utilizará na ``batalha sindical''. O jornalismo, nessas condições, reveste-se de certas especificidades, como veremos, e seus profissionais (jornalistas sindicais) padecem de uma imagem de ``propagandistas'' das organizações, espécie de correia de transmissão das opiniões e das ambições políticas de seus dirigentes, razão pela qual a profissão hesita em considerá-los journalistes à part entière. Neste trabalho, tratamos de verificar se essa reputação corresponde à realidade, se esses jornalistas pecam realmente pela ausência total de distanciamento vis-à-vis aos interesses político-ideológicos das organizações que os empregam.
As representações que os jornalistas sindicais constroem de seu próprio papel estão impregnadas dessa estigmatização do ``jornalista militante''. Predomina, entre eles, a idéia de que atuam à margem do espaço jornalístico dominante. A declaração de um de seus representantes, durante debate reunindo profissionais da mídia de São Paulo, traduz o sentimento do grupo e reforça essa imagem de uma atividade que, por certo, está relacionada ao jornalismo, mas que, no fundo, não é exatamente percebida como tal:
``Eu me sinto até meio inibido diante dos companheiros que já falaram, que são gente boa do jornalismo convencional e institucional. Eu pratico o jornalismo marginal. Em razão disto, as questões abordadas, os componentes do tema que estão sendo discutidos são vistos por mim de uma forma bastante diferente da que os companheiros já examinaram (grifo nosso)'' 10.
Esta pesquisa apoiou-se em diferentes métodos de recolhimento de dados, que desempenharam, cada qual, um papel complementar indispensável, tendo em vista a abordagem que adotamos e os objetivos fixados neste trabalho. À exceção de um estudo estatístico sobre os conteúdos da imprensa sindical (que utilizamos em um dos capítulos da tese), os diferentes instrumentos aos quais recorremos para a coleta de dados se inserem nos métodos qualitativos. Para obter o material do qual nos servimos nas descrições e análises conduzidas ao longo do trabalho, entrecruzamos nossas observações de campo com a série de entrevistas que nos concederam os diferentes atores que fazem parte desse universo. A participação, desde que passamos a nos interessar por esse tema, em discussões e o intercâmbio com os protagonistas da informação sindical - em reuniões, debates, conferências e seminários promovidos em torno de temas relacionados à imprensa dos sindicatos - permitiram que resgatássemos, ainda, um certo número de elementos de análise bastante úteis à nossa empreitada. Evidentemente, esta pesquisa apoiou-se igualmente na consulta de um certo número de obras, de documentos, de artigos e de trabalhos universitários relativos ao tema.
A observação direta do campo de pesquisa foi facilitada graças à nossa experiência de cinco anos como redator chefe nesse tipo de imprensa, o que possibilitou que ``freqüentássemos'', durante todo esse tempo, as práticas e os discursos do jornalismo de informação sindical. São justamente essas práticas e esses discursos que tentamos, acima de tudo, descrever e compreender neste trabalho. A observação dos atores no próprio campo de ação permite, de fato, melhor captar as verdadeiras manobras subentendidas nas estratégias de cada indivíduo ou grupo e as relações de interdependência que se estabelecem entre eles em função dos objetivos que perseguem esses atores - nesse caso, jornalistas, dirigentes e militantes sindicais - no contexto da produção e da difusão da informação sindical. Nesse sentido, procuramos - sempre que possível durante a pesquisa de campo - direcionar ao máximo nossa atenção para as práticas em curso nas redações sindicais, o que nos possibilitou confrontar os resultados da observação com os discursos emitidos pelos próprios atores sobre suas práticas (quando das entrevistas que realizamos no âmbito deste trabalho). O material recolhido a partir da observação de campo foi, portanto, enriquecido por uma série de entrevistas não somente com os agentes diretamente envolvidos na produção da informação sindical (jornalistas e dirigentes), mas também com pessoas mais ou menos ligadas a esse universo, graças aos quais obtivemos informações complementares importantes.
Ao total, visitamos 16 redações da imprensa sindical de São Paulo e da região do ABCD paulista e realizamos 69 entrevistas, todas gravadas e com duração de uma hora a uma hora e meia em média - em alguns casos, um pouco mais, quando o interlocutor apresentava uma trajetória particularmente rica em vista dos objetivos de nosso trabalho. Classificamos as pessoas entrevistadas em cinco grupos: (a) os jornalistas da imprensa sindical, que constituem o segmento principal de nosso universo de estudo; (b) os dirigentes sindicais responsáveis pela comunicação em suas respectivas organizações e que, juntamente com os jornalistas, são os principais animadores da imprensa sindical; (c) ex-jornalistas da imprensa sindical atualmente em atividade em outros setores do jornalismo; (d) jornalistas responsáveis pela cobertura dos sindicatos nos grandes jornais da Cidade de São Paulo; e, finalmente, (e) pesquisadores e professores universitários.
O material do qual nos servimos para a redação deste trabalho inclui, ainda, os dados recolhidos no curso de uma pesquisa que realizamos junto à cerca de 20 jornalistas ligados às publicações de algumas das principais confederações e federações sindicais francesas e a uma dezena de profissionais que trabalharam na imprensa sindical e migraram para órgãos da mídia convencional (as entrevistas foram realizadas no âmbito de nosso mestrado). Não tivemos nenhuma pretensão, com esse procedimento, de conduzir um estudo comparativo entre os dois universos (brasileiro e francês), mas simplesmente nos servir das experiências e dos depoimentos dos jornalistas franceses para robustecer, quando pertinente, nossa demonstração. Fortalecemos, assim, a convicção de que, apesar das diferenças de realidade, os jornalistas sindicais, daqui e da França, manifestam preocupações que são comuns ao exercício do jornalismo nesse tipo de mídia e os ambientes de trabalho nos quais atuam revelam semelhanças sob diversos aspectos.
O jornalismo de informação sindical é um processo que coloca em interação essencialmente duas categorias de atores com características distintas e destinados a cooperar em vista de um projeto comum: a fabricação e a difusão da informação sindical. De um lado, os jornalistas, agrupados na redação e sob o comando de um redator-chefe, e, de outro, seus principais interlocutores e parceiros, os dirigentes, representados na estrutura da redação pelo ``diretor de imprensa'', como é designado na terminologia sindical. Dentre os jornalistas, destaca-se o papel do redator-chefe, que pode exercer não somente uma autoridade redacional, mas também uma autoridade política, reconhecida pela redação. O posto de redator-chefe geralmente é ocupado por profissional que usufrui de ampla confiança dos dirigentes sindicais. Mais do que competência técnica, ele precisa dar provas de identificação política com o poder sindical. É difícil imaginar uma organização confiando a direção de seu jornal a alguém em quem ela não confia plenamente no plano político. Com raras exceções, esse é um dado imutável no âmbito das redações sindicais. Ao mesmo tempo em que assegura as tarefas de redação que a função exige, o redator-chefe funciona como correia de transmissão entre a equipe e o poder sindical.
Os dirigentes, por sua vez, constituem-se em atores fundamentais da informação sindical, na medida em que estão na origem dos fatos e dos discursos sindicais, participam diretamente na definição e na elaboração dos produtos informativos do sindicato, influenciam os procedimentos de trabalho da equipe redacional e detêm o poder de decidir, em última instância, o que os jornalistas podem ou não dizer e fazer. Os ``trunfos'' de que dispõem em relação aos jornalistas são a cultura do meio sindical e o conhecimento da realidade das pessoas às quais representam - isto é, os sindicalizados. Isso legitima o sentimento de que estão em melhor posição (que os jornalistas) para saber sobre a vontade dos leitores quanto ao tipo de informação que gostariam de ver veiculada nas publicações de seu sindicato. O ``diretor de imprensa'' representa a direção do sindicato na estrutura redacional e funciona como uma espécie de ``guardião ideológico'' dos interesses da organização, consistindo sua missão fundamental em velar para que os conteúdos redacionais não representem uma ruptura com a linha política do sindicato. O fato de que tenha pouca compreensão da atividade jornalística, como denunciam com freqüência os jornalistas, não o inibe de intervir nos assuntos da redação e de impor-lhe suas escolhas.
Ainda que ligados pelo objetivo comum de assegurar a edição do jornal sindical, jornalistas e dirigentes possuem concepções diferentes quanto à natureza da atividade jornalística e alimentam, assim, expectativas distintas acerca do processo no qual estão inseridos. Resulta um embate quase permanente no interior das redações, cada grupo procurando impor sua visão da informação, tentando influenciar a construção da atualidade sindical. As implicações dessas diferenças no trabalho da redação constituem, portanto, um parâmetro importante a ser levado em conta na análise das relações entre esses dois grupos de atores. As "diferenças de percepção da realidade" (Benabou, 1986) são, de fato, uma das primeiras fontes potenciais de conflitos entre os diversos grupos constitutivos de uma organização.
De um lado, está o profissional da redação, que parte do princípio de que jornal algum (seja ele uma publicação militante) pode fugir da regra que requer, para que ele seja realizado, a matéria-prima, que é a informação. Para o jornalista, isso significa adotar como norma da prática jornalística o respeito absoluto aos fatos e à verdade. O trabalho de coleta e tratamento da informação necessita certas noções e métodos que são inerentes à atividade jornalística: preocupação com a atualidade, importância a ser atribuída ao fato, tratamento o mais objetivo possível da informação, seriedade e honestidade nos procedimentos, etc. Do outro lado, encontra-se o líder sindical, agindo numa lógica fundamentalmente instrumental da informação, esta somente fazendo sentido à medida que for útil ao trabalho de convencimento e mobilização dos sindicalizados. É a idéia da informação e da comunicação como motor da ação sindical. Resulta que um determinado dado ou informação que a redação julgará significativa no plano jornalístico poderá não o ser para os dirigentes. Podemos dizer que o dirigente sindical se coloca na perspectiva de uma função de persuasão ou de propaganda, enquanto o jornalista pretende assumir uma função de caráter informativo. Segundo Francis Balle (et al., 1998), a primeira consiste em uma:
``(...) ação desencadeada deliberadamente tendo por único objetivo fazer pensar, fazer acreditar ou fazer agir um indivíduo ou um grupo de indivíduos em um sentido e com uma intenção determinada; [a segunda remete à missão do jornalismo]``(...) com seus ofícios, suas disciplinas, suas especialidades (...)''; [desse ponto de vista, a informação constitui] ``(...) um conjunto de notícias, de dados, de explicações ou de relatos aos quais foi dado um sentido, através de uma apresentação, de uma colocação em perspectiva, a fim de ser acessível a um determinado público'' .
As redações sindicais dispõem, em geral, de efetivos reduzidos, que encontram grande dificuldade para dar conta da multiplicidade de tarefas do dia-a-dia. É comum, nessas estruturas, a execução de trabalho de natureza jornalística (produção das publicações) ao lado de tarefas relacionadas ao campo da comunicação (assessoria de imprensa). Essa é uma lógica de trabalho bem conhecida dos jornalistas sindicais, impelidos que são a executar, sucessivamente, tarefas de repórter, redator, secretário de redação, até mesmo de fotógrafo e terminar o dia redigindo um comunicado à imprensa. É o profissional ``pau para toda obra'', como gostam alguns de, ironicamente, se auto-proclamarem. Mais seriamente, podemos afirmar que o jornalista sindical é ``polivalente e, por essa condição, assemelha-se muito ao profissional trabalhando para pequenos jornais do interior, onde uma mesma pessoa é obrigada a tratar de temas tão variados, que vão da política à economia, passando pelo social, pelo esporte e, até mesmo, pela crítica literária. Trata-se de uma pluralidade necessária, pois, com seus magros efetivos, é a única maneira de fazer frente à dinâmica da informação e do trabalho jornalístico.
Efetivos reduzidos, multiplicidade de tarefas, pressão do tempo (como em geral acontece na imprensa) acarretam, inevitavelmente, uma sobrecarga de trabalho. Essa situação é compensada, no caso do jornalista sindical, pelo fato de que ele utiliza, basicamente, fontes internas, e boa parte das informações de que precisa chega a ele sem que precise fazer grande esforço para obtê-las. No pior dos casos, bastam alguns telefonemas para que tenha a matéria prima de seu trabalho. Primeiro, os próprios dirigentes e militantes do sindicato são fontes de informação, das quais as redações se servem à exaustão, a ponto de as publicações sindicais, muitas vezes, não passarem de uma restituição fiel dos discursos ou dos comportamentos desses atores. Segundo, toda sorte de documentação que regularmente chega às redações - relatos das atividades do sindicato, relatórios de congressos e encontros, declarações de lideranças, dados estatísticos e outros documentos elaborados pelos diversos serviços técnicos da organização - constitui um vasto manancial de informações, em geral satisfazendo às necessidades das redações sindicais. O método é bastante eficaz e cômodo para o profissional, mas tem seu lado perverso, porque induz o profissional a uma relação de familiaridade perigosa com as fontes de informação - se não de mimetismo, ao menos de uma grande dependência -, expondo-o ao risco de reproduzir constantemente as reações e opiniões dos dirigentes e militantes sindicais, fazendo-as passar por informação. Estabelece-se uma cumplicidade entre ele e a fonte de informação, a que os próprios jornalistas denunciam: ``(...) chega-se a um ponto de não se produzir mais informação e sim autojustificativa permanente das posições do sindicato'' 11.
Regra geral, na imprensa sindical o que conta é a opinião da organização e de seus representantes, por isso não se procuram explorar outras versões dos fatos. O ato de escrever para uma audiência que se revela freqüentemente confidencial, acrescido das pressões constantes que exercem sobre seu trabalho militantes e dirigentes, faz com que o jornalista sindical tenda a perder toda a preocupação de vigilância em relação às informações que divulga. Operações simples e necessárias ao método jornalístico, são, via de regra, desconsideradas: verificar, completar, confrontar diferentes fontes a fim de aproximar o relato jornalístico o máximo possível da realidade dos fatos. ``Um único aspecto da realidade não é a realidade'', observa Marc Paillet (1974: 56). O mesmo autor sugere que todo profissional da informação deve guardar uma atitude crítica a fim de evitar a tentação de ``(...) considerar a versão institucional como verdade evangélica'' (p. 78). Essa ambigüidade na relação com as fontes traz à tona ao menos duas questões cruciais para esse tipo de jornalismo: uma primeira diz respeito ao grau de autonomia editorial das redações sindicais; a segunda tem a ver com a natureza das relações entre dirigentes sindicais, militantes e jornalistas, espécie de tríade sobre a qual repousa a informação sindical.
O hábito do jornalista sindical de usar sistematicamente fontes internas para obter a matéria-prima de que necessita - mais facilmente disponíveis e controláveis - acaba por acomodar seu trabalho numa espécie de ``jornalismo de rotina'', produzido, muito raramente, fora do universo da organização. É um procedimento cômodo para o jornalista, pois a informação chega até ele através das diferentes fontes institucionais, sem que ele tenha que provocá-la, que ``arrancá-la'' de seu informador. O jornalista, nesse caso, é mais interpelado pelos informadores do que ele propriamente interpela. Dirigentes, militantes e assessores sindicais estão sempre disponíveis para fornecer não somente a informação como a opinião sobre este ou aquele tema. Mais do que isso, eles próprios tomam a iniciativa, com freqüência, de sugerir as matérias que a redação deve produzir. Os jornalistas encorajam ainda mais esses vínculos de dependência quando, muitas vezes, solicitam à própria fonte para que leia o texto produzido, a fim de corrigi-lo e/ou ajustá-lo à posição do sindicato. Cria-se a estranha situação em que o jornalista procede à verificação das informações junto a seus próprios informadores. Na verdade, dirigentes e militantes sindicais acabam sendo o único elo (da cadeia informativa) entre as redações e os fatos.
A ``rotinização'' das práticas constitui para os jornalistas um método eficaz de controle do trabalho (Traquina, 2002:118). No jornalismo, ao contrário da idéia que sugere o senso comum, a rotina não tem um sentido pejorativo e consiste num modo de operar necessário ao exercício da profissão. Ela pode ser definida, segundo Jean G. Padioleau (1976: 271-272), como um
``(...) conjunto de práticas de escritura e de formatação de notícias que são executadas sem que sejam requeridas operações inovadoras em relação à prática quotidiana. No jornalismo de rotina, os redatores tomam nota e, após a execução das regras da objetividade jornalística, difundem mensagens produzidas intencionalmente pelas fontes''.
A adesão dos jornalistas a práticas rotineiras inscreve-se em uma perspectiva estratégica e é vista ``(...) não como um problema, mas, ao contrário, como uma solução prática que os jornalistas e as empresas de comunicação aplicam aos problemas originados na produção da informação'' (Charron, 1994: 113). Portanto, se o jornalista se instala voluntariamente na rotina é para melhor executar seu trabalho de observação, coleta e tratamento da informação, diminuindo, assim, as incertezas e os riscos que implicam a atividade jornalística. Trata-se de um recurso importante que ele utiliza para guardar o controle sobre as situações de permuta com as fontes.
No jornalismo de informação sindical, o trabalho redacional é fortemente ``rotinizado'', e é na relação com os informadores que o fenômeno aparece mais nitidamente. Como vimos, as fontes de informação de tipo sindical (diretorias, assessorias, militantes de base) constituem o núcleo informador desse jornalismo, e sua presença na produção da redação é tão marcante que não somente cria uma situação de profunda dependência, mas o próprio trabalho redacional é, muitas vezes, orientado por esses informadores. Mas, se, no jornalismo, a rotina é um modo de operar associado a profissionalismo, conforme descreve Traquina (2002: 118): ``(...) [posse de] conhecimento de formas rotineiras de processar'' o dado jornalístico, no jornalismo de informação sindical, a noção adquire outro sentido e pode ser definida, mais adequadamente, como um conjunto de hábitos na forma de agir e de pensar que obstrui a inovação e a criação no trabalho jornalístico, deixando transparecer o lado apático e indolente do ambiente profissional das redações (os dicionários, por exemplo, definem a idéia de rotina como sendo o ``(...) hábito de fazer as coisas sempre da mesma maneira, maquinal e inconscientemente, pela prática, imitação; desídia, etc.''). Nessa perspectiva, a ``rotinização'' do trabalho nas redações sindicais aparece mais como um problema do que como uma solução de caráter prático/funcional ou de natureza estratégica, tal qual ela foi descrita acima.
Condicionados que estão por essa rotina de trabalho, os jornalistas sindicais em geral têm dificuldade para perceber a mecânica na qual se fecharam. Nada os obriga, por exemplo, a manterem os mesmos métodos de trabalho, a limitarem suas fontes às institucionais, a renunciarem a todo tipo de procedimento, permitindo inovarem e ampliarem seu campo de ação, em suma, a fazerem uso da margem de liberdade que toda estrutura faculta. Criou-se, assim, uma situação paradoxal, em que os próprios jornalistas se comportam como principais críticos dos conteúdos excessivamente ``oficiais'' dessa imprensa (muito ``discurso corporativo e pouca informação'', dizem eles), ao mesmo tempo em que eles próprios engajam as redações nessa prática jornalística e são os principais responsáveis por essa inclinação do jornalismo de informação sindical. Um diretor de imprensa, consciente do problema, abordava a situação nos seguintes termos: ``O que é duro é quando eles [os jornalistas] esperam que você diga o que fazer (...) Têm vezes em que o jornalista se parece mais a um redator oficial que a um verdadeiro profissional, interessado em seu trabalho, com vontade de produzir (...)'' 12 .
Dada a especificidade de suas práticas quotidianas, o jornalismo de informação sindical acomoda-se mal em certos modos de produção, que, no imaginário profissional, representam modelos da excelência jornalística. A maneira de operar da imprensa sindical faz com que sejam raros em suas páginas trabalhos de investigação jornalística, de reportagem, de matérias realizadas com dados apurados no próprio palco dos acontecimentos. O jornalista sindical não se imagina, por exemplo, na origem de uma eventual revelação inédita ou exclusiva (o chamado "furo"), ou como o autor de uma importante denúncia suscetível de ampla repercussão. Esse tipo de oportunidade, ele sabe, se apresenta muito raramente no contexto de suas praticas informativas. Segundo Michel Mathien (1992: 14), fatos jornalísticos como o "furo,,`(...) têm origem fundamentalmente na boa gestão das relações, simbolizada por uma agenda de endereços''. Ora, as relações profissionais do jornalista sindical raramente se prolongam para além dos "muros" do universo sindical. Essa limitação contribui para o ambiente de apatia que se instala nas equipes de redação. Acrescenta-se a isso o fato de que predomina, entre elas, o sentimento de que seu trabalho é pouco valorizado pelos responsáveis sindicais, apesar dos discursos em contrário. Isso pesa decisivamente para que sejam desestimuladas a inovar em suas práticas quotidianas. Desmobilizado e sem motivação, o jornalista pode entrar num ``processo rotineiro, se resumindo à fabricação de coisas a ler, a ver e/ou a ouvir, sem grande preocupação de qualidade'' (p. 261).
Ao longo de nosso trabalho, foi possível observar que o papel da informação e a ``missão'' dos meios de comunicação sindicais são amplamente determinados pelo político, na medida em que o poder sindical subordina esses instrumentos à estratégia sindical (o projeto sindical). Essa lógica impõe um controle mais ou menos rigoroso, por parte das direções sindicais, sobre a produção redacional e sobre os conteúdos editoriais das publicações sindicais. As redações são impelidas a fazer escolhas informativas de acordo com as orientações determinadas pelo poder sindical. Não raramente, decisões redacionais são operadas à total revelia dos jornalistas, cabendo ao dirigente responsável pela imprensa - ou ao próprio presidente da organização - a decisão, em última instância, sobre o que deve, ou não, ser publicado no jornal do sindicato. Colocada sob a vigilância direta da direção sindical, a redação e seus jornalistas deparam-se com um certo número de obstáculos que restringem sua margem de ação e sua capacidade de iniciativa no que concerne tanto às suas escolhas redacionais como a seu modo de operar jornalístico.
A denominação de ``árbitros'' que Marc Paillet (1974: 33) utiliza para designar aqueles que verdadeiramente decidem nas redações (diretores de publicação, redatores-chefes, articulistas bem colocados, editorialistas cotados, etc.) pode, de certa maneira, ser atribuída aos dirigentes que orientam a informação sindical, mesmo que esse paralelo pareça, a priori, um tanto desproporcional. A comparação, no entanto, é apropriada, na medida em que seu sentido é mostrar o poder de decisão dos dirigentes quanto à definição da informação veiculada na mídia sindical. A determinação dos conteúdos informativos, as prioridades editoriais, os pontos de vista, em resumo, todos os elementos que compõem, por assim dizer, uma política editorial são, em boa medida, tributários das decisões desses ``árbitros'', que representam os dirigentes sindicais na realidade quotidiana das redações. Investidos de um poder concreto que lhes confere a posição que ocupam no seio da estrutura, eles correspondem, nesse sentido, ao que Paillet nomina as ``camadas superiores'' de uma estrutura redacional, enquanto os jornalistas (que, segundo sua visão, são simples técnicos) se enquadram, por sua vez, na categoria de ``proletários'', condenados que são a executar o que decidem os primeiros.
Nas relações de poder e contrapoder que se estabelecem no interior das organizações sindicais, as equipes de redação encontram-se em desvantagem (geralmente em situação de grande dependência) em relação aos dirigentes. É difícil, por exemplo, encontrar redação sindical desfrutando de autonomia de trabalho satisfatória. Com a capacidade de decisão e de ação dos jornalistas sindicais diminuídas, os dirigentes dispõem de amplitude de intervenção, o que lhes permite agirem tanto sobre as tarefas preliminares da redação (definição da pauta, indicação das fontes, etc.), como sobre o tratamento da informação. No organograma ``funcional'' apresentado a seguir a título de ilustração, procuramos descrever o modo de funcionamento dos órgãos de imprensa sindicais e passar uma idéia de como se encontra distribuído o poder de decisão no que diz respeito às escolhas redacionais. Vê-se que elas não são um atributo exclusivo das equipes de redação, ou de seu redator-chefe, figura encarnando, ao menos teoricamente, a autoridade máxima no âmbito de uma redação. Reproduzimos abaixo apenas um dos ``esquemas'' funcionais que esboçamos, o da Folha Bancária órgão do Sindicato dos Bancários de São Paulo. Ele pode, no entanto, em suas linhas gerais, ser aplicado a praticamente todas as publicações da imprensa sindical que estudamos13 .
Os dirigentes exercem, como vimos, forte controle sobre o processo de produção da informação sindical, controle que pode tomar formas e intensidades diferentes, segundo o caso, e influenciar tanto as escolhas redacionais como o modo de operar das equipes de redação. Essa ingerência repercute, obviamente, na autonomia da redação, reduzindo consideravelmente sua capacidade de pensar e de executar o trabalho jornalístico. Tanto mais que não existem mecanismos de regulação da atividade redacional. Não quer dizer, no entanto, que os jornalistas sindicais se encontram completamente destituídos de meios para reagir à forte pressão a que são submetidos. A propósito dos mecanismos de constituição das margens de liberrdade na atividade jornalística, Michel Mathien (1992: 225-226) escreve:
``Os constrangimentos da prática quotidiana dos jornalistas e a realidade da auto-censura a qual estão submetidos, mesmo condicionando o ato de informar, não fazem, no entanto, desses profissionais da comunicação seres inteiramente predeterminados em seus feitos e gestos (...) Eles conservam, apesar de tudo, uma margem de manobra, constituindo o que podemos chamar de seu campo de liberdade. [Essa liberdade] ``é exercida em um quadro definido, mas não deixa de propiciar espaços de iniciativas, de criações, de inovações ou de escolhas de oportunidades, permitindo ao indivíduo acrescentar uma parte mais ou menos importante de elementos pessoais no seu trabalho. [Assim, o jornalista]``dispõe de maneiras de escrever compreendidas em uma margem mais ou menos reduzida e delimitada pelo que pode ou não pode ser escrito em função do tema que ele pretende tratar, do que ele sabe, acredita saber e do conjunto de reações negativas potenciais que ele percebe, ou acredita perceber''.
Quais são, portanto, os recursos de que dispõe uma redação sindical para constituir sua margem de manobra ? A prática do jornalismo requer uma competência profissional específica, o que significa dizer que qualquer organização pretendendo ``comunicar'' e dispor de meios próprios para isso (jornal, revista, rádio, boletim eletrônico, etc.) não tem como não recorrer a esse conhecimento técnico profissional. Isso é ainda mais crucial nos dias de hoje com a rápida e contínua evolução das técnicas e dos meios de difusão da informação. A competência jornalística tem como uma de suas propriedades principais o domínio do fator tempo. Escreve Nelson Traquina (2002: 150): ``Ser profissional implica possuir uma capacidade performativa avaliada pela aptidão de dominar o tempo em vez de ser vítima dele''. Essa ``capacidade performativa'' implica, ainda, possuir certos saberes profissionais, tais como ``capacidade de reconhecer quais são os acontecimentos que possuem valor como notícia''; o jornalista mobiliza aqui ``(...) os critérios de noticiabilidade, um conjunto de valores-notícia (...)'' (p. 151). ``A competência noticiosa implica também o conhecimento específico de identificação e verificação dos fatos'' (p. 152). Por fim, a competência jornalística requer ``capacidade de mobilizar a linguagem jornalística'', com as ``suas regras estilísticas (uma sintaxe direta e concisa, as palavras concretas, a voz ativa, a descrição detalhada, a precisão do pormenor)'' (p. 153).
Essa competência profissional constitui-se, portanto, em trunfo das redações, que dela tiram partido para resistir às pressões, estender seu espaço de liberdade jornalística e ampliar o controle sobre a produção da redação. O movimento crescente de profissionalização da informação sindical, a evolução dos meios e das técnicas de imprensa (surgimento de revistas de grande sofisticação editorial, informatização dos sistemas redacionais, criação de paginas na web propondo informações e serviços, produção de boletins eletrônicos, etc.) só fazem aumentar o caráter imprescindível de competências específicas. Casos como os do Jornal dos Sem-Terra, em que se tentou substituir o profissional pela figura do ``correspondente popular'' foram, em geral, mal-sucedidos, apesar do grande esforço de seus dirigentes em promovê-los e do número importante de colaboradores que tais experiências lograram mobilizar. Tinham por motivação a critica à incapacidade dos jornalistas de captarem as verdadeiras necessidades informativas dos leitores. No entanto, a contribuição desses "jornalistas de novo tipo" não chegou a produzir mudanças significativas nas características da publicação, como esperavam seus responsáveis, além de representar um trabalho suplementar considerável à equipe de redatores. Ocorria que os "informes" (geralmente incompletos e com dados que não haviam sido verificados) que enviavam requeriam invariavelmente uma nova redação, provocando incessantes atrasos no fechamento do jornal. Por fim, a competência jornalística acabou sendo reconhecida junto aos dirigentes:
``A gente se deu conta de que, se os camaradas podiam ser bons dirigentes do movimento, eles não entendiam nada do aspecto teórico e sobretudo prático do jornal. Não sabiam redigir um texto, escolher uma foto, escrever um título. Eles se sentiam pouco à vontade na função e acabavam perdendo o interesse. As tarefas, além do mais, lhes tiravam muito tempo" 14.
Por outro lado, se os modos de estruturação e as regras de funcionamento das redações sindicais tendem a obstaculizar a atividade jornalística - em função, fundamentalmente, dos objetivos que impõem os sindicatos à informação e à sua imprensa -, isso, no entanto, não elimina por completo a capacidade de ação dos jornalistas. Na realidade, eles conseguem, a partir de estratégias próprias, construir um certo grau de autonomia e de liberdade, transformando as salas de redação sindicais em espaços onde as práticas jornalísticas permanecem viáveis. E é nessa perspectiva que eles pensam e enquadram suas ações. A ``análise estratégica'' de Crozier e Friedberg (na qual apoiamo-nos) postula, por exemplo, a liberdade relativa dos atores e sua capacidade de se movimentar no interior das estruturas em que atuam, na busca incessante de espaços de liberdade e de autonomia de ação, a fim de atingirem seus objetivos. Para a ``análise estratégica'' (Crozier/Friedberg, 1977: 29-30): ``(...) não existem sistemas sociais inteiramente regulados e controlados (...) Os atores dispõem de uma margem de liberdade que eles utilizam, de maneira estratégica, em suas interações com os outros''.
Encontramos, fundamentalmente, duas situações que se apresentam ao jornalista sindical como possibilidade de ampliar sua margem de manobra no dia-a-dia de uma redação. A primeira tem a ver com a natureza do tema a ser tratado em seu artigo ou reportagem. O fato de escrever sobre assunto considerado prioritário aos olhos da instituição atrairá sobre seu trabalho uma vigilância mais severa por parte dos responsáveis sindicais. Um jornalista incumbido de escrever um artigo sobre uma medida recente importante do governo e que interesse diretamente aos assalariados de sua organização terá oito chances sobre 10 de ver seu texto lido e relido pelos dirigentes e/ou por algum assessor do sindicato especialista na questão, a fim de que sejam feitos os eventuais ajustes necessários ao artigo, segundo orientações previamente determinadas pela organização. Somente após essa operação de revisão (de natureza político-ideológica fundamentalmente), o artigo obterá o aval necessário à sua publicação. Em contrapartida, se o mesmo jornalista sair para fazer a cobertura de uma manifestação cultural (alusiva, por exemplo, às festividades organizadas para comemorar o aniversário da cidade onde está implantado o sindicato), é muito provável que o artigo ou a reportagem não seja submetido a outro que não o redator-chefe do jornal ou, até mesmo, em função das circunstâncias, que o próprio jornalista faça a releitura-revisão do texto antes de encaminhá-lo à montagem final para impressão.
No primeiro caso, é possível que o redator receba, ainda, orientações da direção indicando-lhe, inclusive, quem entrevistar, que ângulo adotar na matéria, etc. Num excesso de preocupação em fazer o texto colar o máximo possível às posições defendidas pela organização (o que é corrente no jornalismo sindical), é possível que o autor seja levado a solicitar uma revisão do escrito junto à própria pessoa que lhe serviu de fonte de informação (dirigente, militante da base, delegado sindical, assessor, etc.). Disso resulta, evidentemente, uma diminuição considerável de sua autonomia profissional. Já no segundo caso, o redator gozará de uma amplitude de ação claramente superior.
A segunda situação em que a redação pode usufruir maior liberdade de ação tem origem no abrandamento suscetível da vigilância que exerce o sindicato sobre o trabalho dos jornalistas. É a ocasião em que a redação pode se (re) apropriar do controle sobre sua produção. Isso acontece, em geral, quando o ``diretor de imprensa'', ocupado por suas numerosas obrigações (reuniões de trabalho, manifestações, audiências, viagens, etc.), não encontra tempo para acompanhar a rotina de trabalho da redação e, assim, para participar do processo de fabricação do jornal. Ausente, ele não pode ``vigiar'' o trabalho dos jornalistas, como determina sua função. Trata-se de uma ``disfunção'' interna que propicia um ganho real de autonomia à equipe de redação. Sobre esse ponto, escreve Michel Mathien (1992: 260):
``Na dinâmica relacional interna e própria a seu grupo, o jornalista dispõe de um poder de reação, independentemente de qualquer consideração ética profissional. Como todo assalariado no seio de uma empresa, ele pode exercer um `contra-poder' em casos de anomalia de funcionamento ou de desconsideração de sua função (...)''.
A primeira dessas situações nos permite abrir aqui um parêntese para comentar rapidamente um estudo estatístico que realizamos sobre os conteúdos da imprensa sindical (que utilizamos num dos capítulos da tese) e que teve por finalidade tentar desvelar o tipo de mensagem que essa imprensa esta empenhada em difundir. A motivação principal foi, justamente, a argumentação utilizada em abundância pelos jornalistas de que teriam mais liberdade para tratar certos temas do que outros e de que essa situação se reproduziria de maneira muito clara nas orientações editoriais dos principais veículos sindicais, que são o jornal e a revista (esta última somente alguns grandes sindicatos possuem). Visto geralmente como ``órgão oficial'', ``porta-voz'' da organização e destinado, prioritariamente, às massas trabalhadoras, o jornal tem papel estratégico no sistema de informação sindical, pois é através dele que se exprimem as posições oficiais sobre as questões relevantes da atualidade. Por isso, traz, geralmente, uma pauta em que predominam as preocupações e as demandas das direções sindicais. A revista, ao contrário, tem estrutura e orientação redacional diferentes, visa a audiências que vão além das fronteiras corporativas, trata de uma diversidade maior de temas, concede espaço a artigos, reportagens e análises sem relação alguma com o sindicalismo, o que resulta em maior margem de liberdade à equipe na definição dos conteúdos e das orientações editoriais.
Partindo desse pressuposto, procuramos medir, em cada uma dessas duas categorias de publicações, qual é o lugar e o peso da informação propriamente dita em relação a todo outro tipo de mensagem que se presta a traduzir interesses sindicais (como, por exemplo, expressar as posições da organização, explicitar suas reivindicações, vulgarizar suas formulações doutrinárias, etc.).
Nesse ponto residiu nosso principal parâmetro de análise no estudo de conteúdo. Reunimos, assim, em uma categoria que chamamos de ``informações gerais''todas as mensagens de caráter informativo tendo relação mais ou menos direta com a atualidade, numa preocupação de separá-las, da forma mais clara possível, daquelas correlacionadas à temática propriamente sindical, operação que se revelou difícil, pois, na ótica sindical, essa separação não aparece, jamais, de forma clara. Em um artigo tratando do problema econômico do país, por exemplo, dados de natureza informativa podem estar perfeitamente mesclados, na descrição narrativa, com posições, opiniões e reivindicações da organização. Nesse sentido, esforçamo-nos, tanto quanto possível, para isolar as categorias de mensagens e poder desvelar a parte que cabe à informação na imprensa sindical. A amostra foi composta por 41 exemplares, entre jornais e revistas de periodicidades diferentes (diários, semanários e mensais) que circulavam no período em que foi realizada a pesquisa de campo.
Os resultados possibilitam várias leituras. Infelizmente, o espaço de que dispomos neste texto não permite uma ampla abordagem. Alguns dados são evidentes (Tabela 1); salta aos olhos, por exemplo, a diferença existente entre jornais e revistas no que diz respeito à categoria ``informações gerais'' (que agrupam, segundo a metodologia aplicada, os textos jornalísticos de natureza informativa). Enquanto os primeiros dedicam menos de 30% de seu espaço a esse tipo de mensagem, os segundos reservam mais de 40%. E, se retivermos aqui apenas a superfície escrita (ou seja, aproximadamente 75%, em média, do espaço físico das publicações), podemos afirmar que mais da metade do conteúdo das revistas concernem a ``informações gerais''. Uma outra grande diferença que distingue essas duas categorias de publicações remete à temática ``reivindicações''. Enquanto os jornais destinam 18% do espaço aos temas relacionados ao universo de preocupações corporativas (emprego, salário, condições de trabalho), nas revistas, ele não passa dos 8%. É a seção, aliás, menos representada neste último tipo de publicação, ficando muito atrás da de ``vida da organização'' (temas de natureza institucional, encontros, funcionamento interno, etc.) e da de ``informações gerais''.
Os resultados a que chegamos corroboram os discursos ouvidos nas redações: para os jornalistas, as revistas apresentam, de fato, uma diversidade maior de temas e concedem boa parte de seu espaço a artigos e reportagens sem relação com o sindicalismo, o que proporciona, do ponto de vista jornalístico, maior liberdade para definir pauta e orientações editoriais. Já os jornais, pela missão que a eles é atribuída, deixam transparecer claramente suas intenções corporativas. Essa diferença pesa enormemente na preferência dos profissionais por uma ou outra categoria de publicação. São vários os depoimentos recolhidos (na pesquisa) que atestam a atração maior que exercem as revistas, sobretudo entre os profissionais manifestando grau maior de preocupação com a autonomia profissional.
Categorias de mensagens | Média nos jornais (%) | Média nas revistas (%) |
---|---|---|
Informações gerais | 29,53 | 43,31 |
Política | 13,60 | 16,21 |
Economia | 9,71 | 3,67 |
Cultura | 0,73 | 7,18 |
Diversos | 4,80 | 16,26 |
Vida da organização | 23,83 | 21,90 |
Institucional | 8,67 | 10,48 |
Encontros | 2,49 | 1,52 |
Funcionamento interno | 3,05 | 0,34 |
Denúncias | 2,23 | 2,98 |
Vida associativa | 3,22 | 2,60 |
Cultura | 2,10 | 4,01 |
Reivindicações | 17,58 | 7,96 |
Emprego | 1,63 | 1,34 |
Salários | 12,65 | 5,27 |
Condições de trabalho | 4,70 | 1,35 |
Ilustrações | 1,37 | 3,34 |
Publicidade, pequenos anúncios | 8,91 | 9,47 |
Superfície não impressa | 18,78 | 14,02 |
TOTAL | 100,00 | 100,00 |
O jornalista sindical opera, de fato, em uma zona nebulosa, que se situa entre a concepção dominante da informação e das práticas profissionais vigentes na imprensa convencional e a concepção ``particular'' da informação e do jornalismo próprias do universo da imprensa dita ``engajada'', como é o caso das publicações sindicais. Ao mesmo tempo em que sofre as influências dos valores profissionais dominantes, do ponto de vista tanto técnico como deontológico (através da formação em uma escola de comunicação e, no caso de alguns, da experiência passada na grande imprensa), o jornalista sindical esbarra em dificuldades próprias ao seu universo. Resulta que está continuamente se defrontando com as contradições existentes entre suas práticas específicas e aquelas legitimadas pelo meio profissional jornalístico. Essa posição-limite do jornalista sindical entre um universo de contornos mais ou menos definidos (com suas normas técnicas e um corpo de princípios profissionais consolidados), do qual ele sofre forte ``pressão'', e um outro no qual está inserido - cuja característica principal é a ausência de referências que lhe permitam assentar sua prática -, o coloca em situação de profunda ambigüidade.
A ausência de um corpo mínimo de princípios éticos e normas técnicas adaptadas às condições específicas nas quais ele exerce seu métier faz com que, se, por um lado, reivindique para si uma ``prática universal'', por outro, a maneira pela qual é levado concretamente a exercer a profissão está longe de corresponder à representação que faz da prática jornalística ``ideal''. De outro modo, se pretende aderir à prática dominante, terá que adotar pontos de referência profissional que lhe serão de utilidade duvidosa, visto que pouco se adaptam às particularidades que marcam seu ambiente de trabalho. Essa é, portanto, a situação do jornalista sindical: privado da legitimidade que somente é conferida àqueles cujas práticas se inscrevem nos preceitos do modelo dominante de jornalismo, encontra-se, por assim dizer, diante de um ``vazio''. Isso acontece em razão dessa dificuldade de encontrar em seu próprio campo de atuação profissional referências que lhe permitam preencher esse ``vazio'', servindo-lhe de base sobre a qual assente suas ações, defenda um tipo particular de prática jornalística e construa, em conseqüência, uma legitimidade profissional.
Essa legitimidade implica a tentativa de reabilitação da atividade jornalística nas redações sindicais. E essa reabilitação passa, necessariamente, pela regulamentação do setor de imprensa no interior das organizações, abrigando as ações da redação sob um instrumento que as legitime frente aos que decidem nas instâncias sindicais. Isso proporcionaria condições e relações de trabalho mais estáveis à equipe de redação e tornaria mais claras as condições de produção da informação sindical. Um tal mecanismo deve levar em consideração as condições de trabalho específicas das redações sindicais e iniciar por uma ampla reflexão autocrítica das práticas vigentes, envolvendo os principais interessados (jornalistas e dirigentes sindicais), a fim de balizar princípios e regras de funcionamento, direitos e responsabilidades de uns e de outros. Um tal instrumento teria por finalidade maior garantir condições adequadas de trabalho à equipe de redação, regular a atividade jornalística nesses espaços e as relações entre jornalistas e direção do sindicato. Os códigos de ética da profissão poderiam servir como importante fonte de referência nesse processo, desde que sejam utilizados com reservas, pois suas orientações dão conta da realidade do jornalismo no ambiente das redações convencionais, distante do contexto particular do jornalismo de informação sindical. As orientações resultantes desse processo poderiam materializar-se numa espécie de "estatuto dos jornalistas e dos colaboradores'' da imprensa sindical 15 .
As redações têm consciência das conseqüências que acarreta a ausência de um instrumento definindo sua posição no interior da organização. Elas sabem que tal situação tende a estimular o poder sindical a continuar intervindo na atividade jornalística ; elas sabem, sobretudo, que a falta de clareza nas suas funções e nas suas relações com a instituição desfavorece a legitimidade que aspiram obter. Por sua condição militante - traço marcante, ao longo do tempo, da identidade desse grupo profissional -, o jornalista sindical é levado a renunciar, quase permanentemente, aos princípios éticos da profissão. A "cultura militante", a qual banha o meio sindical, impregna suas práticas, impondo-se ao jornalista mais fortemente que a deontologia profissional. Por isso, num conflito entre os interesses da organização sindical e a ética profissional jornalística, não resta dúvida de que o vencedor será sempre a primeira. A deontologia, observa Daniel Cornu (1994: 431) é o que incita o jornalista a:
``(...) defender sua própria liberdade de informação, de comentário e de crítica, a se proteger das pressões, a não aceitar nenhuma ordem direta e indireta que faria dele um publicitário ou um propagandista e que o exporia à tentação militante, pela passagem do papel de observador ao de ator''.
Em suma, ela age no sentido da afirmação da independência do profissional, protegendo-o das ``tutelas do pensamento'' (p. 432). Evidentemente, será difícil para um jornalista atuando no meio sindical, haja vista as suas características particulares, construir uma independência profissional que possa ser a expressão desse ideal que descreve Daniel Cornu. No entanto, é possível para ele definir seu campo de ação, conferindo-lhe um mínimo de autonomia, que o colocará ao abrigo das fortes pressões (do poder sindical e de seus militantes), permitindo-lhe estabelecer e preservar as condições mínimas de exercício de suas funções. Ele estará, assim, em condições de premunir a informação contra os desvios a que é freqüentemente submetida nesse meio. No entanto, constata-se um certo ``descaso'' dos jornalistas quanto a esse tipo de preocupação, simbolizado na recusa das redações de colocar o problema, de estimular uma reflexão e de tomar iniciativas nesse sentido.
A informação sindical tem sua própria especificidade, segue sua própria lógica, mobiliza meios que lhe são particulares e inscreve suas práticas em um amplo universo composto de experiências jornalísticas que se desenvolvem continuamente, que sofrem - bem ou mal - as mutações do tempo e se apresentam ao futuro como espaços alternativos possíveis. Trata-se, portanto, não somente da expressão de uma ``outra'' informação, de idéias, debates, conflitualidades, mas, ainda, de uma oportunidade real de trabalho a importantes efetivos da profissão, cada vez mais excluídos do mercado convencional do jornalismo em função da difícil situação de emprego no setor. Por outro lado, a imprensa sindical já demonstrou que possui potencial para ampliar seu horizonte de ação, embora a comunicação com os sindicalizados consista em sua primeira e fundamental missão. Ela pode representar, por exemplo, um papel importante na institucionalização de uma ``contra-informação'' nas disputas políticas e sociais que se travam no âmbito da sociedade, contrapondo-se ao espaço mediático dominante, contestando as versões e os pontos de vista oficiais, fazendo emergir uma informação sob perspectiva diferente daquela privilegiada pelas outras categorias de mídia.
Nessa perspectiva, a imprensa sindical poderá apresentar-se como representante legítima de um campo constituído de meios socialmente engajados e assegurar seu lugar num espaço jornalístico, instituindo-se enquanto alternativa ao campo mediático dominante. Todavia, para atingir tal estágio, precisa agir de forma resoluta no sentido de construir e de afirmar sua credibilidade, sem a qual a ampliação de sua missão estará irremediavelmente comprometida. O jornalismo sindical será pouco eficaz na instauração de uma contra-informação - que possa ser útil a um universo amplificado de leitores - se não mudar de registro e não abandonar em definitivo a idéia de informação a serviço de justificações de ordem política e ideológica. Nessas condições, o jornalismo perde inevitavelmente suas referências. Nas palavras de Adelmo Genro (1989 : 46), acaba desarmando-se ``(...) de sua eficácia específica e, quase sempre, tornando-se intolerável para os leitores, sejam quais forem''. Cabe ao profissional uma parcela importante de responsabilidade nesse processo de reabilitação da imprensa sindical, direcionando todos os seus esforços no sentido de reconstruir suas práticas no interior das redações e de assegurar uma autonomia de trabalho.