Jorge Pedro Sousa 1, Universidade Fernando Pessoa
Abstract
In this study, based on a national survey of the information directors
of 60 "national" newspapers, radios, television networks and news agencies,
I found out that, according to their point of view, the adequate profile
of a person who wants to be a journalist in Portugal must have all of the
following characteristics: to have an university degree, but not exclusively
in journalism, to have professional, specialized but multifunctional training,
to have knowledge of the field in which he or she is going to work, especially
an academic course in the field (for instance, post-graduate courses in
economics, or sports, or politics, etc.), to have aptitude in many new
technologies, to be rigorous and to be honest.
1. Introdução e objectivos
Os jornalistas de hoje em dia já não conseguem trabalhar eficaz e eficientemente apenas com conhecimentos do passado. Nem conseguem trabalhar esclarecidamente apenas com as competências adquiridas na tarimba. A partir dos anos oitenta foram-se, assim, institucionalizando em Portugal diversos cursos de ensino superior orientados para a formação de comunicólogos, especialmente de jornalistas. Todavia, ainda está por fazer um balanço rigoroso do sucesso desses cursos e da adequação real que tiveram ao mercado e às exigências que eram colocadas por uma sociedade em transformação, apesar de as redacções se terem enchido de jornalistas com formação em ciências da comunicação.
Entretanto, dos anos oitenta para os anos noventa o jornalismo evoluiu muito, não só em Portugal mas também no mundo. As fronteiras da actividade diluíram-se. Marketing, audiências e informática, em todas as organizações noticiosas, design e infografia, especificamente na imprensa, foram palavras que, para o bem e para o mal, se instalaram no jargão jornalístico e no dia a dia das redacções, acompanhando fenómenos paradoxais, como o da homogeneização dos conteúdos e da segmentação das audiências ou o da desregulamentação dos meios de comunicação e da sua concentração pró-monopolista e oligopólica, com o consequente aproveitamento de sinergias intra-oligopólios e, por vezes, mesmo inter-oligopólios (alianças estratégicas).
No mundo do início dos anos oitenta, não se adivinhava a globalização exponencial de um fenómeno reservado a iniciados como era a Internet, onde não há órgão de comunicação que se preze que não tenha uma edição on line e através da qual muitos jornalistas obtêm informação a que dificilmente teriam acesso de outro modo.
No nosso país, no início dos anos oitenta não existiam jornais como O Independente ou o Público, nem rádios como a TSF ou a miríade de rádios locais e regionais. Não existiam estações privadas de televisão como a SIC, nem televisões por cabo. O aparecimento de televisões regionais e locais ainda não tinha sido contemplado na Lei portuguesa. Não se falava tanto de sensacionalismo nem de exploração gratuita das emoções devido à luta pelas audiências. Não se falava da eventual necessidade de uma Ordem dos Jornalistas. Não tinha havido ainda um Caso Taveira nem os computadores tinham chegado às empresas, obrigando a dolorosas reconversões e, na imprensa, também ao despedimento de muitos tipógrafos. Talvez não se falasse tanto de ética e deontologia, a não ser para reclamar pluralismo à RTP e para bater no estafado dogma da objectividade e do seu modelo correspondente de separação entre informação e opinião, apesar de já se sentir que gradualmente os jornalistas se estavam a apropriar do campo da análise.2
Acompanhando as mudanças, o ensino superior do jornalismo também foi mudando, embora timidamente. Foram-se fazendo ajustamentos e restruturações curriculares. Porém, que eu tenha conhecimento, nunca se perguntou às empresas jornalísticas qual o perfil de jornalista que elas pretendem recrutar, de forma a tornar-se possível adequar gradualmente a formação superior de jornalistas às exigências do mercado, isto sem excluir que a acção universitária não possa inverter a situação e modificar as empresas de forma a que estas se adaptem às qualidades dos diplomados do ensino superior. Todavia, esta é, certamente, uma hipótese menos realista do que a primeira.
O presente estudo remete para todo este enquadramento situacional para se justificar. De facto, os cursos superiores que pretendem formar pessoas habilitadas a exercer a profissão de jornalista têm provavelmente sido instituídos sem se atender completamente às exigências actuais ou futuras do mercado. E isto num contexto em que nem sequer é nítido que as empresas pretendam ter preferencialmente como jornalistas pessoas habilitadas com cursos superiores de jornalismo. Ora, se as empresas não são auscultadas, então saem a perder as instituições de ensino superior, que se encerram num autismo prejudicial a si mesmas e aos seus estudantes. E saem a perder as próprias empresas, que não conseguem recrutar os candidatos a jornalista que efectivamente pretenderiam e idealizariam.
Face à situação exposta, o presente estudo tem
por objectivo primordial dar um primeiro passo para que a conjuntura se
inverta, procurando, com um inquérito a directores de empresas jornalísticas,
obter dados para propor ajustamentos curriculares destinados a sintonizar
os cursos ministrados no ensino superior português com a formação
que as empresas solicitam privilegiadamente aos candidatos a jornalistas.
Todavia, é, desde já, importante realçar que este
inquérito foi tendencialmente direccionado para os órgãos
de comunicação com "expressão nacional", pelo que
não contempla o estudo das exigências específicas que
a imprensa regional e local (rádios, jornais e, futura e, hipoteticamente,
televisões) solicita aos candidatos a jornalistas. Ainda assim,
foram inquiridos os directores de jornais diários de Aveiro, do
Funchal, de Viseu, da Guarda e de Leiria e os directores de jornais de
expressão regional, como O Primeiro de Janeiro ou O Comércio
do Porto.
2. Hipóteses
Tendo em consideração as mudanças sofridas pelo jornalismo e os novos valores que norteiam a actividade, procurar-se-á, neste estudo, testar principalmente as seguintes hipóteses:
Este estudo baseou-se num inquérito enviado por correio a 60 directores de informação de jornais, rádios, televisões e agências noticiosas de todo o território português (tabela 1). Receberam-se, até 10 de Abril de 1998 (data limite), 11 respostas (em envelope RSF), o que representa uma taxa de adesão à pesquisa de 18,3%. Embora se tenham incluído alguns directores de jornais de expressão regional ou local no mailing, o inquérito direccionou-se principalmente para os órgãos de comunicação social de difusão "nacional", ou, mais precisamente, de "grande" difusão. Por isso, os resultados do inquérito darão principalmente conta do perfil ideal do candidato a jornalista para um órgão de comunicação de grande difusão e não do perfil ideal do candidato a jornalista para a imprensa regional e local.
Tabela 1
Relação do envio dos questionários por áreas de actividade dos órgãos de comunicação social
enviados à imprensa (N.º) |
enviados à imprensa (%) |
enviados às rádios (N.º) |
enviados às rádios (%) |
enviados às televisões (N.º) |
enviados às televisões (%) |
enviados às agências (N.º) |
enviados às agências (%) |
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O inquérito possuía perguntas de resposta aberta e fechada. As primeiras questões procuravam avaliar até que ponto os directores de informação consideram importante ou mesmo obrigatória a efectivação de um estágio ou de outro tipo de formação profissional. No grupo seguinte, pedia-se aos directores de informação que hierarquizassem doze modalidades diferentes de formação em função da sua adequabilidade ao exercício eficaz e esclarecido da profissão de jornalista. Logo após, surgiam questões abertas e fechadas sobre qual a modalidade de formação mais adequada ao exercício eficaz e esclarecido da profissão de jornalista, os requisitos mínimos para acesso à profissão e as qualidades humanas e profissionais desejáveis num jornalista. Este item remetia, inclusivamente, para um grupo em que se enumeravam várias qualidades humanas e profissionais e se solicitava aos directores de informação que valorizassem essas qualidades atribuindo-lhes uma classificação de um ("nada importante") a cinco valores ("muitíssimo importante"). Posteriormente, os directores de informação eram convidados a avaliar, da mesma maneira, a importância de diversas disciplinas para um curso superior de jornalismo. O inquérito encerrava com a avaliação dos estabelecimentos de ensino superior com cursos nas áreas da comunicação e do jornalismo quanto à capacidade que eles revelam de formar jornalistas.
Os directores de informação que responderam ao inquérito dirigiam fundamentalmente órgãos da imprensa (escrita), conforme se pode ver pela tabela 2. Nenhum director de informação televisiva respondeu ao inquérito. Porém, penso que se podem considerar os resultados minimamente representativos, já que englobam dados de diversos tipos de empresas jornalísticas. Pelo menos, julgo que os resultados mais consensuais do inquérito permitem demarcar nitidamente determinadas tendências de pensamento.
Tabela 2
Composição do universo das respostas segundo a área de actividade dos órgãos de comunicação social
(N.º) |
(%) |
(N.º) |
(%) |
(N.º) |
(%) |
(N.º) |
(%) |
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Nas tabelas 3 a 10 pode-se observar a forma como os directores de informação responderam a uma série de questões relacionadas com a formação.
Tabela 3
"Considera importante para o exercício da profissão de jornalista a conclusão de um curso superior?"
(N.º) |
(%) |
(N.º) |
(%) |
do curso (N.º) |
(%) |
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Tabela 4
"Considera obrigatório para o exercício da profissão de jornalista a conclusão de um curso superior?"
Sim (N.º) |
Sim (%) |
(N.º) |
(%) |
Não (N.º) |
Não (%) |
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Tabela 5
"Considera importante para o exercício da profissão de jornalista a frequência de algum tipo de formação profissional específica?"
Sim (N.º) |
Sim (%) |
(N.º) |
(%) |
Não (N.º) |
Não (%) |
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Tabela 5.1
"Que tipo de formação profissional específica?"
(N.º) |
(%) |
(N.º) |
(%) |
(N.º) |
(%)* |
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Tabela 6
"Considera obrigatório para o exercício da profissão de jornalista a frequência de algum tipo de formação profissional específica?"
Sim (N.º) |
Sim (%) |
(N.º) |
(%) |
Não (N.º) |
Não (%) |
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Tabela 6.1
"Que tipo de formação profissional específica?"
(N.º) |
(%)* |
(N.º) |
(%)* |
(N.º) |
(%)* |
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*As percentagens foram calculadas em função do número total de respostas constante da tabela 6 (onze respostas).
Tabela 7
"Na sua opinião os estabelecimentos de ensino superior podem substituir os órgãos jornalísticos enquanto entidade organizadora de estágios profissionais (simulados)?"
(N.º) |
(%) |
(N.º) |
(%) |
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Tabela 8
"Na sua opinião os centros de formação profissional podem substituir os órgãos jornalísticos enquanto entidade organizadora de estágios profissionais (simulados)?"
(N.º) |
(%) |
(N.º) |
(%) |
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Tabela 9
"Considera obrigatório para o exercício da profissão de jornalista a realização de um estágio num órgão de comunicação social?"
(N.º) |
(%) |
(N.º) |
(%) |
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Tabela 10
"Considera obrigatório para o exercício da profissão de jornalista a realização de um estágio, mesmo que este seja simulado e não seja realizado num órgão de comunicação social?"
Sim (N.º) |
Sim (%) |
(N.º) |
(%) |
Não (N.º) |
Não (%) |
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Os directores de informação foram convidados a hierarquizar de um a doze um outro tanto número de modalidades de formação em função da adequabilidade das mesmas ao exercício não só eficaz mas também esclarecido da profissão de jornalista. As suas respostas são resumidas na tabela 11.
Tabela 11
Hierarquização de modalidades propostas de formação
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(Posição hierárquica) |
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(12) |
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(11) |
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(9) |
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(4) |
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(2) |
0,9 |
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(6) |
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(10) |
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(8) |
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7,6 (7) |
1,50 |
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5,3 (3) |
2,61 |
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(5) |
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(1) |
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(2) |
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Convidados a pronunciarem-se, numa questão de resposta aberta, sobre qual a modalidade de formação mais eficaz e esclarecida da profissão de jornalista, 81,1% dos directores de informação insistiram coincidente e principalmente na necessidade de uma formação que case um curso superior, não obrigatoriamente de jornalismo, e um estágio num órgão de comunicação social. Um dos directores (9,1%) acrescentou a "frequência da área de Humanísticas no secundário". Dois (18,2%) realçaram a necessidade de "formação especializada" num medium. Outros dois (18,2%) preconizaram a especialização na área em que o jornalista pretende vir a exercer (economia, política, etc.). Dois directores de informação (18,2%) referiram-se também à necessidade de a formação garantir uma espécie de multifuncionalidade jornalística, ou seja, os jornalistas num determinado meio de comunicação (imprensa, rádio, televisão, meios on line) deveriam ser capazes de exercer várias funções dentro desse meio se para isso fossem solicitados (por exemplo, em imprensa deveriam ser capazes de escrever um texto, fotografar, fazer infográficos e paginar, etc.).
Inquiridos numa outra pergunta de resposta aberta sobre quais os requisitos mínimos para acesso à profissão, a maioria (81,1%) dos directores de informação insistiu na posse de uma licenciatura e na realização de um estágio ou noutro tipo de formação profissional. Apenas um director (9,1%) admitiu o "liceu completo" como requisito mínimo para o acesso à profissão. Dois directores (18,2%) referiram-se à "obrigatoriedade de um curso de jornalismo".
Também em pergunta de resposta aberta, todos os directores de informação mencionaram que, no caso de terem de recrutar jornalistas para o seu órgão de comunicação social, privilegiariam o que poderíamos designar, a exemplo de um deles, por "sólida formação moral e humana" e "sentido ético". Apenas seis (54,5%) fizeram referência ao que genericamente poderíamos classificar como "domínio técnico", usando, para tal, expressões como "saber escrever, sem erros, sem hesitações", "dominar o português", "conhecer fontes", etc. A "independência" foi mencionada por dois directores de informação (18,2%). Um dos directores de informação (9,1%) falou da "capacidade de relacionamento". Outro destacou a "prática anterior, o espírito de equipa e a objectividade" como importantes qualidades pessoais a privilegiar num recrutamento.
A "cultura geral" foi uma das mais citadas qualidades profissionais, tendo sido referida por cinco directores de informação (45,5%). Note-se, porém, que sob esta denominação genérica se escondem várias respostas, como "conhecimento mínimo dos titulares dos cargos públicos", "saber de geografia, história, relações internacionais, artes e letras, etc.", "conhecer as organizações sociais e a estrutura político-administrativa portuguesa e mundial" e outras.
Um director de informação (9,1%) escreveu: "Daria preferência a pessoas extrovertidas, ambiciosas e aguerridas e com humildade para querer aprender o que ainda não sabem". De forma semelhante, outro director disse que daria preferência a candidatos que tivessem "vontade de aprender, de evoluir, humildade. Entrega ao trabalho e dedicação ao título que representa."
Dentro do contexto das anteriores perguntas de resposta aberta, foi pedido aos directores de informação que avaliassem a posse de um curso superior e a relação deste factor com o exercício do jornalismo. Os resultados encontram-se expressos na tabela 12.
Tabela 12
Cursos superiores e exercício do jornalismo
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Sim (N.º) |
Sim (%) |
do curso* (N.º) |
do curso* (%) |
Não (N.º) |
Não (%) |
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4 |
36,4% |
6 |
54,5% |
1 |
9,1% |
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Aos directores de informação foi igualmente pedido que avaliassem entre um ("nada importante e inadequado") e cinco ("muitíssimo importante e adequado") vários objectivos genéricos de um curso superior hipotético de jornalismo. A tabela 13 dá conta dos resultados, significativamente coincidentes:
Tabela 13
Objectivos de um curso superior hipotético de jornalismo
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Os directores de informação foram, posteriormente, solicitados a avaliar as qualidades humanas e profissionais que um jornalista deve possuir, dentre uma lista não limitada (podia ser aumentada) de 43 itens e usando, para o efeito, uma escala entre um ("nada importante") e cinco ("muitíssimo importante"). Na tabela 14 podem-se observar os resultados.
Tabela 14
Qualidades humanas e profissionais que os jornalistas devem apresentar
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(Posição hierárquica) |
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(7) |
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(2) |
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(6) |
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(9) |
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(1) |
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(1) |
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(2) |
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(3) |
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(3) |
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(4) |
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(5) |
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(3) |
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(12) |
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(7) |
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(6) |
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(1) |
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(7) |
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(17) |
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(1) |
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(10) |
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(15) |
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(16) |
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(8) |
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(1) |
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(15) |
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(6) |
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(2) |
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(3) |
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(1) |
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(12) |
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(13) |
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(1) |
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(11) |
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(14) |
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(13) |
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(8) |
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(18) |
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(10) |
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(5) |
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(10) |
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(21) |
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(19) |
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(20) |
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A questão seguinte do inquérito, aberta, dizia respeito ao profissionalismo jornalístico. Nela perguntava-se aos directores de informação o que é o profissionalismo jornalístico e o que é que fazia de um jornalista um bom profissional. As características mais referidas pelos directores de informação foram, em síntese, o domínio técnico, a independência e o respeito pela deontologia. Um dos directores (9,1%) identificou a objectividade e a separação entre informação e opinião como um dos valores profissionais. De qualquer modo, a generalidade das respostas era complexa e globalizante. Eis alguns exemplos:
- "A sua cultura geral e específica; o rigor e autenticidade na informação; a isenção e a clareza na exposição noticiosa; facilidade de argumentação."
- "[O que faz de um jornalista um bom profissional] são os conhecimentos técnicos, é o respeito pelas regras da profissão, o respeito pelo outro, a determinação e a independência."
- "Ser rigoroso no relato dos factos. Tentar contar/relatar a história que tem em mãos sem ter a tentação de dar opinião. Ser perseverante para conseguir um bom trabalho, de forma objectiva e, de preferência, bem escrito. Ser íntegro, honesto e bem formado."
- "O respeito e a observância das regras éticas e deontológicas e a capacidade de análise e de síntese. Naturalmente que a bagagem cultural é de extrema importância para o bom desempenho da profissão."
- "Capacidade técnica, rigor na exposição, na análise e na argumentação, apuro ético-deontológico, honestidade e dinamismo, independência face aos poderes".
- "Um bom jornalista tem de ser independente: o seu principal compromisso deve ser com o público. Mas um bom jornalista também tem de empenhar-se no que faz e tem de saber fazer, sem transpor os limites do decoro, da decência, da ética e da deontologia."
Convidados a pronunciarem-se sobre as qualidades humanas e profissionais que um curso superior de jornalismo pode e deve fomentar nos educandos, os directores de informação salientaram principalmente o domínio técnico (dez vezes, 90,9%). O conhecimento e o respeito pela deontologia profissional também foram qualidades várias vezes referidas (oito vezes, 72,7%). Eis algumas das respostas:
- "Dignidade social, honestidade no trabalho, educação, exigência na acção."
- "Um curso deve dar formação teórica, ao nível da teoria da comunicação. E ensinar o que é escrever bem português, uma das maiores falhas dos recém-licenciados. Deve [fomentar] a curiosidade e o sentido crítico e levantar as questões de ética."
- "Sentido de justiça e de solidariedade e uma boa preparação teórica e prática dos princípios e técnicas do jornalismo. É importante, se calhar, reforçar a vertente prática na universidade."
No que respeita ao elenco curricular de um curso de ensino superior adequado ao exercício profissional do jornalismo, são as disciplinas susceptíveis de conferir um certo domínio técnico as mais valorizadas, em consonância com as qualidades profissionais que os directores de informação apontam como mais importantes num candidato ao exercício da profissão de jornalista. Deste e de outros dados se pode dar conta na tabela 15, onde é mencionada a nota média atingida por várias disciplinas hipotéticas de um curso destinado a preparar futuros jornalistas. Registe-se ainda que essa "nota" foi dada numa escala de um a cinco, em que um significava "disciplina absolutamente dispensável" e cinco significava "disciplina totalmente indispensável", passe a redundância terminológica.
Tabela 15
Valorização de disciplinas hipotéticas de um curso de jornalismo adequado ao exercício profissional
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(Posição hierárquica) |
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(2) |
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(2) |
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(10) |
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(9) |
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(22) |
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(18) |
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(23) |
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(13) |
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(8) |
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(11) |
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(14) |
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(13) |
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(16) |
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(16) |
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(14) |
|
|
(17) |
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(15) |
|
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(24) |
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(20) |
|
|
(27) |
|
|
(25) |
|
|
(22) |
|
|
(21) |
|
|
(22) |
|
|
(20) |
|
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(8) |
|
|
(7) |
|
|
(21) |
|
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(13) |
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(11) |
|
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(21) |
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(12) |
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(26) |
|
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(16) |
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(28) |
|
|
(3) |
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(6) |
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(5) |
|
|
(11) |
|
|
(10) |
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(17) |
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(19) |
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(2) |
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(6) |
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(13) |
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(2) |
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|
(2) |
|
|
(2) |
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|
(2) |
|
|
(5) |
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(4) |
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(7) |
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|
(12) |
|
|
(19) |
|
|
(2) |
|
|
(2) |
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(2) |
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(1) |
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(21) |
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A parte seguinte do questionário tentava levar os directores de informação a hierarquizarem uma licenciatura em jornalismo, mas apenas um correspondeu ao desafio. A sua proposta era, após adaptações ao formato de um curso superior, a seguinte:
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Económica I |
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Em Português |
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Comunicação |
Económica II |
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Comunicação II |
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O questionário encerrava com a atribuição de notas entre um ("muito mau") e cinco ("muito bom") a diversos estabelecimentos de ensino superior levando em linha de conta a capacidade que estes revelam formar jornalistas. Na tabela 16 mostra-se o resultado dessa avaliação.
Tabela 16
Avaliação da qualidade dos estabelecimentos de ensino superior na formação de jornalistas
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(Posição hierárquica) |
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(5) |
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(6) |
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(1) |
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(4) |
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(8) |
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(5) |
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(4) |
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(3) |
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(5) |
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(6) |
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(7) |
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(2) |
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(9) |
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Ao contrário das minhas expectativas, uma vez que eu julgava que as novas necessidades profissionais configurariam a necessidade de uma formação superior especificamente em jornalismo, os directores dos órgãos jornalísticos preferem, sem grande dissonância (conforme se nota pelos valores tendencialmente reduzidos dos desvios-padrão), jornalistas cuja formação superior de base se direccione para a área em que estes últimos se pretendem especializar (economia, desporto, ciência política, etc.), desde que essa formação se conjugue posteriormente com uma pós-graduação genérica (nos diversos meios - 2,2) ou especializada (telejornalismo, radiojornalismo, etc. - 3,3) em jornalismo. Mesmo assim, é curioso que um curso superior na área temática em que o jornalista vai exercer tenha sido mais valorizado (6,3) como formação superior de base para um jornalista do que cursos genéricos de jornalismo (10,3) ou de ciências da comunicação (10,5). Em qualquer caso, a formação superior, seja em que área for, fica melhor posicionada do que a formação profissional em jornalismo pós-ensino secundário (que obteve a média de 10,8 quando especializada e de 11,8 quando genérica). Abrem-se, assim, novas perspectivas para as instituições de ensino superior que desejem estabelecer graduações e, especialmente, pós-graduações em jornalismo.
A formação superior de base em jornalismo ou ciências da comunicação, fosse ela genérica ou contemplasse ela uma formação especializada num medium, foi mais valorizada quando casada com uma pós-graduação na área temática em que o jornalista pretende exercer (economia, desporto, etc.), atingindo médias de 3,3 e 5,3 contra médias superiores a sete (no caso de essa pós-graduação não se realizar). Por seu turno, a formação de base em ciências da comunicação ou em jornalismo foi mais valorizada quando integrava uma área de especialização mediática.
Os dados da tabela 12, em consonância com as informações já expostas, mostram que os directores de informação consideraram que a posse de um curso superior, especialmente em certas áreas (jornalismo, direito, economia, etc.), dá condições a um jornalista para ser mais credível, mais influente e melhor profissional.
As questões de resposta aberta vêm, de uma forma geral, confirmar os dados obtidos nas perguntas de resposta fechada, nomeadamente no que respeita à formação de base para o exercício da profissão, que deveria basear-se na conjugação entre um curso superior e um estágio. No campo das aptidões profissionais que um curso superior de jornalismo ou uma pós-graduação em jornalismo deveriam fornecer, gostaria de realçar a formação multifuncional que dois directores realçaram e para a qual já venho alertando há algum tempo. Esta formação multifuncional prende-se com a necessidade de ajustamento ao mercado - hoje em dia as empresas mediáticas exigem crescentemente aos seus trabalhadores mais flexibilidade e polivalência, devido às necessidades de rentabilização da força produtiva e de aproveitamento de sinergias.
O consenso total entre os directores estabelece-se no patamar ético-deontológico. Todos eles exigiriam a candidatos à profissão de jornalista uma sólida formação moral e humana e um elevado sentido ético. Apenas 54,5% fazem referência ao que poderíamos designar por domínio técnico-profissional global (dominar o meio, saber relacionar-se com as fontes, etc.) como condição essencial para o acesso à profissão, enquanto 45,5% salientam a cultura geral como uma das estacas profissionais. Curiosamente, o dogma da objectividade ainda tinha razão de ser para um director.
Os directores de informação deram todos o valor máximo a uma série de objectivos propostos para um curso superior hipotético de jornalismo, conforme se pode ver pela tabela 13. Foi, assim, posição consensual que um curso superior de jornalismo deve alargar horizontes, disponibilizar conhecimentos, favorecer a auto-aprendizagem, conferir capacidades técnicas, incutir padrões éticos e deontológicos, ensinar a pensar, promover a socialização e a aculturação profissionais, solidificar o companheirismo, fortalecer a autonomia pessoal, incutir valores como o da responsabilidade social, o do rigor e o da honestidade, preparar os jovens para enfrentar o mercado e formá-los moral e civicamente.
Entre as qualidades humanas e profissionais mais apreciadas (tabela 14) encontram-se, com média máxima de cinco valores, o sentido ético, a capacidade de expressão, o respeito pela Lei e pela deontologia do jornalismo, a capacidade de cativar as fontes, a honestidade e o rigor. Estas qualidades são seguidas de perto pelo domínio técnico (4,8), pela capacidade de utilização de meios informáticos (4,8), pelas capacidades de entendimento e descodificação quer do que está em causa num acontecimento quer de ideias e problemas (4,7), pela capacidade de investigação (4,7), pela independência (4,8) e pela neutralidade (4,7). A capacidade de análise também foi significativamente valorizada (4,6).
Na minha visão, os dados permitem afirmar que estamos perante uma reformulação da escala de valores profissionais que catapultou para o topo o rigor, a honestidade (que têm expressão no Código Deontológico) e a deontologia, em detrimento da objectividade (3,4). Por seu turno, a importância das fontes para o jornalismo analítico e interpretativo faz com que a capacidade de as cativar adquira igualmente uma importância elevada. Será ainda a esse jornalismo interpretativo e analítico que vai ganhando espaço crescente nos órgãos de comunicação social (Barnhurst e Mutz, 1997) que se deverá a valorização especial da capacidade de investigação e da capacidade de análise. Porém, um pouco surpreendentemente os directores de informação valorizaram bastante a neutralidade, quando, de um certo modo, a interpretação e a análise pressupõem uma certa invasão desse terreno.
Dentro das minhas expectativas, uma vez que me parecem ser características importantes para um jornalista, os directores de informação relevaram a importância do domínio técnico e da capacidade de entendimento de ideias, problemas e acontecimentos. De igual modo, acentuaram a importância das novas tecnologias para o actual processo de fabrico de informação jornalística, ao atribuir uma média elevada (4,8) à capacidade de utilização dos meios informáticos.
Estranhamente, a capacidade de resistência a pressões não foi tão valorizada como eu previa, ficando-se pelos 3,8 (pressões externas) e 3,3 (pressões internas). Este poderá ser um sinal preocupante se significar uma certa cedência por parte dos órgãos de comunicação social aos grupos de interesse que proliferam na sociedade.
Só se notam algumas dissonâncias avaliativas, conforme se pode ver pelos desvios-padrão, quando os directores de informação analisaram a capacidade de auto-aprendizagem e, sobretudo, a objectividade. Neste último caso, torna-se nítido que o conceito de objectividade ainda divide opiniões entre os directores de órgãos jornalísticos, havendo certamente aqueles que reservam ao jornalista a possibilidade de analisar e de intervir ao elaborar matéria noticiosa e aqueles que pretendem idealisticamente manter os factos "separados" dos comentários e os jornalistas como "espelhos neutros" da realidade.
As respostas à questão aberta sobre o profissionalismo jornalístico, de uma forma geral, confirmam as tendências delineadas na tabela 14. Dentro das características que tornariam um jornalista um bom profissional destacar-se-iam, principalmente, o respeito pela Lei e pela deontologia e o domínio técnico. Seriam igual e principalmente estas qualidades que, na opinião dos directores de órgãos jornalísticos, um curso superior de jornalismo poderia e deveria promover nos educandos.
Quando instados a valorizar, atribuindo classificações entre um e cinco, várias disciplinas que eventualmente poderiam integrar-se numa licenciatura em jornalismo, os directores de informação tornaram nítido, sem grandes dissonâncias, que as "cadeiras" centrais de um curso desses deveriam ser as que fossem susceptíveis de conferir domínio técnico e de incutir padrões éticos e deontológicos nos candidatos à profissão, nomeadamente Estágio (5), Ética, Direito e Deontologia do Jornalismo (4,8), Géneros e Estilos Jornalísticos (4,8), Imprensa (4,8), Radiojornalismo (4,8) e Telejornalismo (4,8), Jornal-Laboratório (4,8), Estação de Rádio (4,8) e Estação de Televisão (4,8), Gramática Normativa do Português (4,8) e Oficina de Expressão Escrita em Português (4,8), Informática e Novas Tecnologias (4,7), Jornalismo On Line (4,6), Teoria da Notícia (4,5), Fotojornalismo (4,5), Teorias da Comunicação Social (4,3), Documentação e Investigação em Jornalismo (4,3) e Jornalismo Infográfico (4). Inesperadamente, uma disciplina que me parecia importante dentro da garantia de multifuncionalidade, polivalência e flexibilidade, a de Edição Gráfica, apenas mereceu uma pontuação média de 3,4. Todavia, a avaliação desta disciplina foi a mais diferenciada de todas, com o desvio-padrão a atingir 1,02.
Inglês (3,8), Oficina de Expressão Oral em Português (3,7), História Contemporânea de Portugal e do Mundo (3,9), Ciência Política (3,9), Economia (4), História do Jornalismo (3,6), Grandes Temas da Cultura Portuguesa (3,6), Estudos Europeus (3,6) e Jornalismo e Sociedade (3,7) foram as restantes disciplinas propostas cuja avaliação se situou acima do patamar de 3,5 valores, merecendo, certamente, na perspectiva dos directores de órgãos jornalísticos, a sua inclusão no elenco curricular de um curso superior de jornalismo.
Julgo que um currículo básico de um curso superior de jornalismo que representaria o pensamento dos directores de órgãos jornalísticos portugueses poderia ser sensivelmente o seguinte:
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Do ponto de vista dos directores dos órgãos jornalísticos que responderam ao inquérito, o melhor estabelecimento de ensino superior português no que respeita à formação de jornalistas é a Escola Superior de Jornalismo do Porto (4,3), seguida pelo ISCSP (4), pela Universidade Nova de Lisboa (3,9), pela Universidade Católica e pela Universidade de Coimbra (3,7). A Universidade do Minho fica-se nos 3,5 valores e as restantes situam-se à volta dos três valores. Cotações negativas foram obtidas apenas pela Universidade da Beira Interior (2,8) e pelo Instituto Piaget (2,1).
Em conclusão, face aos dados apresentados, parece-me que as hipóteses que coloquei se confirmam, nomeadamente:
- as empresas jornalísticas pretendem licenciados (com estágio num órgão de comunicação social) em jornalismo ou na área do saber na qual vão trabalhar; os primeiros deverão ter formação posterior na área do saber na qual vão trabalhar e os segundos deverão ter formação posterior em jornalismo;
- as empresas procuram pessoas capazes de ser polivalentes e de exercer várias funções, por isso pretendem pessoas que saibam minimamente fazer jornalismo nos diversos meios de comunicação (imprensa, rádio, televisão) e que saibam exercer várias funções nos órgãos de comunicação jornalística;
- o rigor e a honestidade, acompanhando o
respeito pela deontologia, são, fora de qualquer dúvida,
referências-guia entre os directores dos órgãos de
comunicação social portugueses.
Notas:
1.Doutorado em Ciências da Informação pela Universidade de Santiago de Compostela; professor auxiliar da Universidade Fernando Pessoa (Porto-Portugal).
2.A evolução dos Códigos Deontológicos dos Jornalistas Portugueses dá conta disso. O penúltimo propunha a objectividade; o actual solicita rigor e honestidade.
Bibliografia:
BARNHURST, K. G. e MUTZ, D. (1997) - American journalism and the decline in event-centered reporting. Journal of Communication, 47 (4): 27-53.