A TOLERÂNCIA DOS FOTOJORNALISTAS PORTUGUESES À ALTERAÇÃO
DIGITAL DE FOTOGRAFIAS JORNALÍSTICAS
Jorge Pedro Sousa[1],
Universidade Fernando Pessoa
Abstract
This study,
based on a national survey, suggests that the tolerance of Portuguese
photojournalists for computer manipulation of photos depends on the category of
photographs. If in the United States
newspaper photo editors differ significantly in their tolerance level of
computer manipulation of spot-news, features and photo illustrations (Reaves,
1995), in Portugal the same thing happens with photojournalists, in
general. In fact, Portuguese
photojournalists are intolerant of altering spot-news photos and
semi-previsible photos, a little bit more tolerant of altering feature photos
and more tolerant of altering photo illustrations. However, they are more intolerant to computer manipulation, in
general, than American photo editors (cf. Reaves, 1995).
1. Introdução e objectivos
Em Novembro de 1997, a Newsweek publicou na capa uma fotografia da senhora de Iowa que
teve sete gémeos. Os dentes da senhora
estavam estragados, mas na imagem reluziam de brancura. No mês seguinte, na Suíça, um jornal decidiu
avermelhar a água que descia do templo de Hatschepust, em Luxor, no Egipto,
dizendo que se tratava do sangue dos turistas assassinados pelos fundamentalistas
islâmicos. Estes são dois dos mais
recentes e conhecidos exemplos de truncagem electrónica de fotografias
jornalísticas possibilitada pelas novas tecnologias digitais. Mas poderia relatar vários casos semelhantes
que vêm sendo listados desde 1989, como o enegrecimento da cara de O. J.
Simpson numa capa da Time, o
misterioso deslocamento das pirâmides egípcias na página um da National Geographic, o apagamento de
referências publicitárias nas camisolas de desportistas ou o desaparecimento de
objectos, como latas de Coca-Cola, carros e similares.
Ora, se bem que o retoque, a alteração, a supressão e
a inclusão de elementos nas imagens fotojornalísticas sejam procedimentos
relativamente comuns ao longo da história, o que é novo é o facto de a
manipulação digital de fotografias ser fácil e de difícil ou virtualmente
impossível detecção por um observador que não tenha visto o acontecimento
fotograficamente representado. Por
outro lado, embora a fotografia seja sempre uma forma de manipulação visual da
realidade -recordemos
a focagem ou o controle da profundidade de campo, da velocidade e da exposição- as tecnologias digitais
exponenciaram esse fenómeno, pois transformam as imagens em impulsos
electrónicos processáveis em computador.
Tornou-se fácil, por exemplo, alterar, na imagem, as cores do cabelo, da
roupa, dos olhos e da pele, alterar penteados, colocar frente a frente pessoas
que nunca se viram, inserir pessoas e objectos em ambientes diferentes, criar
imagens virtuais e combiná-las com imagens indiciáticas da realidade, etc. Enquanto as alterações introduzidas nas
imagens fotográficas ao longo dos tempos usualmente acabavam por ser detectadas
por especialistas e, por vezes, mesmo por pessoas comuns, quando, por exemplo,
se tratava de uma truncagem mal feita ou quando se conhecia o original ou até o
contexto da realização da foto, com os computadores abrem-se as portas à
possibilidade de mentir, fotograficamente falando, de maneiras inimagináveis no
passado.
Assim sendo, e apesar de as novas tecnologias
trazerem vantagens incontestáveis no que respeita à qualidade da imagem, à
expressividade e à capacidade de se vencer o tempo e o espaço com maior rapidez
e comodidade, as questões ligadas à geração e manipulação digital de imagens
são talvez das mais relevantes para o fotojornalismo actual, especialmente no
que diz respeito à ética e à deontologia profissionais. Inclusivamente, a tecnologia digital da
imagem está a ter cada vez maior utilização e é provável que venha a suplantar
a fotografia tradicional, coisa que, possivelmente, afectará a nossa percepção
do mundo, os processos de geração de sentidos e, portanto, o processo de
construção social da realidade.
Tal como a fotografia tradicional difere da pintura,
a imagem digital difere da fotografia tradicional quanto à realidade
física. Enquanto a fotografia
tradicional vive de processos analógicos e contínuos (a fotografia é “análoga”
à luz que lhe deu origem), a imagem digital é uma realidade discreta, codificada
num código de zeros e uns, subdividida uniformemente numa grelha finita de
células -os pixels- cuja gradação
tonal de cor pode mudar em função do código.
Na fotografia tradicional, o suporte é o negativo. Na imagem digital, a resolução tonal e
espacial é limitada e contém uma quantidade fixa de informação. Uma vez ampliada, revela a sua
micro-estrutura.
O contínuo espacial e tonal das fotografias
analógicas tradicionais não é reproduzível com exactidão. Transmitidas ou copiadas são sujeitas a
alguma degradação. Porém, a imagem
digital pode ser repetida até ao infinito sem perda de qualidade, mas também é
fácil e rapidamente manipulável através da substituição de dígitos no código
binário -de zeros e uns- que a sustenta.
É por esta razão que uma imagem digital pode ser totalmente sintetizada
por computador, ser resultante da digitalização de outra imagem, ver a sua
perspectiva alterada através das mudanças da zona de sombras, ser pintada
electronicamente ou ser até sujeita a uma mistura de todos esses processos,
possuindo, ainda assim, coerência interna.
Trata-se, de facto, de uma espécie de electrobricollage, como lhe chama Mitchell (1992), que demonstra
que o multimédia é o medium
pós-moderno por excelência: vive da fragmentação e da interactividade, sendo
fomentador da polissemia, mas, também por isso, da indeterminação e da
heterogeneidade.
O ser humano não está desprovido de defesas contra a
manipulação imagética. Intuo que a
educação, a cultura e a experiência levam as pessoas a não aceitar hoje tão
facilmente como no passado as fotografias como representações válidas da
realidade que tomam parte directa na sua mundividência. Nesta matéria, há filmes que mostram como se
fazem manipulações e existem fotografias que se sabe terem sido manipuladas. De qualquer modo, não é por isso que o fenómeno
da imagem digital deixa de levantar questões preocupantes. Por exemplo, Kelly e Nace (1993) descobriram
que a credibilidade de uma foto semelhante às que se vêem todos os dias na
imprensa não se alterava significativamente quando as pessoas viam antecipadamente
um vídeo sobre manipulação digital de imagens.
Esta ocorrência pode demonstrar que, por muito grande que seja a
fotoliteracia das pessoas, as fotografias sujeitas a manipulação, quando esta é
desconhecida para o receptor, tendem a ser tão credíveis como as outras.
Face ao exposto, e trazendo para Portugal um objecto
de pesquisa bastante actual em países como os Estados Unidos (cf. Reaves,
1995), o presente estudo tem por objectivo avaliar a tolerância dos
fotojornalistas portugueses à manipulação digital de fotografias jornalísticas.
2.
Enquadramento teórico e revisão de literatura
Este estudo baseia-se na pesquisa empírica similar
promovida por Shiela Reaves (1995) junto dos editores fotográficos dos diários
norte americanos. Porém, por um lado a
presente investigação não se centra nos editores, alargando-se a todos os
fotojornalistas e a vários tipos de imprensa (diária, semanal e mensal, de
informação geral e especializada, incluindo igualmente agências noticiosas e
fotográficas); por outro lado, não se abdica, especialmente no início e no
final do artigo, de uma perspectiva crítica que se poderia precisamente situar
na linha dos estudos críticos, tão cara à tradição europeia e latino-americana
de pesquisa em comunicação. Além disso,
a presente pesquisa alarga o campo do inquérito, confrontando os
fotojornalistas com situações que Reaves não tratou e procurando saber quais os
procedimentos a que os foto-repórteres portugueses recorrem para processar
digitalmente as imagens.
Baseando-se numa pesquisa anterior, os paradigmas
científicos que enquadram o presente estudo são os mesmos dessa investigação e
articulam-se entre a semiótica e a teoria da categorização.
Usando o modelo semiótico de Worth e Gross (1974)
para a interpretação de símbolos visuais, pode-se considerar que se uma
fotografia for percebida como tendo uma relação “natural” com o real ela será
interpretada como sendo mais informativa e denotativa do que comunicativa e
conotativa. Pelo contrário, à luz do mesmo modelo, se uma fotografia for
percepcionada como tendo uma relação “simbólica” com o real, então ela será
interpretada como sendo tendencialmente mais comunicativa e conotativa, sendo
eventualmente invocados códigos histórico-culturais para se atingir o seu
significado (Barthes, 1984: 13-35). Haverá, todavia, casos em que o significado
atribuído pelo interpretante à fotografia é ambíguo, não sendo possível
categorizar nitidamente a relação que a fotografia mantém com o real. O fotojornalista teria, consequentemente, de
aceder ao contexto da situação para a interpretar.
Se atendermos à teoria da categorização, podemos
antever que os fotojornalistas avaliam as fotografias categorizando-as, tal
como Tuchman (1978) fez notar sobre a categorização rotineira das
notícias. Cruzando esta teoria com o
campo de análise semiótico exposto, as fotografias de certa forma inesperadas
de acontecimentos fortes e duros e com desenvolvimentos mais ou menos
inesperados (spot news) ou as
fotografias de acontecimentos mais leves mas relevantes, como as conferências
de imprensa, seriam vistas principalmente como sendo informativas e
tendencialmente denotativas; contudo, as ilustrações fotográficas e as
fotografias ocasionais em que os fotógrafos procuram capturar cenas sacadas à
vida quotidiana (feature photos)
seriam tendencialmente vistas como sendo comunicativas e conotativas. Assim, em princípio, se uma fotografia for
percebida como sendo essencialmente denotativa e informativa, provavelmente não
será sujeita a manipulação digital; pelo contrário, se for vista como
essencialmente comunicativa e conotativa, então aumentam as probabilidades de
ser sujeita a manipulação digital.
3. Hipóteses
Conforme destaquei, julgo que se podem categorizar as
fotografias jornalísticas de uma forma que em parte se baseia e que em parte
amplia o sistema taxionómico da National
Press Photographers Association:
– Spot news:
fotografias não planeáveis de acontecimentos imprevistos ou cujo
desenvolvimento é imprevisível, como a polícia a carregar sobre manifestantes;
– Fotografias semi-planeáveis: fotografias de
acontecimentos cujo desenvolvimento é semi-previsível, como as conferências de
imprensa ou as “oportunidades fotográficas” (photo opportunities), de que os cumprimentos formais para os
repórteres de imagem durante visitas de estado são exemplo;
– Feature
photos: fotografia de valor tendencialmente intemporal de situações
encontradas pelo repórter fotográfico nas suas deambulações, como o cão que
lambe o dono ou o polícia que pára o trânsito para deixar passar uma gata e os
seus gatinhos;
– Fotografias ilustrativas/ilustrações fotográficas (photo illustrations): fotografias
conceptuais e ilustrativas, por vezes combinadas com outros elementos gráficos,
que combinam o valor gráfico com o realismo da fotografia. Um exemplo poderá ser o da foto de Luiz
Carvalho de Marcelo Rebelo de Sousa sentado num sofá e rodeado de telefones,
inserida na revista comemorativa do 25º aniversário do Expresso.
Tendo em conta essa categorização, este estudo
procurará testar as seguintes hipóteses:
1)
O
sistema classificativo proposto é válido e os fotojornalistas, de facto,
categorizam as fotos e categorizam-nas de uma forma aproximada da forma
proposta no modelo que aqui se propõe, pelo que os fotojornalistas portugueses
irão apresentar níveis de tolerância diferentes em relação às diferentes
categorias de fotos;
2)
Se
o sistema classificativo é válido e logicamente articulado, então os
fotojornalistas portugueses serão mais tolerantes em relação à manipulação
digital das fotografias ilustrativas e sequencial e progressivamente menos
tolerantes em relação à manipulação digital de feature photos, de fotos semi-planeáveis e, finalmente, de spot news photos, deixando adivinhar o
seu comportamento futuro em situações idênticas.
Colateralmente, procurarei testar a hipótese de que a
introdução das tecnologias informáticas de tratamento de imagem está a alterar
as rotinas produtivas fotojornalísticas na generalidade dos órgãos de
comunicação, levando os fotojornalistas a recorrer cada vez mais, ou mesmo
integralmente, aos processos digitais de processamento imagético, mais
“limpos”, rápidos e cómodos.
Verificarei também se factores como a idade e o tempo de serviço
influenciam a adesão ao processamento digital de fotografias jornalísticas.
4. Método
Para efectivação deste estudo, foi enviado por
correio personalizado um questionário a 205 fotojornalistas de todo o
território português, da imprensa de grande informação, da imprensa desportiva
e económica e de agências (Lusa, ASF, etc.) ou grupos editoriais (como o Grupo
Forum). Os inquéritos foram enviados a
todos os repórteres fotográficos que trabalhavam nos diferentes órgãos de
comunicação contactados. Os nomes dos
foto-repórteres foram obtidos através de um contacto telefónico com os editores
fotográficos ou com outros responsáveis editoriais. Desta forma, julgo que o número de inquiridos se deve situar
muito próximo do universo dos fotojornalistas portugueses, se exceptuarmos os
que trabalham para revistas de sociedade (Caras,
Nova Gente, etc.) e os que trabalham
para revistas sectoriais muito específicas (do sector turístico, do sector
bancário, etc.), que não foram contactados.
Dos 205 fotojornalistas contactados por correio, 66
fotojornalistas (32,2%) responderam a esse inquérito até 10 de Abril de 1998
(data limite). Outros oito
fotojornalistas (da Agência Lusa, em Lisboa) foram inquiridos directa e
pessoalmente, o que perfaz um total de 74 respostas em 213 possíveis. Estes dados revelam, assim, uma taxa global
de adesão à pesquisa de 34,7% dos repórteres fotográficos inquiridos, dos
diversos tipos de imprensa, razão pela qual me parece que os resultados são
minimamente representativos das actuais tendências gerais no que respeita à
tolerância à manipulação digital de fotografias jornalísticas, muito embora a
taxa de adesão ao inquérito se situe significativamente abaixo das taxas de
resposta que Reaves (1995) obteve nos Estados Unidos para um inquérito menos
exaustivo mas semelhante, que se situaram perto dos 75%. Na minha opinião, este fenómeno demonstra a
inexistência de uma certa cultura científica em Portugal, o que torna as
pessoas e as organizações mediáticas algo impermeáveis à pesquisa
científica. No caso específico desta
investigação, o fenómeno talvez tenha ocorrido porque, ao contrário do que
sucede nos Estados Unidos, no nosso país não existem cursos superiores de
fotojornalismo e só na década de oitenta se introduziram cursos superiores de
fotografia, de que grande parte dos repórteres fotográficos não terá
beneficiado.
O questionário, anónimo, solicitava informações
gerais aos fotojornalistas sobre o órgão de comunicação social a que pertenciam
(que serviu para elaboração da tabela 1), a idade (tabela 2), o sexo (tabela
3), o número aproximado de anos como fotojornalista profissional (tabela 4), o
grupo profissional e o número de órgãos de comunicação social para que
trabalhavam (tabela 5). Seguidamente,
interrogava os fotojornalistas sobre as suas opiniões acerca da manipulação
digital de imagens (tabela 6) e sobre a frequência com que recorriam ao
processamento digital de fotografias (tabela 7) e sobre quem decidia desse
tratamento e dos termos em que ele seria feito (tabela 8). Depois, solicitava aos fotojornalistas que
assinalassem, entre 27 opções, operações de manipulação digital de fotografias
que já tivessem realizado e a frequência com o faziam (tabela 9). Posteriormente, apresentavam-se várias
situações hipotéticas aos fotojornalistas, tentando-se averiguar se em
determinadas circunstâncias eles cederiam a manipular uma fotografia
jornalística de maneira a enganar propositadamente o observador (tabela 10).
Na parte principal do inquérito descreviam-se as
quatro categorias de fotos atrás referenciadas e inseriam-se imagens
ilustrativas das mesmas. Para os quatro
casos, o questionário levantava 22 questões idênticas para avaliar a tolerância
dos fotojornalistas à manipulação digital de imagens fotográficas. As respostas eram remetidas para uma escala
de cinco pontos, em que um significava “desacordo total” e cinco significava
“acordo total” (tabelas 11 e 12).
5. Resultados
Os dados do inquérito, dada a sua natureza, são
apresentados nas tabelas abaixo. Chamo
desde já a atenção para o facto de que alguns fotojornalistas responderam a
determinadas questões e não a outras, razão pela qual os números de respostas
podem oscilar de tabela para tabela.
Tabela 1
|
N.º de
envios |
% em
relação ao n.º total de envios (213) |
Nº de
respostas |
% em
relação ao n.º total de respostas (74) |
Agências
noticiosas e fotográficas |
28 |
13,1% |
12 |
16,2% |
Jornais
diários[2] |
80 |
37,6% |
36 |
48,6% |
Jornais
semanários |
24 |
11,3% |
6 |
8,1% |
Jornais
desportivos |
30 |
14,1% |
8 |
26,7% |
Jornais
especializados |
14 |
6,6% |
0 |
0% |
Revistas
de informação geral |
13 |
6,1% |
2 |
2,7% |
Revistas
de informação especializada |
12 |
5,6% |
6 |
8,1% |
Outros |
12 |
5,6% |
4 |
5,4% |
Totais |
213 |
100% |
74 |
100% |
Tabela 2
Composição da amostra[3]
segundo a idade
Idade |
18-25 anos |
26-35 anos |
36-45 anos |
46-55 anos |
56-65 anos |
66 anos ou mais |
Total de
respostas |
Média de idades |
N.º de respostas |
10 |
26 |
30 |
7 |
0 |
0 |
73 |
35,3 |
% |
13,7% |
35,6% |
41,1% |
9,6% |
0% |
0% |
100% |
– |
Tabela 3
Composição da amostra segundo o sexo
Sexo
masculino (n.º) |
Sexo
masculino (%) |
Sexo
feminino (n.º) |
Sexo
feminino (%) |
Total |
67 |
90,5% |
7 |
9,5% |
(100%) |
Tabela 4
Composição da amostra segundo o número de anos de exercício
profissional do fotojornalismo
N.º de
anos |
menos de 2 |
3-5 |
6-10 |
11-20 |
21-30 |
31 ou
mais |
Total de respostas |
N.º médio
de anos de exercício |
N.º de respostas |
10 |
17 |
27 |
12 |
8 |
0 |
74 |
9,6 |
% |
13,5% |
23% |
36,5% |
16,2% |
10,8% |
0% |
100% |
– |
Tabela 5
N.º de órgãos de comunicação jornalística onde o
fotojornalismo é exercido por cada profissional
N.º de
órgãos |
1 |
2 |
3-5 |
6 ou mais |
Total de
respostas |
N.º médio
de órgãos onde os foto-repórteres exercem |
N.º de
respostas |
52 |
12 |
10 |
0 |
74 |
1,3 |
% |
70,3% |
16,2% |
13,5% |
0% |
100% |
– |
Opiniões sobre a manipulação digital de fotografias
jornalísticas
Perguntas |
Sim (N.º) |
Sim (%) |
Não (N.º) |
Não (%) |
Na sua
opinião, o Código Deontológico deve definir as condições em que uma
fotografia pode ser digitalmente manipulada? |
60 |
83,3% |
12 |
16,7% |
Na sua
opinião, as fotografias jornalísticas sujeitas a manipulação devem conter um
símbolo que as identifique? |
58 |
80,5% |
14 |
19,5% |
Na sua
opinião, o observador deve ser sempre informado quando está perante uma
fotografia digitalmente manipulada? |
60 |
83,3% |
12 |
16,7% |
Tabela 7
Frequência com que os fotojornalistas tratam digitalmente as
fotografias
– |
Sempre |
Sempre |
Frequente- mente |
Frequente- mente |
Às vezes |
Às vezes |
Nunca |
Nunca |
– |
N.º |
% |
N.º |
% |
N.º |
% |
N.º |
% |
Total |
36 |
48,6% |
16 |
21,6% |
8 |
10,8% |
14* |
19% |
Idade até 35 anos |
11 |
14,8% |
9 |
12,2% |
4 |
5,4% |
12 |
16,2% |
Idade de
36 anos ou mais |
25 |
33,8% |
7 |
9,5% |
4 |
5,4% |
2 |
2,7% |
Exercício profissional até 10
anos |
24 |
32,4% |
10 |
13,5% |
6 |
8,1% |
14 |
19% |
Exercício
profissional superior
a 10 anos |
12 |
16,2% |
6 |
8,1% |
2 |
2,7% |
0 |
0% |
*Apesar destes terem sido os dados recolhidos, veremos pela tabela 9 que a situação aqui exposta não corresponderá totalmente à realidade, pois apenas quatro fotojornalistas mostraram que, de facto, nunca usaram qualquer procedimento digital de tratamento de fotografias. A explicação que me ocorre é a de que determinados fotojornalistas não perspectivam certas operações digitais, de que os reenquadramentos são exemplo, como uma forma de tratamento digital de imagens, já que estes procedimentos seriam semelhantes às técnicas usadas nos laboratórios tradicionais.
Tabela 8
Decisão sobre o processo de manipulação digital de
fotografias
(No seu órgão de comunicação social, quem decide sobre se
uma imagem será digitalmente manipulada?)
O foto- repórter (N.º) |
O foto- repórter (%) |
O editor (N.º) |
O editor (%) |
O chefe de re- dacção (N.º) |
O chefe de re- dacção (%) |
O di- rector (N.º) |
O di- rector (%) |
Os de- signers (N.º) |
Os de- signers (%) |
Outros (N.º) |
Outros (%) |
22,3 |
30,5% |
26,6 |
36,4% |
5,9 |
8,1% |
5,3 |
7,3% |
8,6 |
11,8% |
4,3 |
5,9% |
Nota: quando os inquiridos assinalaram mais do que uma opção, os valores foram divididos pelas categorias. Por exemplo, se um fotojornalista assinalava que eram ele próprio e o editor a decidir sobre o tratamento digital de fotografias, contabilizava-se meio valor para cada uma dessas duas categorias.
Tabela 9
Operações de processamento digital de fotografias realizadas
pelos fotojornalistas
(No seu órgão jornalístico, já realizou algumas das
seguintes operações de manipulação digital de fotografias?)
– |
Não (N.º) |
Não (%) |
Sim (N.º) |
Sim (%) |
Sempre (N.º) |
Sempre (%) |
Fre-quente-mente
(N.º) |
Fre-quente-mente
(%) |
Às vezes (N.º) |
Às vezes (%) |
Reenquadramentos |
4 |
5,4% |
70 |
94,6% |
24 |
32,4% |
24 |
32,4% |
22 |
29,7% |
Ajustamento
das tonalidades |
14 |
18,9% |
60 |
81,1% |
12 |
16,2% |
18 |
24,3% |
30 |
40,5% |
Ajustamento
das cores |
22 |
29,7% |
52 |
70,3% |
14 |
18,9% |
14 |
18,9% |
24 |
32,4% |
Mudança
das cores |
68 |
91,9% |
6 |
8,1% |
0 |
0% |
0 |
0% |
6 |
8,1% |
Ajustamentos
do contraste (sharpening) |
10 |
13,5% |
64 |
86,5% |
24 |
32,4% |
6 |
8,1% |
34 |
45,9% |
Sombreamento (shading) |
34 |
45,9% |
40 |
54,1% |
4 |
5,4% |
12 |
16,2% |
24 |
32,4% |
Limpeza
da imagem devido a “lixos”
no negativo |
22 |
29,7% |
52 |
70,3% |
14 |
18,9% |
20 |
27,1% |
18 |
24,3% |
Efeitos
de névoa (smoothing) |
72 |
97,3% |
2 |
2,7% |
0 |
0% |
2 |
2,7% |
0 |
0% |
Realce ou
atenuação do plano de fundo |
66 |
89,2% |
8 |
10,8% |
0 |
0% |
2 |
2,7% |
6 |
8,1% |
Realce ou
atenuação do motivo |
35 |
47,3% |
39 |
52,7% |
6 |
8,1% |
12 |
16,2% |
21 |
28,4% |
Efeitos
de máscara |
41 |
55,4% |
33 |
44,6% |
0 |
0% |
4 |
5,4% |
29 |
39,2% |
Acentuação,
diminuição, introdução ou alteração de texturas |
68 |
91,9% |
6 |
8,1% |
0 |
0% |
1 |
1,4% |
5 |
6,8% |
Simulacros
de iluminação |
71 |
95,9% |
3 |
4,1% |
0 |
0% |
0 |
0% |
3 |
4,1% |
Mistura
de imagens |
64 |
86,5% |
10 |
13,5% |
0 |
0% |
0 |
0% |
10 |
13,5% |
Retirada
de objectos |
53 |
71,6% |
21 |
28,4% |
0 |
0% |
0 |
0% |
21 |
28,4% |
Retirada
de pessoas |
69 |
93,2% |
5 |
6,8% |
0 |
0% |
0 |
0% |
5 |
6,8% |
Colocação
de objectos |
72 |
97,3% |
2 |
2,7% |
0 |
0% |
0 |
0% |
2 |
2,7% |
Colocação
de pessoas |
71 |
95,9% |
3 |
4,1% |
0 |
0% |
0 |
0% |
3 |
4,1% |
Substituição
de objectos |
72 |
97,3% |
2 |
2,7% |
0 |
0% |
0 |
0% |
2 |
2,7% |
Substituição
de pessoas |
72 |
97,3% |
2 |
2,7% |
0 |
0% |
0 |
0% |
2 |
2,7% |
Efeitos
ópticos (difracção, transparência, refracção, etc.) |
70 |
94,6% |
4 |
5,4% |
0 |
0% |
0 |
0% |
4 |
5,4% |
Efeitos
atmosféricos |
69 |
93,2% |
5 |
6,8% |
0 |
0% |
0 |
0% |
5 |
6,8% |
Ampliação
e redução de partes da fotografia |
34 |
45,9% |
40 |
54,1% |
2 |
2,7% |
16 |
21,6% |
22 |
29,7% |
Rotação
e/ou reflexão |
59 |
79,7% |
15 |
20,3% |
0 |
0% |
1 |
1,4% |
14 |
18,9% |
Alteração
e/ou simulação da profundidade
de campo |
71 |
95,9% |
3 |
4,1% |
1 |
1,4% |
0 |
0% |
2 |
2,7% |
Distorções |
70 |
94,6% |
4 |
5,4% |
0 |
0% |
0 |
0% |
4 |
5,4% |
Efeitos
de travagem ou escorrimento do movimento |
72 |
97,3% |
2 |
2,7% |
0 |
0% |
0 |
0% |
2 |
2,7% |
Tabela 10
Cedência à manipulação de fotografias jornalísticas de forma
a enganar o observador
– |
Sim (N.º) |
Sim (%) |
Não (N.º) |
Não (%) |
Se o seu
director lhe pedisse, manipularia digitalmente uma fotografia jornalística de
forma a enganar o observador? |
3 |
4,1% |
71 |
95,9% |
Se o seu
chefe de redacção lhe pedisse, manipularia digitalmente uma fotografia
jornalística de forma a enganar o observador? |
1 |
1,4% |
73 |
98,6% |
Se o seu
editor lhe pedisse, manipularia digitalmente uma fotografia jornalística de
forma a enganar o observador? |
3 |
4,1% |
71 |
95,9% |
Se o seu
presidente da administração lhe pedisse, manipularia digitalmente uma
fotografia jornalística de forma a enganar o observador? |
1 |
1,4% |
73 |
98,6% |
Se o seu
emprego estivesse em risco caso não o fizesse, manipularia digitalmente uma
fotografia jornalística de forma a enganar o observador?* |
21** |
28,4% |
51** |
68,8% |
*Alguns fotojornalistas assinalaram as duas opções, “sim” e “não”, enquanto outros escreveram “talvez” e outros ainda escreveram comentários que se podem resumir a “depende das circunstâncias”. Nestes casos, dividi o valor da resposta pelos dois itens, “sim” e “não”.
**Dois fotojornalistas não responderam a
esta questão.
Tabela 11
Tolerância dos fotojornalistas à manipulação digital de
fotografias jornalísticas
(Médias arredondadas das respostas em função das diferentes
categorias de fotografias)
(Nota: cinco significava “acordo total” e um significava
“desacordo total”)
– |
Spot news |
Fotos
“semi-planeáveis” |
Feature photos |
Fotografias ilustrativas |
Remover
postes telefónicos, linhas, etc., que distraiam a atenção (exemplo: poste a
“sair” da cabeça de uma pessoa) |
2,04 |
2,33 |
2,5 |
4,2 |
Remover
anúncios publicitários das camisolas dos jogadores |
1,09 |
1,85 |
2,3 |
3,8 |
Remover
objectos que possam passar por publicidade (exemplo: tirar uma lata de Coca
Cola da imagem) |
1,31 |
1,82 |
2,26 |
4,2 |
Remover
objectos que dificultem a leitura da imagem ou estraguem a sua estética
(exemplo: eliminar os carros estacionados
em frente a um monumento ou outro motivo) |
1,64 |
1,66 |
2,44 |
4,8 |
Mudar
ligeiramente as cores de objectos ou pessoas (por exemplo, por os dentes mais
brancos) |
1,44 |
1,44 |
2,16 |
3,83 |
Modificar
as cores para dar um novo sentido à imagem (por exemplo, avermelhar a água
para que esta passe por sangue ou avermelhar o céu para passar por um pôr do
sol) |
1 |
1 |
1,63 |
3,24 |
Remover
objectos do plano de fundo que tiram relevo ao motivo |
1,61 |
1,74 |
2,07 |
3,5 |
Mover
objectos para a beira do motivo (exemplo: bola para a beira do jogador) |
1,46 |
1,64 |
2,07 |
3,27 |
Remover
pessoas do plano de fundo quando desviam a atenção do motivo |
1,11 |
1,52 |
2,05 |
3,22 |
Remover
pessoas do primeiro plano quando desviam a atenção do motivo |
1,11 |
1,11 |
2,11 |
2,88 |
Reenquadrar,
sem abandonar o formato (ao alto ou ao baixo), apenas suprimindo “ar” |
4 |
4,09 |
4,75 |
4,75 |
Reenquadrar,
sem abandonar o formato, suprimindo objectos |
2,82 |
3,3 |
3,61 |
4 |
Reenquadrar,
sem abandonar o formato, suprimindo pessoas |
1,5 |
2,6 |
3,07 |
3,63 |
Reenquadrar,
alterando o formato (colocar ao alto uma foto ao baixo ou vice-versa), apenas
suprimindo “ar” |
2,8 |
2,83 |
3,55 |
4,38 |
Reenquadrar,
alterando o formato, suprimindo objectos |
2,07 |
2,71 |
2,88 |
3,86 |
Reenquadrar,
alterando o formato, suprimindo pessoas |
1,26 |
2,07 |
2,77 |
3,61 |
Combinar,
numa única foto, pessoas e/ou objectos de fotografias distintas |
1,72 |
1,77 |
2,14 |
3,44 |
“Embaciar”
ou atenuar um fundo para destacar o motivo |
1,61 |
1,7 |
2,11 |
3,61 |
Intensificar
as cores para gerar maior intensidade gráfica |
2,5 |
2,57 |
2,61 |
3,55 |
Ampliar
uma parte da imagem transferindo objectos (por exemplo, transferir uma bola
de futebol que se perderia ao reenquadrar-se uma foto para dentro do novo
enquadramento) |
1,37 |
1,7 |
1,77 |
3,33 |
Apagar o
plano de fundo para realçar o motivo |
1,3 |
1,57 |
1,87 |
3,35 |
Apagar ou
tapar matrículas, rostos, etc., de maneira a proteger a identidade das
pessoas representadas na imagem (exemplo: esbranquiçar a matrícula do carro
do cliente de uma prostituta e tapar o rosto dela e dele) |
4,77 |
4,8 |
4,8 |
4,8 |
Média dos valores médios |
1,88 |
2,17 |
2,61 |
3,78 |
Tabela 12
Tolerância dos fotojornalistas à manipulação digital de
fotografias jornalísticas
(Desvios-padrão arredondados das respostas em função das
diferentes categorias de fotografias)
– |
Spot news |
Fotos
“semi-planeáveis” |
Feature photos |
Fotografias ilustrativas |
Remover
postes telefónicos, linhas, etc., que distraiam a atenção (exemplo: poste a
“sair” da cabeça de uma pessoa) |
1,05 |
0,93 |
0,78 |
0,24 |
Remover
anúncios publicitários das camisolas dos jogadores |
0,03 |
0,89 |
1,3 |
0,69 |
Remover
objectos que possam passar por publicidade (exemplo: tirar uma lata de Coca
Cola da imagem) |
0,61 |
0,86 |
1,07 |
1,02 |
Remover
objectos que dificultem a leitura da imagem ou estraguem a sua estética
(exemplo: eliminar os carros estacionados
em frente a um monumento ou outro motivo) |
0,32 |
0,32 |
1,27 |
0,21 |
Mudar
ligeiramente as cores de objectos ou pessoas (por exemplo, por os dentes mais
brancos) |
0,29 |
0,29 |
1,25 |
1,32 |
Modificar
as cores para dar um novo sentido à imagem (por exemplo, avermelhar a água
para que esta passe por sangue ou avermelhar o céu para passar por um pôr do
sol) |
0 |
0 |
0,36 |
0,61 |
Remover
objectos do plano de fundo que tiram relevo ao motivo |
0,36 |
0,52 |
1,14 |
1,25 |
Mover
objectos para a beira do motivo (exemplo: bola para a beira do jogador) |
0,27 |
0,32 |
1,15 |
1,87 |
Remover
pessoas do plano de fundo quando desviam a atenção do motivo |
0,05 |
0,47 |
0,1 |
1,59 |
Remover
pessoas do primeiro plano quando desviam a atenção do motivo |
0,05 |
0,05 |
0,13 |
1,41 |
Reenquadrar,
sem abandonar o formato (ao alto ou ao baixo), apenas suprimindo “ar” |
0 |
0,05 |
0,44 |
0,42 |
Reenquadrar,
sem abandonar o formato, suprimindo objectos |
1,25 |
1,39 |
1,55 |
0 |
Reenquadrar,
sem abandonar o formato, suprimindo pessoas |
0,93 |
1,23 |
1,16 |
1,67 |
Reenquadrar,
alterando o formato (colocar ao alto uma foto ao baixo ou vice-versa), apenas
suprimindo “ar” |
0,55 |
0,6 |
1,04 |
0,93 |
Reenquadrar,
alterando o formato, suprimindo objectos |
1,02 |
1,39 |
1,59 |
1,25 |
Reenquadrar,
alterando o formato, suprimindo pessoas |
0,49 |
1,56 |
0,03 |
1,14 |
Combinar,
numa única foto, pessoas e/ou objectos de fotografias distintas |
0,51 |
0,52 |
1,23 |
1,41 |
“Embaciar”
ou atenuar um fundo para destacar o motivo |
0,36 |
0,58 |
1,1 |
1,22 |
Intensificar
as cores para gerar maior intensidade gráfica |
1,16 |
1,33 |
0,8 |
1,19 |
Ampliar
uma parte da imagem transferindo objectos (por exemplo, transferir uma bola
de futebol que se perderia ao reenquadrar-se uma foto para dentro do novo
enquadramento) |
0,85 |
0,59 |
0,6 |
1,59 |
Apagar o
plano de fundo para realçar o motivo |
0,82 |
0,43 |
0,19 |
1,61 |
Apagar ou
tapar matrículas, rostos, etc., de maneira a proteger a identidade das
pessoas representadas na imagem (exemplo: esbranquiçar a matrícula do carro
do cliente de uma prostituta e tapar o rosto dela e dele) |
0,35 |
0,21 |
0,21 |
0,21 |
Média dos desvios-padrão |
0,51 |
0,66 |
0,86 |
1,03 |
6. Discussão
dos resultados
Em primeiro lugar, deve-se reconhecer que os
resultados obtidos com o inquérito se referem, em última instância, aos
fotojornalistas que responderam. Porém,
como já disse, estou convencido de que os resultados obtidos representam
minimamente a realidade, já que uma amostra cujo tamanho deve corresponder a
cerca de 34,7% de todos os profissionais (excluindo os que trabalham para
revistas de sociedade e femininas) me parece minimamente representativa do
universo dos fotojornalistas portugueses.
Ainda assim, conforme é visível pela tabela que discrimina as respostas
pelo tipo de imprensa (tabela 1), a percentagem específica de respostas
desvia-se em maior ou menor grau da percentagem que reflecte a dimensão
relativa de cada “grupo” de fotojornalistas portugueses. Portanto, as conclusões desta investigação
poderão desviar-se ligeiramente do que acontece de facto na realidade.
No que respeita à amostra, os resultados obtidos
revelam que o fotojornalismo em Portugal é uma profissão de pessoas novas
(média de idades de 35,3 anos; 49,3% dos profissionais com idades até 35 anos)
e um dos redutos jornalísticos conservados nas mãos do sexo masculino (90,5%
dos fotojornalistas que responderam eram homens). Neste último ponto, o fenómeno colide com a tendência de
feminilização do jornalismo português que se vem notando com particular
intensidade desde o início dos anos noventa[4].
A maioria dos fotojornalistas (70,3%) trabalha num
único órgão de comunicação social, embora uma percentagem significativa busque
receitas complementares exercendo a profissão em dois (16,2%) ou três, quatro e
mesmo cinco (13,5%) organizações noticiosas.
Para 83,3% dos fotojornalistas, o Código Deontológico
dos Jornalistas Portugueses deveria definir as condições em que uma fotografia
pode ser digitalmente manipulada. O
mesmo número de foto-repórteres responde positivamente quando confrontado com a
ideia de o observador ser sempre informado quando está perante uma fotografia
digitalmente manipulada. Um número
ligeiramente inferior de jornalistas fotográficos (80,5%) concordaria em
colocar um pequeno símbolo identificativo nas fotografias que tivessem sido
sujeitas a manipulação digital.
Os resultados demonstram também que, embora a
captação digital de fotografias jornalísticas, devido ao custo dos
equipamentos, ainda não esteja muito generalizada em Portugal (Sousa, 1997), o
tratamento informático de imagens fotográficas já se incorporou nas rotinas de
processamento de foto-informação no nosso país (70,2% dos fotojornalistas
fazem-no sempre ou frequentemente e 10,8% pelo menos algumas vezes). Percentagens tão elevadas permitem
igualmente dizer que esta tendência se tem desenhado transorganizacionalmente,
penetrando glocalmente[5]
na cultura profissional.
Registe-se, igualmente, que, ao contrário do que eu
esperava (devido aos novos contextos educacionais e civilizacionais), não houve
um único fotojornalista com mais de dez anos de profissão que nunca tivesse
tratado digitalmente fotografias; pelo contrário, foi no grupo de
fotojornalistas com menos anos de profissão que se encontraram profissionais
que nunca trataram informaticamente as suas imagens (tabela 7). Os foto-repórteres mais calejados
mostraram-se, assim, significativamente abertos à introdução de novas técnicas
de processamento da foto-informação.
Da mesma maneira, foi entre os foto-repórteres com
idade igual ou superior a 36 anos que se encontraram menos fotojornalistas que
referem nunca ter tratado digitalmente as suas imagens (dois, ou seja, 2,7%);
inversamente, no conjunto de fotojornalistas com idade igual ou inferior a 35
anos, os números ascendem a doze fotojornalistas (16,2%). Porém, conforme é indicado na nota da tabela
7, estes dados parecem estar inflacionados, pois, pela tabela 9, verifica-se
que apenas quatro dos fotojornalistas que responderam ao inquérito nunca terão
usado qualquer procedimento digital de tratamento de fotografias. A explicação que me ocorre, conforme
vinquei, é a de que os fotojornalistas não perspectivaram certas operações
digitais, de que os reenquadramentos são exemplo, como uma forma de tratamento
digital de imagens, já que estes procedimentos seriam semelhantes às técnicas
usadas nos laboratórios tradicionais.
No geral, os editores fotográficos dos jornais,
revistas e agências têm um peso determinante na decisão sobre se uma fotografia
jornalística será digitalmente tratada, embora o peso dos foto-repórteres
também seja significativo (tabela
8). De qualquer modo, este dado indicia
uma transferência de soberania sobre a foto do fotógrafo-autor para outras
entidades (editores, chefias, direcção, designers,
etc.). O peso dos designers neste processo decisório concorre para demonstrar o
triunfo do design global que se foi
configurando na imprensa a partir de meados dos anos oitenta (recorde-se o pioneiro
USA Today), devido ao aparecimento e
aproveitamento das novas tecnologias informáticas e multimédia de processamento
gráfico da informação.
Entre as operações de processamento digital de
fotografias que os fotojornalistas inquiridos já realizaram, as mais comuns
são, por ordem decrescente, os reenquadramentos (feitos por 94,6% dos
fotógrafos), a contrastação ou sharpening
(86,5%), os ajustes de tonalidade (81,1%), os ajustamentos das cores e a
“limpeza” da imagem devido a “lixos” do negativo (70,3%), a ampliação e redução
de partes da fotografia (54,1%), o realce ou atenuação do motivo (52,7%) e os
efeitos de máscara (44,6%).
Contrariamente às minhas expectativas, reforçadas pela minha convicção
de que no campo fotojornalístico português ainda reina a ideologia da
objectividade, sendo a foto vista como o espelho da realidade e não como um
artefacto construído por acção pessoal, social, ideológica, cultural, física e
tecnológica (Sousa, 1997), fotojornalistas em percentagem relativamente elevada
realçaram que já apagaram objectos das imagens (28,4%) ou mesmo pessoas (6,8%)
[parece existir um maior respeito pelas pessoas do que pelos objectos], que já
sujeitaram as fotos a operações de rotação e reflexão (20,3%), que já
misturaram elementos de várias fotografias numa única (13,5%), etc. (tabela
9). Assim, e embora a informação
exposta na tabela 10 pareça indiciar que os foto-repórteres portugueses
dificilmente cederiam a enganar o observador com fotografias digitalmente
manipuladas, várias fotografias truncadas já foram, certamente, publicadas na
imprensa portuguesa, provavelmente, em alguns casos, sem qualquer atributo que
as identificasse como tal.
Se cruzarmos a informação exposta na tabela 9 com os
dados constantes da tabela 11, podemos apresentar ainda a hipótese de que as
fotografias que foram digitalmente alteradas pelos fotojornalistas
(especialmente no que diz respeito ao apagamento de pessoas e objectos) teriam
sido sobretudo fotografias ilustrativas ou, secundariamente, feature photos, pois as imagens destes
tipos são aquelas que os foto-repórteres mais rapidamente consentiriam em
alterar.
Os dados expostos na tabela 11 confirmam as duas
principais hipóteses levantadas quando esta pesquisa foi configurada[6]. Embora as elevadas tolerâncias aos reenquadramentos
em que apenas se suprime “ar” e às técnicas digitais de protecção da identidade
de pessoas fotografadas tenham empolado os resultados, pode-se dizer que os
fotojornalistas portugueses são relativamente intolerantes à manipulação
digital das spot news (média das
respostas de 1,88), minimamente mais tolerantes à manipulação digital das fotos
planeáveis (média das respostas de 2,17), ainda algo mais tolerantes à
manipulação digital das feature photos
(média das respostas de 2,61) e relativamente abertos à manipulação digital de
fotografias ilustrativas (média de 3,78).
Contudo, no geral podemos afirmar que os níveis de tolerância à
manipulação digital são baixos, pelo que os diversos tipos de fotografias
jornalísticas correm poucos riscos de ser digitalmente alteradas, especialmente
se excluirmos o caso das fotografias ilustrativas.
As diferenças assinaladas nas médias dos índices de
tolerância permitem também afirmar que o sistema classificativo proposto é
válido e que os fotojornalistas, de facto, mesmo não conscientemente,
categorizam as fotos de uma forma aproximada do modelo que aqui propus (ou,
pelo menos, teriam reparado, com o inquérito, de que se poderiam taxionomizar
as fotos). Esse modelo, como disse,
baseia-se num continuum simbólico que
se estenderia das spot news às
fotografias ilustrativas, passando pelas fotografias semi-planeáveis e pelas feature photos. As spot
news seriam vistas pelos jornalistas fotográficos como essencialmente
denotativas e as fotografias ilustrativas seriam perspectivadas como
essencialmente conotativas. Pelo meio
ficariam as duas categorias restantes, respectivamente fotografias
semi-planeáveis e feature photos. Sendo este sistema classificativo válido e
logicamente articulado, então é possível prever o comportamento dos
fotojornalistas portugueses: eles serão mais tolerantes em relação à
manipulação digital das fotografias ilustrativas e sequencial e
progressivamente menos tolerantes em relação à manipulação digital de feature photos, de fotos semi-planeáveis
e, finalmente, de spot news.
Em três dos casos propostos, os foto-repórteres não
distinguiram as fotografias semi-planeáveis das spot news. Em seis outros
casos, as diferenças da pontuação média não ultrapassam algumas
centésimas. Em termos médios, apenas
0,29 pontos separam as duas médias gerais de classificação. Assim, spot
news e fotografias semi-planeáveis seriam as duas categorias taxionómicas
que os fotojornalistas menos categorizariam separadamente.
Os desvios-padrão (tabela 12) demonstram que, no
geral, os fotojornalistas foram consistentes nas suas repostas, isto é, os
graus de tolerância à manipulação digital de imagens são partilhados pelos
fotojornalistas: há um relativo consenso entre a classe dos fotojornalistas
portugueses sobre até que ponto pode uma fotografia jornalística ser submetida
a determinado número de operações de manipulação digital. A génese desse consenso poderá
hipoteticamente encontrar-se num determinado substrato comum de cultura
profissional. O acordo geral seria maior
para as spot news (média dos
desvios-padrão de 0,51), decrescendo posteriormente quanto mais a fotografia
caminhasse no sentido da conotação, isto é, quando se tratava, respectivamente,
de fotografias semi-planeáveis (0,66), de features
(0,86) e de fotografias ilustrativas (1,03).
Neste último caso, é provável que alguns fotojornalistas não encarem
essas imagens como fotografias jornalísticas “puras”, ao contrário de outros
que as vêem como imagens tão fotojornalísticas como as restantes. Os primeiros seriam, consequentemente, mais
abertos à sua manipulação digital do que os segundos. Diferentes classificações provocaram, então, desvios-padrão
relativamente altos em relação às médias.
7. Para além
da discussão dos resultados: algumas ideias
Penso que no fotojornalismo não se pode usar a
tecnologia da imagem digital para se contarem mentiras nem para se
desrealizarem arbitrariamente as representações fotográficas do mundo. Mas podem-se e devem-se usar todas as
ferramentas que permitam, fotograficamente falando, interpretar melhor a
realidade, contextualizar os assuntos e gerar um tipo de conhecimento que
ultrapasse a dimensão mais simples, embora igualmente importante, da informação
visual. Em meu entender, o que é
imprescindível é que o consumidor das fotografias jornalísticas saiba quando
está e quando não está perante uma imagem digitalmente manipulada, nomeadamente
quando a manipulação ultrapassa o reenquadramento legítimo e realizado pelo
fotojornalista, a acentuação do contraste, o realçamento de detalhes ou outros
procedimentos que não afectem o conteúdo manifesto da representação fotográfica
em causa. Portanto, e pensando na
eventual inserção de normas relativas à utilização jornalística da fotografia digital
no Código Deontológico, e atendendo a que o uso não deve ser confundido com
abuso, julgo que o primeiro princípio a reconhecer deverá ser sempre este: o
observador deve saber que tipo de imagem está a consumir. Isso poderia ser feito, como propôs a
Associação de Jornalistas da Noruega, através da inclusão de um pequeno símbolo
nas fotografias jornalísticas digitalmente manipuladas. Por outro lado, os diferentes observatórios
da comunicação já existentes ou em vias de criação deveriam integrar na sua
agenda uma certa preocupação com os conteúdos das fotografias publicadas na
imprensa ou difundidas pelas agências, procurando listar os casos de abuso na
utilização das tecnologias digitais de manipulação de imagem, como já sucede
noutros países, e desses abusos dar conhecimento público. Finalmente, mas não menos importante, haverá
que esclarecer a questão da propriedade intelectual, já que, não existindo
negativos, quando uma imagem sofre várias pequenas alterações em série feitas
por várias pessoas não só se pode ir degradando como também se torna difícil
definir a sua autoria.
Bibliografia
BARTHES,
Roland (1984) – O Óbvio e o Obtuso. Lisboa: Edições 70.
KELLY, James e
NACE, Diona (1993) – Credibility of digital news photos. Comunicação apresentada à
conferência anual da Association for Education in Journalism and Mass
Communication.
MITCHELL, William J. (1992) – The
Reconfigured Eye. Visual Truth in the
Post-Photographic Era. Cambridge:
The MIT Press.
REAVES, Shiela (1995) – The vulnerable image: Categories of photos as
predictor of digital manipulation. Journalism Quarterly, 72 (3): 706-715.
SOUSA, Jorge
Pedro (1997) -
Fotojornalismo Performativo. O Serviço de Fotonotícia da Agência Lusa de
Informação (tese de doutoramento).
Santiago de Compostela: Universidade de Santiago de Compostela (edição
em CD-ROM).
TUCHMAN, Gaye (1978) – Making
News. A Study in the Construction of
Reality. New York: The Free Press.
WORTH, Sol e GROSS, Larry (1974) – Symbolic strategies. Journal
of Communication, 24 (1): 27-39.
[1] Doutorado em Ciências da Informação pela Universidade de Santiago de Compostela; professor auxiliar da Universidade Fernando Pessoa - Porto.
[2] Inclui jornais semi-especializados/semi-de informação geral, como o Diário Económico, e jornais diários de expansão regional, como O Primeiro de Janeiro, Diário do Alentejo, Diário de Notícias (Funchal), etc.
[3] Considero, para o presente estudo, como “amostra” o conjunto de fotojornalistas que responderam ao inquérito. Não lhe dou, portanto, o seu significado estatístico.
[4] Ver: Segundo Inquérito Nacional aos Jornalistas Portugueses, coordenado por José Luís Garcia e apresentado ao III Congresso Nacional dos Jornalistas Portugueses (1998).
[5] Glocalmente: globalmente a nível local, isto é, em Portugal.
[6] Ver o ponto 3 deste artigo, intitulado “Hipóteses”.