GLOBALIZAÇÃO E IDENTIDADE CULTURAL
o impacto da televisão numa comunidade
rural paraibana (Nordeste do Brasil)
Osvaldo Meira Trigueiro, Universidade Federal da
Paraíba
E-mail: osvaldo@openline.com.br
Este é um estudo de recepção televisiva em uma pequena
cidade do interior do Estado da Paraíba no Nordeste do Brasil.
São José de Espinharas é um município
localizado no sertão da Paraíba, no semi-árido, distante 325 km de João Pessoa,
a capital do estado e 28 km de Patos, município que polariza a Microrregião das
Espinharas. É um município de forte influência agrícola e constantemente
sujeito a grandes secas.
Em 1987, o município tinha uma população
de 8.446 habitantes, sendo 584 na área urbana, correspondente a 6,30% da
população e 7.917 habitantes na área rural, o equivalente a 93,70% da
população. (IBGE-Censo Demográfico/1980). Em 1998 a população de São José de
Espinharas chegava a 5.198 habitantes, 3.773 na área rural, correspondendo a
72,6% e 1.425 na área urbana o equivalente a 27,4%. Nos últimos anos houve uma
diminuição populacional no município, fato que vem ocorrendo em toda região
atingida pela seca, deslocando a população rural para outras regiões a procura
de uma melhor qualidade de vida. Esta migração - a grande maioria - continua
sendo para a região Sudeste principalmente para o Estado de São Paulo. O IBGE
estima que cerca de 140 mil paraibanos deixaram o Estado na seca de 1998.
O estudo em São
José de Espinharas busca demonstrar como são realizadas as mediações que
influenciam na recepção dos telespectadores. Com os avanços tecnológicos os
habitantes estão passando do processo de transmissão oral para o audiovisual
sem dominar a leitura escrita.
A mensagem para chegar onde deve
chegar passa por várias mediações, portanto é fortemente influenciada pelos
valores existentes no contexto sociocultural, econômico, político e religioso
do grupo observado.
Com os dados coletados a partir das observações
etnográficas em viagens nas diferentes regiões do Estado da Paraíba, não
restavam mais dúvidas de que seria importante formular e desenvolver um estudo
sistemático com o objetivo de estudar a recepção televisiva na população rural.
Nos últimos anos,
a televisão vem ganhando espaços significativos nas áreas rurais. Sua
penetração nos mais longínquos locais da região nordestina – onde as
comunidades vivem das experiências dos seus antepassados, dos costumes e das
tradições bem marcantes nas práticas culturais, leva essas comunidades a conviver
com valores culturais de outra sociedade veiculados pelos mass mídia.
Assim como o
rádio, nos anos 50, a televisão também está se tornando um importante veículo
de informação coletiva ao alcance das populações rurais e das pequenas cidades
do interior do Nordeste. A televisão já
faz parte do cotidiano dos brasileiros é o mais importante meios de
comunicação em termo de quantidade por domicilio só fica atrás do fogão e do
rádio.
II
- OS ESTUDOS DE RECEPÇÃO NA AMÉRICA LATINA
As pesquisas na América Latina,
nos anos 90 voltam-se para os estudos da recepção, globalização e identidade
cultural.
Com a chegada do final do
século são profundas as mudanças na produção e circulação da informação. O
mundo atual não tem mais espaços para formulações teóricas lineares e
hegemônicas. É um mundo de pluralidade histórica, política, social e cultural.
Estamos vivendo uma nova
referência de mundo. Um mundo
globalizado onde o volume e a velocidade da informação circulam quase
instantaneamente, acelerando o processo histórico em que as noções de tempo e
espaço adquirem novos significados.
O
volume e a velocidade das informações em circulação afeta decisivamente o
universo cultural da humanidade, produzindo mutações no comportamento dos
indivíduos e das comunidades. Todos se perguntam como sobreviver num panorama
tão caótico e ao mesmo tempo tão excitante.[1]
É neste
cenário que os estudos de comunicação na América Latina têm se desenvolvido na
busca de uma nova compreensão do papel do receptor que passa a ser sujeito no
processo de comunicação, agindo como ator social. É nessa década que ocorrem
mudanças nos estudos em relação aos modelos tradicionais de comunicação,
principalmente nos fundamentos teóricos das Escolas Funcionalistas e de
Frankfurt. Rompendo com as correntes de pensamentos polarizadas na academia
entre a esquerda e a direita, não aceitando mais o receptor como uma mera etapa
do processo comunicacional. Era fundamental compreender o processo de
comunicação por completo, uma visão holística e não uma concepção fragmentada
em etapas. No modelo condutista não existe verdadeiramente a participação dos
atores, consequentemente não ocorrem trocas de conhecimentos. Barbero afirma
que:
Parto
do princípio de que a recepção não é somente uma etapa no interior do processo
de comunicação, um momento separável, em termos de disciplina, de metodologia,
mas uma espécie de um outro lugar, o de rever e repensar o processo inteiro das
comunicação. Isto significa uma pesquisa de recepção que leve à explosão do
modelo mecânico, que, apesar da era eletrônica, continua sendo o modelo
hegemônico dos estudos de comunicação.[2]
O receptor deixa de ser um
pobre coitado recebedor de informação de uma determinada fonte e que
passivamente a recebe e codifica conforme o desejo do emissor. O processo de
recepção é uma troca constante de negociações. No processo comunicacional não
existe um tempo histórico hegemônico e nem espaços uniformes. Muito pelo
contrário, existe multiplicidade histórica e de temporalidade.
A pesquisa de recepção deve
ser realizada observando os vários fatores, culturais,
sociais, pessoais e psicológicos existentes no processa da audiência, que está sistematicamente conectado no
sistema social global.[3]
Com as novas tecnológicas os grupos sociais independentes das suas localidades
estão interligados ao mundo globalizado. Mas, não podemos esquecer das
interligações regionais e locais bem características das comunidades rurais do
Nordeste brasileiro. Não podemos desconhecer as culturais e os sistemas
econômicos locais, é conhecendo as particularidades que vamos entender a
influência do global nas culturais e na sociedade regional e local.
O esquema abaixo servirá
como orientação para o desenvolvimento e observação da recepção na comunidade
de São José de Espinharas:
Fatores culturais
|
Fatores sociais
|
Fatores Pessoais
|
Fatores Psicológicos
|
|
Cultura dos mídias
|
Grupos de referência
|
Idade e estágio de ciclo de vida
|
Motivação
|
|
|
Família
|
Ocupação
|
Percepção
|
Receptor
|
|
Funções e hierarquias sociais
|
Condições econômicas
|
Aprendizagem
|
|
|
|
estilo de vida
|
Crenças e atitudes
|
|
|
|
Personalidade e auto conceito
|
|
|
sistema social global
A recepção de uma mensagem passa necessariamente por várias mediações que são influenciadas por diversos fatores. Definir mediação aplicada nos estudos de recepção ainda não é uma tarefa fácil. No dicionário de Aurélio vamos encontrar como:
Ato ou efeito de medir. Intervenção, intercessão,
intermédio. Intervenção com que se busca produzir um acordo. Processo pacifico
de acerto de conflito internacionais, no qual (ao contrário do que se dá na
arbitragem) a solução é sugerida e não imposta às partes interessadas.
A definição acima parece que atende em parte os interesses pelos quais se pretende definir mediação na recepção da mensagem, principalmente dos meios de comunicação de massa. Em comunicação a mediação é a relação estabelecida entre uma pessoa com várias outras ou entre várias pessoas ao mesmo tempo, isto quando a comunicação é interpessoal, ou ainda as relações entre um veículo de massa. Ao analisar as relações sociais nas obras de arte Raymond Williams chama atenção para o fato de que as obras de arte incorporam material social, preexistem e modificam ou substituem pela idéia de mediação. As relações cotidianas do artista com o seu meio ambiente vão influenciar na composição da sua obra de arte. Nesta mesma perspectiva podemos afirmar que na recepção das imagens midiáticas o processo comunicacional dependerá da sua ecologia, nas relações cotidianas dos atores do processo de comunicação.
O olhar para uma obra de arte,
a leitura de um livro podem ser vistos e lidos de várias maneiras, um programa
de televisão ou um filme também podem ser assistidos diferentemente por vários
telespectadores, e assim por diante .
É
importante ressaltar que na recepção são estabelecidas relações sociais,
culturais, análise de conteúdos, formas de produção, veiculação e circulação da
mensagem. O estudo de recepção não está desvinculado do campo da produção, como
ela é organizada, programada, do domínio ideológico, político e cultural da
mídia, que está concentrada nas mãos de uns poucos empresários e políticos, no
caso brasileiro. São fatores que devem ser levados em consideração nas
pesquisas de recepção. Para Fausto Neto, a preocupação mais recente do estudo
sobre o campo de recepção é devido ao esgotamento dos modelos positivistas.
A
ênfase dada à questão do receptor passa, por exemplo, pelo estatuto de sua
cidadania e ao mesmo tempo, pela especificidade da sua condição de agente ativo
no circuito sociocultural como instância produtora de mensagem.[4]
No processo de comunicação
dois campos se intermeiam. Os campos do emissor e receptor estão
inter-relacionados, envolvidos nos mesmos protocolos de intenções, portanto não
existindo hegemonia de um sobre o outro.
A globalização é um fenômeno
irreversível, a sociedade tem que encontrar o caminho certo da convivência com
a nova realidade que se aproxima.
Sem dúvida, o século XX ficará
marcado na agenda histórica como a época das grandes transformações
geopolíticas, sócioeconômicas, tecnológicas, da globalização da comunicação, da
informática e das culturas.
O economista Celso Furtado ao
comentar o processo histórico e econômico do mundo moderno neste final de
século diz que:
Neste fim de século prevalece a tese de
que o processo de globalização dos mercados há de se impor no mundo todo
independentemente da política que este ou aquele país venha a seguir. Trata-se
de um imperativo tecnológico, semelhante ao que comandou o processo de industrialização
que moldou a sociedade moderna nos dois últimos séculos.[5]
Celso Furtado, chama também
à atenção para o fato de que a globalização tem aspectos negativos
principalmente com relação a “vulnerabilidade
externa e a agravação da exclusão social”.
Para
compreender a influência que os MCM têm sobre os produtores da cultura popular
e do folclore, é necessário, em primeiro lugar, conhecer o processo de recepção
dos telespectadores que moram nas áreas rurais, nas periferias dos grandes
centros urbanos e nas cidades do interior do Brasil, na Região do Nordeste e em
especial no Estado da Paraíba. É necessário que se pesquise para conhecer
melhor o perfil cultural existente em cada região e que se possa compreender
essa coexistência entre as culturas tradicionais e culturas modernas.
Observando as tradicionais feiras e o comércio tão caraterístico localizado nas
cidades do interior nordestino, passamos a compreender que o moderno e o
tradicional ocupam os seus espaços um dando lugar ao outro. É a convivência das
pizzarias com o rei da Carne de Sol, dos raizeiros e curandeiros com a
medicina, dos remédios caseiros e os das farmácias.
Pelos quatro cantos do mundo os maiores
índices de audiência são conseguidos por novelas inspiradas em lendas
folclóricas que personificam nossas disputas históricas, heróis e vilões e,
geralmente, com finais felizes.[6]
Voltamos
a São José de Espinharas dez anos depois para observar como as relações sociais
estão se desenvolvendo, quando uma série de modificações já estabelecidas pela
modernidade se incorporaram à tradição cultural através da mídia. Nessa
perspectiva, pretende-se desenvolver o estudo com o objetivo de analisar os
sistemas de relações socioculturais, não só comparativos mas, sobretudo,
interpretativos, como fator básico para o descobrimento, ou reconhecimento do
novo cenário e os papéis dos seus atores nesse "novo contexto
sociocultural". A compreensão dos processos de comunicação da própria
comunidade e seus intercâmbios com os sistemas de comunicação de massa, especificamente
a televisão, passou a ser o nosso objeto de estudo.
III OBJETIVOS
GERAL:
Compreender os processos de recepção das mensagens televisivas, numa
perspectiva sociológica que possibilite a construção da narrativa televisiva
nos vários contextos culturais da comunidade de São José de Espinharas e seus
diversos aspectos de apropriação por parte do campo da recepção, como uma via
de acesso estratégico para compressão do processo de comunicação como um todo.
ESPECÍFICOS:
- observar o tipo de público que assiste televisão a partir de suas
características sociais (idade e estágio de ciclo de vida, instrução, ocupação,
sexo, profissão, situação econômica, motivação);
- verificar as relações entre as características sociais da cultura de
massa e da cultura popular/folk a nível dos campos de emissão/recepção – folk midiáticas e mass midiáticas
- observar o nível de interesse do campo de recepção (audiência de
característica sociocultural rural ou não) pelas temáticas agendadas pela
televisão;
- observar as influências internas e externas que estruturam o processo
de relação televisão-recepção e o comportamento cotidiano dos atores sociais no
seu contexto sociocultural - múltiplas
mediações.
IV - METODOLOGIA
A conjunção dos métodos quantitativo e
qualitativo permite ampliar o campo de observação e de coleta de dados. O
importante é conhecer/conhecendo, entender com profundidade as ocorrências por
que passam os grupos de audiência televisiva.
A pesquisa qualitativa é mais demorada e
exige do investigador uma permanência maior na área de observação para que se
estabeleçam relações de confiabilidade entre o objeto de estudo e o sujeito da
pesquisa. Consequentemente, há um melhor entendimento dos códigos diferenciados
existentes em qualquer processo de pesquisa onde estão envolvidas pessoas das
mais diferentes categorias sociais, intelectuais e culturais. É principalmente
por esses motivos que o estudo de recepção deve estar associado ao contexto
sociocultural do receptor sujeito.
São evidentes as mudanças na sociedade
contemporânea, visto que o conhecimento também chega aos que não freqüentam a
escola e a oralidade continua sendo fundamental meio de comunicação. Como a
sabedoria popular, os novos conhecimentos chegam nesses grupos através da mídia, especialmente o rádio e a
televisão.
Na pesquisa quantitativa serão coletados
dados mensuráveis pela estatística, através de questionários e entrevistas. Na
pesquisa qualitativa a observação será através da participante em vários
momentos das atividades culturais, religiosas e sociais. É fundamental que o
estudo de recepção leve em conta a vida cotidiana, a história social e cultural
do universo investigado, conhecer o lado lúdico, triste, afetivo, as relações
mais amplas que integram os novos espaços da memória cultural e biológica que
construirão os seus conhecimentos atualizados. A interação com o grupo
observado, é uma das estratégia para entender a demanda de produção e
reapropriação de bens simbólicos ofertados pela mídia.
As mensagens difundidas pelos mídias, no caso específico a televisão,
estão carregadas de padrões conformistas e até reacionários, contribuindo para
determinado imobilismo. Porém, estão cheias de valores inovadores e reformistas
que chegam ao ponto de serem criticados pela audiência.[7]
A televisão não deve ser
responsabilizada por tudo que é negativo na nossa sociedade. Também não se deve
chegar ao exagero de afirmar que é um importante e único meio de transformação
da sociedade.
É de fundamental importância estudar a audiência da televisão no
Brasil, principalmente os telejornais e as telenovelas que alcançam a média
diária de 50 milhões de telespectadores. Para investigar a recepção em São José
de Espinhas, em duas épocas diferentes, tomamos como parâmetro pessoas que
assistem televisão em um receptor instalado na principal praça pública da
cidade. A primeira etapa foi de 1984 a 1987, para elaboração da dissertação de
mestrado. A segunda - em desenvolvimento - teve início em abril de 1998.
As narrativas televisivas estão presentes no cotidiano da
comunidade de São José de Espinharas, têm grandes audiências fazem sucesso por
que contribuem na construção do conhecimento do senso comum atualizado.
A necessidade de estudar a recepção de uma determinada audiência
televisiva, nos levou a optar pela metodologia comparativa, observações
etnográficas e participantes.
Metodologicamente tomaremos como referência o modelo de múltiplas
mediações.[8]
A mediações individuais: são
provenientes das nossas referências culturais e comunicativas; mediações institucionais: são as que
ocorrem nas organizações como família, trabalho, participação política,
religião, os ritos de passagens; mediações
de referência: faixa etária, gênero, ecologia, faixa sócio-econômica; mediações situacionais, vinculada
diretamente a situação da recepção. A situação de assistir um programa de
televisão em casa na sala de visitas é bem diferente de estarmos assistindo
televisão no receptor instalado na praça pública de São José de Espinharas.
Esta categoria de mediação foi bastante significativa para a pesquisa
qualitativa, já que uma das características das pessoas da cidade de São José
de Espinharas, é assistir em casa a programação televisiva, principalmente as
telenovelas, e em outras situações na praça pública. Um fato novo de repercussão
nacional, um grande clássico de futebol, as últimas semanas de uma telenovela
são motivos para aumentar a audiência na televisão da praça da cidade.
Também empregaremos o método de análise estruturalista proposto
por Propp[9]
nos estudos dos contos e lendas folclóricas e as interpretações da narrativa
mítica – linguagem narrativa das imagens
em movimento – proposto por Silverstone.[10]
Silverstone define três níveis de narrativas televisivas: a) o conteúdo temático extraído da vida
cotidiana; b) uma ordem cronológica, com suspense, de eventos que movimentam as
ações num período de tempo que chegaram a soluções satisfatórias dos problemas;
c) a lógica cultural do triunfo do bem sobre o mal criado ao
longo dos anos nas construções históricas e dos simbolismos representativos do
saber popular vivenciados e que encantam o grande público.
A televisão em São José de Espinharas, como na maioria das demais
localidades, é também um meio de comunicação doméstico importante que é
assistido em casa em família ou com os vizinhos e amigos, se discute em casa, é
ignorado em casa e em determinadas circunstâncias é assistida e discutida
publicamente.
IV – JUSTIVICATIVA - VALE APENA VER DE
NOVO
Em 1987 São José
de Espinharas tinha apenas 9,1% da população com aparelho de televisão – a
maior parte em preto e branco. Agora em 1998, 71,8% dos habitantes têm TV a
cores.
As facilidades de
comercialização de televisores e a boa qualidade do sinal retransmitido por
repetidoras locais e antenas parabólicas têm contribuído muito para a sua
popularização nessas localidades. Tudo isso faz com que a televisão deixe de
ser privilégio das sociedades de centros urbanos avançados e, a exemplo do
rádio, passe a ser adquirida em maior quantidade pelas populações das
periferias urbanas e das áreas rurais.
Quando a
pesquisa foi iniciada no final de 1985, visando elaborar a dissertação de
mestrado em Comunicação Rural pela Universidade Federal Rural de Pernambuco, o
Nordeste passava por mais um período prolongado de seca, que atingia uma área
calculada em 1.439.418 km²,
correspondente a 85,69% do seu território.
Em 1998/99, o
Nordeste brasileiro sofre, novamente, uma das piores secas dos últimos anos e
1.385 municípios estão em situação crítica. Com o objetivo de matar a fome dos
sertanejos o Governo continua tomando medidas apenas assistencialistas,
distribuindo cestas básicas cuja estimativa em 1998 alcançou cerca de 11
milhões de pessoas.
Uma das áreas
mais atingidas pela seca no Estado da Paraíba é o sertão, região onde está
localizado o município de São José de Espinharas. Dos 223 municípios paraibanos
127 estão em situação crítica, conforme dados da SUDENE - Superintendência de
Desenvolvimento do Nordeste.
O nordestino
convive com esse mal crônico há pelo menos três séculos. A frágil estrutura
social e econômica do semi-árido torna-se ainda mais debilitada no período da
estiagem. Vem o desemprego, a fome e, consequentemente, o êxodo para outras
regiões do país em busca de melhores condições de sobrevivência.
No
relatório do projeto "Nordestinos: conviver com a seca", que teve o
apoio da Rede Globo, é feita a seguinte observação:
O padrão de organização social do semi-árido
reproduz, de maneira impiedosa, malha de relações sociais do Nordeste, onde uma
pequena minoria domina as atividades econômicas, políticas, sociais e
culturais, e uma grande maioria encontra-se destituída de qualquer poder e de
qualquer bem.[11]
O
governo, tentando minimizar tal situação, cria as frentes de trabalho, evitando
maiores tensões sociais sem, no entanto, provocar mudanças nas estruturas
fundiárias. As frentes de emergência estão localizadas nos bolsões da seca. Os
agricultores, em troca de minguados salários constróem açudes, estradas e
outras obras públicas e privadas.
O depoimento de um agricultor
de 51 anos, da cidade de São José de Espinharas, sertão da Paraíba, conta um
pouco da história dos emergenciados:
(...) daquelas campanhas de ajuda aos flagelados pela seca na televisão, as merendas, era só agente pagando. Nada recebemos de graça. Os trabalhadores já recebiam descontado no ordenado. Só minha mulher trabalhou na emergência. As coisas dadas lá por aqueles Estados, vieram para cá porque a gente via na televisão. Por isso que eu gosto da televisão que, quando erram pode ser irmão do governador, eles falam. Os alimentos vieram para Paraíba, para os emergenciados mas a gente pagava. (...) Veio a ajuda em alimento, para a Paraíba mas, quando chegou em João Pessoa o Governo pegou e vendeu para os emergenciados. Isso aí, não pode dizer que é mentira porque a televisão mostrou e saiu nos jornais que não sei quantas mil toneladas chegaram ao porto de João Pessoa. Aqui demorou um pouco a chegar a frente de emergência por que tinha uma politicazinha no meio. Os políticos sempre é que corriam para inscrever. Os que estavam por ali não conseguiam nada. Eu sempre trabalhei na roça de meeiro.[12]
As
elites atrasadas do Nordeste mantêm o controle dos partidos políticos, das
repartições públicas que, na realidade, constituem instrumentos dos mais
eficientes para manutenção do prestígio e do poder regional.
Para
manter o poder, o chefe político é que indica os coordenadores, chefes de
repartições, técnicos, diretores de escolas e funcionários dos diversos setores
públicos e com isso conservar sob seu controle a política administrativa do
estado e dos municípios de sua atuação política. Geralmente, não interessa a
essa classe dominante provocar grandes mudanças na ordem vigente. Gentil
Martins Dias afirma:
Num
esforço de manter a sua posição dominante, essas elites têm procurado estabelecer
e manter eficaz controle sobre as modernas e cada vez mais poderosas
burocracias públicas.[13]
Mesmo
com toda a crise financeira agravada na época da seca havia uma preocupação dos
emergenciados em receber o salário em dia, para fazer as compras e pagar as
prestações da televisão, do rádio, do relógio, do gravador, da bicicleta e de
outros objetos de uso pessoal.
As feiras livres, os mercados públicos e os armazéns estão cheios de objetos de consumo cuja propaganda é veiculada pelo rádio e pela televisão. Na variedade de ofertas nas barracas de comidas e bebidas típicas, nas feiras do fumo, do couro, do barro, de troca ou nas boutiques populares misturam-se os objetos artesanais com sandálias de plástico, bujões de gás, aparelhos de televisão e rádios, ferros elétricos, relógios digitais e uma quantidade de produtos anunciados pelos mass mídia, encontrados à venda em todas as feiras nordestinas independente do seu tamanho, preço e importância. São as feiras tradicionais convivendo concomitantemente com as “Feiras do Paraguai”.[14]
Produtos
da moda, mostrados constantemente nas telenovelas são mais consumidos, como diz
Maria Duarte:
Estes objetos-mercadorias apresentam total
diversidade de área de produção. Pode ser uma boneca, um “catchup”, um vinho,
um relógio. Em todos os "merchandising" uma situação repete-se: o
objeto é insistentemente falado pelo personagem que o "admira". Nunca
sua marca registrada é verbalizada. É apenas visualizado em “close” de câmaras.
[15]
A geração de nova perspectiva
de vida, transmitida pela televisão cria, de certa forma, um desejo de imitar a
moda dos personagens das novelas, dos cantores de sucesso e dos artistas da
televisão. Às vezes esse desejo é alcançado com a simples compra de uma roupa,
de um relógio, brincos ou até mesmo um corte de cabelo semelhante aos que
aparecem na televisão. Sobre este aspecto Octavio Ianni, chama atenção para o
uso e o consumo dos produtos vendidos pela indústria cultural:
Mas,
nenhuma mercadoria é inocente. Ela é também signo, símbolo, significado. Carrega
valor de uso, valor de troca e recado. Povoa o imaginário da audiência,
auditório, público, multidão.[16]
Mas muitas vezes, esse desejo
ultrapassa as condições locais e o nordestino sai em busca de melhores
condições sonhando ser um artista igual ao da televisão:
Ao lado da velha ilusão de melhorar de vida - e
rápido - na grande cidade - o que tem impressionado as assistentes sociais do
Posto (O Rio de Janeiro conta com um Posto de Atendimento ao Migrante na
Rodoviária Novo Rio), nestes seis meses de funcionamento do Posto é a
penetração da TV na roça. As pessoas já chegam falando em Final Feliz, Paraíso,
A Festa é Nossa e querem logo saber onde fica o Povo da TV para conseguir um
emprego e casa para morar. (...) - onde mora o Didi? - pergunta Valdemar dos
Santos, 19 anos, que acaba de chegar de Juazeiro do Norte, no Ceará. Didi é o
conhecido personagem do grupo Trapalhões e Valdemar acredita que por ser seu
conterrâneo vai ajudá-lo a arrumar um emprego de pintor. [17]
Em 1986 quando da realização
da primeira etapa da pesquisa, a Rede Globo de Televisão exibia a telenovela Roque Santeiro de temática rural bem
característica do sertão nordestino, um dos maiores sucessos de audiência. Nos
pequenos comércios e nas feiras das cidades eram vendidos óculos tipo Roque
Santeiro, chapéu e brincos tipo viúva Porcina, batom boca-loca, chapéu e óculos
modelo Senhorzinho Malta etc.
Agora, em 1999, quando estamos
realizando a segunda etapa da pesquisa a mesma emissora (TV Globo), está
exibindo a telenovela Meu Bem Querer, igualmente
de temática rural, que também reforça o consumo de produtos presentes nessas
produções.
Atualmente
as telenovelas e outros assuntos da TV já fazem parte das conversas, nas casas
das fazendas, nas queijeiras, nos currais, nas bodegas, festas, feiras,
escolas, sindicatos e em quase todos os lugares de encontros da comunidade. "É o melhor passa tempo da
cidade", disse um velho morador de São José de Espinharas se referindo
à televisão na cidade.
Na
década de 80 a instalação de repetidoras de televisão e de aparelhos de TV nas
praças públicas e centros sociais nos municípios, passou a ser obra importante
dos prefeitos. Quanto mais sofisticada fosse a parabólica e maior quantidade de
televisores instalados em locais públicos, maior seria a repercussão da
administração municipal:
Mataraca, município localizado na região litorânea
Norte da Paraíba, sai do isolamento em que vivia para entrar na era da
comunicação. A atual administração Ivan Lyra adquiriu uma estação repetidora da
TV - Bandeirante que transmitirá aos municípios imagens via satélite, direto. O
aparelho, além de antena, possui captadores parabólicos de imagens, que
permitem uma imagem estável, sem auxílio de acessórios acoplados aos
televisores. Pode-se dizer que a comunidade mataraquense, de agora em diante,
estará bem informada dos grandes acontecimentos. [18]
Após vários contatos em João Pessoa, o prefeito de
Catolé do Rocha, município localizado na região semi-árida do Estado da
Paraíba, (quatrocentos e quarenta e quatro quilômetros da capital) José Otávio
Maia, adquiriu para sua cidade uma antena parabólica para captar o sinal do
satélite Brasil-Sat da TV Bandeirantes, que será mais uma opção para o povo do
seu município em matéria de comunicação. A antena custou aos cofres da
prefeitura 55 milhões de cruzeiros. (...) Visando oferecer o melhor para seus
munícipes, o prefeito José Otávio não tem medido esforços em melhorar nível de
vida através da educação, e a TV é uma delas. [19]
Notícias
de instalação de repetidoras de TV nas cidades interioranas do Estado,
divulgadas nos jornais de João Pessoa, a Capital do Estado da Paraíba,
tornaram-se comuns, comprovando assim a importância da televisão na cidade.
Para os moradores da zona rural a antena parabólica passou a ser uma
necessidade, assim como as vestimentas e os instrumentos de trabalho.
D. Inácia Maria da Silva, mãe de seis filhos,
residente na zona rural de Pocinhos, disse que adquiriu a parabólica há cerca
de dois meses. (...) Indagada se não seria mais proveitoso investir o dinheiro
em comida e vestimenta para os filhos, ela justificou que muito estava
precisando de uma parabólica. “Aqui onde moramos é muito ruim o sinal de TV.
Por isso resolvi adquirir uma antena com capacidade de ver todos os canais para
a diversão da família”, contou a emergenciada. Já o agricultor Sebastião da
Silva Santos, morador às margens da Br-230, no município de Soledade disse à
reportagem que o sonho da família era adquirir uma parabólica. “A oportunidade
surgiu depois que apareceu este dinheirinho do Governo, que a gente dividindo
direitinho está dando para as obrigações com alimentação dos meninos e cumprir
com o compromisso da prestação da parabólica. [20]
Através
das mediações dos seus agentes comunitários as mensagens dos mass mídia são decodificadas e reelaboradas
pelos seus próprios meios de comunicação, objetivando atender às suas
necessidades.
São Vicente do Seriódo (a 70 quilômetros de Campina
Grande) exibe uma das paisagens mais secas e contrastantes do Sertão paraibano.
Foi lá que o CORREIO conheceu a história das chamadas “viúvas da seca”. São
mulheres entre 25 e 45 anos que amargam a ausência forçada dos maridos que
saíram em busca de trabalho em outras regiões do país. Andar pelas ruas da
cidade, vê-se nas casa humildes antenas parabólicas e aparelhos de som
equipados com CD player. Mas todas as famílias têm dívidas na mercearia. [21]
Observamos
que a situação é semelhante em São José de Espinharas. São famílias com renda
média de um salário mínimo R$ 130,00 (cento e trinta reais) e em alguns casos
mais o pagamento mensal de R$ 80,00 (oitenta reais) da frente de emergência.
Mesmo assim, 71,8% das casas têm televisor a cores, 30,4% televisor
preto/branco, 69,6% rádio, 54,3% antena parabólica, 15,2% antena de TV
convencional, 17,4% CD player, 89,1% geladeira e 98,9% fogão a gás, não muito
diferente do cenário estadual e nacional..[22]
Na
Paraíba 96,31% da população tem fogão em casa, 87,51 tem rádio, 65,10: tem geladeira e 85,46 televisão. Em nível
nacional 97% dos domicílios tem fogão, 90% rádio, 84% televisão e 78%
geladeira. [23]
Não
deixa de ser preocupante a forma como a indústria cultural vem penetrando na
sociedade nordestina, principalmente na rural cujo saber é influenciado pela
religiosidade e aprendido com os elementos da natureza, acumulados pelas
experiências dos seus ancestrais explicadas através do conhecimento do senso
comum das manifestações de suas culturas. Como afirma Adriano Rodrigues:
É por isso que a rememoração tradicional é feita
predominantemente através da expressão oral dos mitos fundadores originários. [24]
A sociedade contemporânea não
comporta mais o pensamento pessimista com relação à indústria cultural,
principalmente a televisão como responsável direta pela desestruturação das
sociedades tradicionais. A comunicação de massa percorre vários níveis de
mediações no seu processo de recepção.
São
esses agentes culturais da comunidade que exercem importantes funções de
mediador e reelaboram as mensagens dos mass
mídia para um melhor entendimento da sua comunidade com relação aos novos
valores culturais. Os agentes culturais dos sistemas sociais desses pequenos
grupos como os artesãos, os contadores de estórias, mestres e mestras dos
folguedos e danças, professores, religiosos, lideranças sindicais e completando
este processo de multimediação, a família, as relações de vizinhanças e o
contato com os agentes externos que têm interesses econômicos e culturais na
comunidade. [25]
A
recepção das mensagens dos meios de comunicação de massa passa por um conjunto
de influências estabelecidas pelos vários contextos socioculturais da
comunidade e do sujeito receptor. Portanto, a recepção não ocorre de forma
passiva.
A
indústria cultural é controlada, elaborada e distribuída do centro para a
periferia, impondo valores urbanos ao meio rural, costumes e hábitos dos
grandes centros para o restante do país.
A penetração das mensagens
veiculadas pela mídia no meio rural
cria um novo mercado consumidor no Brasil. Visando este mercado emergente os
meios de comunicação de massa, principalmente o rádio e a televisão, passam a
produzir programas e anúncios dirigidos aos que vivem direta ou indiretamente
das atividades voltadas para o campo. É o Globo Rural, Som Brasil, Manchete
Rural programas que marcaram um determinado período das audiências da televisão
e principalmente as telenovelas de temática rural. A maior rede de televisão do
Brasil, Rede Globo de Televisão, tem
investido alto nos espetáculos de músicas sertanejas, nas telenovelas e
minisséries de temática rural.
A morfologia da sociedade contemporânea está mudando. Nos
anos 90, após a Guerra Fria, com a queda do Muro de Berlim, a crise do Golfo, a
reforma da URSS e a economia semi-aberta na China, passamos a ter uma nova
referência de mundo. Um mundo com novo cenário político, sócio-econômico,
geográfico e tecnológico. Estamos vivendo um novo conceito de mundo, um novo
conceito de comunicação, “O Mundo dos Mídia”. O mundo passa por grandes
transformações no que se refere às culturas, religiões e ideologias. As
incertezas e perturbações são características próprias de um processo de
mudança entre a ordem e a (des)ordem de uma sociedade em transformação. É neste
momento que precisamos dar importância, mais do que nunca, ao fator cultural,
por que são os fluxos de bens capitais e culturais que passaram a unir os
grupos regionais em formação nas várias partes do mundo globalizante (CEE,
NAFTA, MERCOSUL etc. ). FOUCHER, chama atenção para:
(...) que ninguém fique surpreso se o aspecto
cultural se tornar o campo do confronto mais importante, ainda que sua tradução
política adote formas variadas: reafirmação nacional, concentração sobre
microidentidades ou valorização das fronteiras econômicas e das frentes
culturais.[26]
O Brasil não poderia ficar fora deste novo contexto
mundial e busca se modernizar avançando em determinados setores e continuando
atrasado em outros. Mas é preciso deixar claro que o país que não enfrentar os
seus problemas educacionais, sociais, e econômicos e não acompanhar a dinâmica
deste final de século, determinada por três fatores: comunicações instantâneas, integração econômica global e avanços
tecnológicos, fatalmente perderá o bonde da história.
Atualmente o Brasil tem mais de 5 mil municípios,
dos quais 99,84% recebem as imagens das grandes redes de televisão, tendo como
líder de audiência a Rede Globo de Televisão.[27]
A população brasileira já passa dos 160 milhões. Hoje são
mais de 30 milhões de domicílios brasileiros com receptores de TV. São mais de
4 mil emissoras de rádio espalhadas pelo país. A televisão e o rádio, são os
dois mais importantes meios de comunicação de massa, poderosos instrumentos de
difusão cultural, com grande influência na sociedade brasileira e que
ultrapassam a questão do analfabetismo.
O Brasil é um país que tem sua população distribuída
basicamente em regiões com suas diferenças econômicas, geográficas e culturais.
São pessoas que vivem no mesmo país mas, na realidade, é como se elas
habitassem em países diferentes. Uma minoria que tem estilo de vida comparado
aos que habitam os países mais desenvolvidos do mundo e um contingente
expressivo que vive em estado de pobreza e miséria. São pessoas que de uma
forma ou outra estão sendo informadas através das emissoras de rádio e
televisão. É um Brasil que tem uma imprensa comparada com as melhores do mundo
em qualidade e quantidade.
São Paulo possui uma imprensa dinâmica; jornais
diários como a Folha, o velho
“Estado de S. Paulo” e a Gazeta Mercantil” são tão bem redigidos, críticos e
influentes quanto qualquer jornal de alta qualidade da Europa ou América do
Norte. O Brasil também possui uma das redes de televisão mais bem-sucedidas do
mundo, a TV Globo, e um dos mais agressivos impérios editoriais, a Editora
Abril, proprietária da “Veja”, um semanário de grande circulação.[28]
Em 1995 foi criado o maior complexo, de TV da
América Latina, para a produção de telenovelas e outros programas de
variedades. É o Projeto Jacarepaguá-Projac, da Rede Globo, localizado em uma
área de 1,3 milhão de metros quadrados e que custou 120 milhões de dólares.
O complexo de
produção reúne quatro estúdios, com mil metros quadrados cada, além de fábrica
de cenários e figurinos, prédios para administração e engenharia, (...)
Equipamentos modernos e tecnologia de última geração caracterizam o Projac, que
tem novidades com um sistema computadorizado de iluminação, que permite
programar a luz ideal para cada cena gravada. Não existe estúdio no mundo com
tecnologia tão avançada.[29]
Em janeiro de 1999, a Rede Globo inaugura o prédio
que custou US$ 200 milhões, onde passou a funcionar o mais moderno centro de
produção jornalística da América Latina. Com 16.269 metros quadrados de área
construída, com três estúdios com equipamentos digitalizados.
A sociedade brasileira é demarcada pelas
diferenças. É neste contexto que se deve investigar a recepção dos meios de
comunicação de massa. É uma sociedade que tem acesso às novas tecnologias e ao
mesmo tempo luta no dia-a-dia pela sobrevivência. São possivelmente 40 milhões
de pessoas que vivem com salário médio de R$ 50,00 (cinqüenta reais) mensais,
nas periferias dos grandes centros urbanos e nas regiões castigadas pela seca.
A quantidade de aparelhos de
televisão nas casas em São José de Espinharas em 1987 não passava dos 10% e
agora em 1998 chega próximo aos 70%. A era da televisão preto e branco também
já passou pela cidade e a maioria dos domicílios tem aparelho a cores e com
antena parabólica. Porém não significa que tenha havido melhoria na situação
sócio-econômica da população. São as ofertas do mercado e o barateamento dos
equipamentos que permitem a sua comercialização através de consórcios e
pagamento em longas prestações mensais. A estabilidade do Real permitiu um
planejamento a longo prazo e consequentemente o acesso a esses bens de consumo.
A televisão passou a ser uma
prioridade deixam de comprar bens de primeira necessidade para comprometer a
renda familiar na aquisição de televisor e antenas parabólicas (veja fotos
anexas) .
Outro dado importante é que
mesmo havendo maior número de aparelhos de televisão nas casas, o hábito de assistir
televisão é coletivo. Quando não acontece na praça os vizinhos se encontram em
determinadas residências para assistir coletivamente a programação. A casa do
prefeito, da professora, do dono da mercearia estão sempre recebendo os
vizinhos, os amigos e os que não têm televisão.
Em São José de Espinharas a
relação sujeito/televisão/recepção acontece de maneira interativa. É uma
recepção ativa em que em grupos discutem os acontecimentos veiculados pela
televisão.
Quando o fato é de maior
repercussão o hábito de assistir televisão coletivamente nos bancos da praça
continua.
Com o passar do tempo a
televisão firma-se cada vez mais como um importante meio de informação,
entretenimento e de influência cultural. A televisão faz parte do cotidiano da
população de São José de Espinharas.
A pesquisa realizada em dois
períodos, 1987 e 1998, permitiu compreender esta nova relação da comunidade com
os seus valores socioculturais. A questão da família, sexualidade, violência,
crise econômica e política, religiosidade, o desejo de acesso à modernidade e à
sociedade de consumo dos grandes centros urbanos, são temas agendados nas
discussões da maioria da população de São José de Espinharas.[30]
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