JORNALISTAS PORTUGUESES: ELEMENTOS SOCIOGRÁFICOS

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Pedro Alcântara da Silva*

 

 

Este artigo tem como objectivo realizar uma síntese das principais tendências de evolução do universo dos jornalistas portugueses. A primeira parte é constituída pela análise de alguns dados sociográficos deste grupo profissional, seguindo-se uma segunda dedicada à análise da escolaridade e das formas de acesso à profissão, que são alguns dos elementos integrantes dos novos perfis profissionais. Os dados em análise no ponto 1 do artigo foram veiculados pelo Sindicato dos Jornalistas, o segundo conjunto de dados apresentados (ponto 2) referem-se aos resultados do 2º Inquérito Nacional aos Jornalistas Portugueses.[1]

 

1.                 Contribuição para a sociografia dos jornalistas portugueses

 

Talvez não seja inútil recordar que o  universo profissional dos jornalistas portugueses, no início da década de 40, era constituído apenas por 208 jornalistas com carteira profissional, número que foi aumentando lentamente durante os trinta anos seguintes, estimando-se em 700 nos primeiros anos da década de 70. Só a partir da revolução de Abril de 1974 é que o seu aumento se deu a um ritmo superior, devido à diversificação e ao crescimento do número de órgãos de comunicação social, existindo um aumento entre 1975 e 1980 de 821 novos registos.

Se nos centrarmos mais no período de 1987 a 1997,[2] verificamos que o aumento do número de jornalistas portugueses com carteira profissional é ainda mais significativo. Como se pode observar no seguinte quadro de síntese para esse período de dez anos, o número de jornalistas mais do que triplicou, passando de 1281 para 4247 profissionais. Como também se pode constatar, este crescimento é acompanhado por uma tendência para a recomposição sexual do grupo profissional, em que o peso relativo dos jornalistas face às jornalistas altera-se em 23%, existindo um crescimento acentuado das mulheres que acedem ao profissionalismo. Se, em 1987, as jornalistas somam apenas 19,8% do total dos profissionais, em 1997  a percentagem é de 32,8%.[3]

 

Quadro 1: Universo dos jornalistas portugueses segundo o sexo.

Sexo

1987

(%)

1990

(%)

1994

(%)

1997

(%)

Masculino

1027

80,2

1772

74,6

2724

70,8

2853

67,2

Feminino

254

19,8

602

25,4

1126

29,2

1394

32,8

Total

1281

100

2374

100

3850

100

4247

100

Fonte: Dados cedidos pelo S. J. e Comissão da Carteira Profissional dos Jornalistas Portugueses.

 

            Este alargamento acentuado do contingente de jornalistas, que se iniciou no período pós revolucionário até aos nossos dias, não se deu, como os números apresentados demonstram, de uma forma regular e gradual, mas sim por saltos e rupturas, que – como referem José Luís Garcia e José Castro[4] — “reflectem, sobretudo, processos decorrentes das alterações políticas e das transformações no universo dos media e na estrutura das empresas de imprensa”. Uma prova disto, tem a ver com a entrada das mulheres para o jornalismo. Segundo estes dois autores,[5] este facto “é um processo quase cabalmente relacionado com a restauração das liberdades públicas. Entre 1950 e 1970 era extremamente reduzido o número de mulheres no jornalismo, e ingressavam na profissão uma a duas por ano”.

No que diz respeito à pirâmide etária, os jornalistas caracterizam-se por serem um grupo profissional jovem. Os grupos etários até aos 44 anos representavam, em 1990,[6] 70,1% de todos os jornalistas e quase um quarto dos profissionais tinha menos de 30 anos. Em 1997 a tendência para a juvenilização da profissão continua a acentuar-se, existindo mais de 2% (25,4%) de jornalistas com menos de 30 anos e 40,6% para o grupo dos 30 aos 40 anos. Assim, os jornalistas com menos de 40 anos  de idade representam 66% da profissão. Segundo Garcia[7] existe um processo de rejuvenescimento e “juvenilização” do universo dos jornalistas portugueses. Isto porque o rejuvenescimento é acompanhado pela baixa antiguidade na profissão, podendo-se por isso “falar de uma verdadeira ‘juvenilização’”.

 

Quadro 2: Jornalistas com título profissional por grupos etários em 1990.

Grupos Etários

Valores Absolutos

(%)

Até 29 anos

556

23,4

30 a 44 anos

1109

46,7

Mais de 45 anos

709

29,9

Total

2374

100

Fonte: Dados cedidos pelo S. J. e Comissão da

Carteira Profissional dos Jornalistas Portugueses.

 

Quadro 3: Jornalistas com título profissional por grupos etários em 1997.

Grupos Etários

Valores Absolutos

(%)

Até 29 anos

1078

25,4

30 a 40 anos

1725

40,6

41 a 55 anos

1089

25,6

Mais de 55 anos

355

8,4

Total

4247

100.0

Fonte: Dados cedidos pelo S. J. e Comissão da

Carteira Profissional dos Jornalistas Portugueses.

 

Segundo o mesmo autor, o grande crescimento do universo dos jornalistas, que tem tido como base a entrada de jovens na profissão, grande parte do sexo feminino, implicou uma profunda recomposição do conjunto dos profissionais e não deixa de se repercutir nos comportamentos profissionais, acrescentando ainda que “o processo de recomposição social tem sido, aliás, alimentado por uma tendência em que o jornalismo se assume como uma profissão onde não só se entra cedo como também se sai cedo, comparativamente com outras profissões”.[8]    

            Relativamente à distribuição geográfica dos jornalistas, a sua concentração na metrópole de Lisboa continua a ser o dado mais saliente. Como pode ser observado no quadro seguinte, essa tendência reforça-se em 7% entre 1990 e 1997. Quanto aos jornalistas da metrópole do Porto, embora tenham crescido em números absolutos, existe um ligeiro decréscimo em termos relativos, parecendo existir uma certa estabilidade do contingente profissional na metrópole do Porto quando comparado com Lisboa e o resto do país.

 

Quadro 4: Jornalistas com título profissional por região.

Região

1990

(%)

1997

(%)

A. M. Lisboa

1203

50.7

2451

57.7

A. M. Porto

329

13.9

571

13.5

Resto do país

255

10.7

834

19.6

Sem informação

587

24.7

391

9.2

Total

2374

100.0

4247

100.0

Fonte: Dados cedidos pelo S. J. e Comissão da Carteira

Profissional dos Jornalistas Portugueses

 

Analisando, de seguida, a distribuição de jornalistas por tipos de meios de comunicação social, verifica-se que o conjunto da imprensa escrita continua a predominar com mais de metade de todos os profissionais nesse sector, crescendo cerca de 10% entre 1990 e 1997. No que diz respeito aos outros dois meios, num quadro de crescimento generalizado, os jornalistas da TV e da Rádio aumentam 3% e 5%, respectivamente.

 

 

 

 

 

 

 

Quadro 5: Jornalistas com título profissional por tipos de M. C. S.

M.C.S.

1990

 (%)

1997

 (%)

TV

270

11,4

621

14,6

Rádio

328

13,8

783

18,5

Imprensa Escrita

1233

51,9

2605*

61,3

Regime Livre

------

----

238

5,6

Sem Informação

543

22,9

------

------

Total

2374

100

4247

100

Fonte: Dados cedidos pela Comissão da Carteira Profissional

dos Jornalistas Portugueses.

*2605 jornalistas na Imprensa (2133 na Imprensa Nacional e

472 na Imprensa Regional).

 

Se cruzarmos os dados relativos à distribuição por tipo de meio e grupos etários, podemos concluir que, em termos percentuais, a televisão é claramente o meio de comunicação social onde se concentram mais jornalistas com mais idade, ao contrário do que acontece na rádio, onde cerca de ¾ do seu contingente tem menos de 40 anos de idade, seguido de perto pela Imprensa Regional. É de salientar ainda o facto de mais de 50% dos jornalistas em regime livre terem idades superiores a 40 anos de idade.

 

Quadro 6: Distribuição dos jornalistas com título profissional segundo a idade e os tipos de M. C. S.

Grupos etários

Televisão

Rádio

Imprensa nacional

Imprensa regional

Free-lancers

Total

V. abs.

%

L

%

C

V. abs.

%

L

%

C

V. abs.

%

L

%

C

V. abs.

%

L

%

C

V. abs.

%

L

%

C

V. abs.

%

C

Até 29 anos

115

10,7

18,5

271

25,1

34,6

526

48,8

24,7

159

14,7

33,7

7

0,6

2,9

1078

25,4

30 a 40 anos

261

15,1

42

308

17,9

39,3

908

52,6

42,6

174

10,1

36,9

74

4,3

31,1

1725

40,6

41 a 55 anos

206

18,9

33,2

158

14,5

20,2

539

49,5

25,3

95

8,7

20,1

91

8,4

38,2

1089

25,6

+ de 55 anos

39

11

6,3

46

11

5,9

160

45,1

7,5

44

12,4

9,3

66

18,6

27,7

355

8,4

Total

621

14,6

100

783

18,4

100

2133

50,2

100

472

11,1

100

238

5,6

100

4247

100

Fonte: Listagens fornecidas pelo S. J. e Comissão da Carteira Profissional dos Jornalistas Portugueses.

 

2.                 Escolaridade e formas de acesso à profissão[9]

 

As trajectórias escolares dos jornalistas são uma questão particularmente importante de se analisar na medida em que está directamente relacionada com a forma como se entra na profissão.

            Como se pode observar no quadro relativo à escolaridade completa, cerca de metade dos jornalistas inquiridos (51%) frequentaram o Ensino obrigatório ou o Complementar, seguindo-se os que completaram uma licenciatura, que somam 36,7%. Em percentagens mais baixas estão os que frequentaram um curso médio (onde se incluem cursos do domínio do jornalismo), com 5,3% e os que frequentaram um bacharelato, com 6,9%.

No entanto, existem 32,3% de jornalistas que referem ter frequentado outros níveis de escolaridade sem nunca os terem completado. Quanto a este aspecto, o dado mais significativo refere-se ao número de jornalistas que frequentaram cursos superiores sem os acabarem (18,3%), seguindo-se os bacharelatos (7,6%). 5,6% refere não ter completado o ensino obrigatório ou o complementar e somente 0,8% o curso médio.

            Este último dado reveste-se de particular importância no que se refere ao acesso à profissão. J. L. Garcia e J. Castro,[10] na análise que realizaram aos dados do 1º Inquérito aplicado em 1991, falam da “ inclusão do jornalismo numa específica modalidade dos actuais processos de reconversão social em Portugal, na medida em que entre os jornalistas se encontra um elevado número para quem o jornalismo se configura como opção em função de percursos escolares interrompidos”. No entanto, parece existir uma evolução no sentido de esta tendência ocorrer cada vez menos, já que existe um número cada vez maior de jovens licenciados disponíveis para ingressar na profissão potenciado pela proliferação de cursos, disponibilidade essa que deu já origem a uma desproporção entre a oferta e a procura, que o mercado dos media não consegue equilibrar, tornando cada vez mais difícil o acesso por parte daqueles que possuem níveis de escolaridade mais baixos. 

Quadro 7: Escolaridade completa dos jornalistas com título profissional.

Níveis de escolaridade

%

Ensino Obrigatório (até 9º ano) / Complementar ou 12º ano

51

Curso médio

5,3

Bacharelato

6,9

Licenciatura

36,7

Total

100

           

            Desta forma, comparativamente com dados anteriores trabalhados por estes dois autores, continua a existir uma evolução no que se refere ao credencialismo escolar dos jornalistas. O número de jornalistas com curso superior continua a subir e se a ele juntarmos os que o frequentaram mas não acabaram, juntos perfazem mais de metade dos jornalistas (55%), constata-se um aumento de jornalistas com escolaridades mais elevadas, correspondendo este facto, em parte a crescente exigência por parte das entidades patronais do sector no que se refere às qualificações e, porventura, também à vontade que os próprios jornalistas sentem de valorizar a sua profissão, que se reflecte no aumento de escolas e universidades que se dedicam ao ensino específico do jornalismo.[11] É de referir também que, para o aumento das qualificações escolares, contribuiu a institucionalização obrigatória do curso complementar para o exercício da profissão a partir de 1982. O que acabou de ser referido e o que os dados continuam a demonstrar, na linha do que já havia sido referido pelos autores citados, “faz antever não só a consumação do fim da tarimba como meio de formação profissional, mas também que o jornalismo deixe de ser uma opção de segunda escolha para indivíduos com percursos escolares interrompidos que procuram na profissão as hipóteses de progressão social e económica aproximada à que lhe podia conferir à posse de licenciaturas”,[12] o que, por outro lado, provocava uma forte diferenciação interna da profissão, entre os profissionais que desenvolveram a sua aprendizagem com base na tarimba e os que detêm credenciais escolares.

Ao cruzar o nível de escolaridade pela idade e sexo verifica-se que a representatividade de jornalistas licenciados tem tendência a aumentar à medida que a idade diminui, particularmente no que diz respeito às mulheres.[13] Isto vai de encontro ao que já havia sido referenciado anteriormente sobre o crescimento do universo dos jornalistas que tem tido como base a entrada de jovens na profissão, acompanhado por uma recomposição sexual do grupo profissional, com o crescimento acentuado das mulheres que acedem ao profissionalismo. Como se pode observar no quadro seguinte, existe uma clara bipolarização entre os jornalistas que têm até 40 anos e os que têm idades superiores relativamente à escolaridade, existindo um peso maior de licenciados no primeiro pólo e uma consequente diminuição da escolaridade obrigatória e complementar, e um maior peso deste grau de escolaridade no segundo pólo e uma diminuição muito acentuada da representatividade de jornalistas com licenciaturas. Esta bipolarização de idades vai também de encontro ao que anteriormente foi assinalado acerca da diferenciação interna da profissão no que diz respeito à sua aprendizagem, correspondendo o primeiro pólo (até 40 anos) aos que a fizeram com base na escolaridade e o segundo pólo (mais de 40 anos) aos que a desenvolveram com base na tarimba.

Um aspecto ainda interessante de focar é a elevada percentagem do total de mulheres com idades compreendidas entre 41 e 55 anos com licenciaturas (80%) contra 23,7% de homens que frequentaram o ensino superior. Isto parece indiciar que, numa época em que eram poucas as mulheres na profissão e que conseguiam obter carteira profissional, praticamente só as que tinham um capital escolar elevado conseguiam aceder à profissão, ainda para mais se atendermos ao facto de que há 25 anos atrás não existia uma massificação do ensino superior tal como hoje o conhecemos.

 

 

 

Quadro 8: Escolaridade segundo a idade e o sexo dos jornalistas com título profissional (%).

Escolaridade

Idade

Até 29

30 a 40

41 a 55

Mais de 55

M

F

M

F

M

F

M

F

Ensino Obrigatório (até 9º ano) / Complementar ou 12º ano

54,8

35,1

58,6

44,8

63,2

10

90,9

0

Cursos Médio

7,1

7

5,2

6,9

0

0

9,1

0

Bacharelato

7,1

5,3

3,4

10,3

13,2

10

0[14]

0

Licenciatura

31

52,6

32,8

37,9

23,7

80

0

0

Total

100

100

100

100

100

100

100

0

 

            O cruzamento dos níveis de escolaridade com os diversos meios de comunicação social permite constatar que os jornalistas com escolaridades mais baixas (ensino obrigatório  ou complementar) concentram-se mais na imprensa nacional e particularmente na regional. Por sua vez, os licenciados estão mais representados nas televisões e também na imprensa nacional, o que parece indiciar a existência neste último tipo de órgão uma certa bipolarização entre os jornalistas que são detentores de cursos superiores e os que frequentaram apenas até ao 12º ano de escolaridade, encontrando-se aqui menos representados os níveis intermédios, com apenas 5,7%. É nas rádios, a par da televisões, que existe maior tendência para se concentrarem jornalistas com níveis de escolaridade acima dos requisitos mínimos em termos de habilitações escolares para se ser jornalista com título profissional, que só é atribuído por lei a quem tem pelo menos o 11º ano de escolaridade ou equivalente, não sendo exigido qualquer formação específica na área.[15]

O facto de existir, como já foi referido anteriormente, um número significativo de jornalistas com percursos escolares interrompidos, isto é, que frequentaram um curso superior mas que não acabaram, para quem o jornalismo se configura como um factor de ascensão social, contribui para a precariedade em certos sectores de comunicação social, em particular na imprensa regional e nacional e parte da rádio,[16] órgãos onde se concentram mais jornalistas com níveis de escolaridade mais baixos, podendo-se concluir que nestes sectores, a obtenção da carteira profissional assenta ainda na via da tarimba. Por outro lado, o credencialismo ou seja, a posse de capital cultural, tende a constituir uma elite que se concentra mais na TV, em alguma imprensa nacional, e em algumas rádios.[17] Este credencialismo está ligado não só aos cursos universitários de comunicação social, mas também aos cursos de jornalismo do CENJOR e do CFJ, estando estes últimos mais representados nas rádios.

 

Quadro 9: Escolaridade dos jornalistas com título profissional segundo os M.C.S. (%).

Escolaridade

Televisão

Rádio

Imp.Nacional

Imp.Regional

Ensino Obrigatório (até 9º ano) / Complementar ou 12º ano

39,5

44,1

52,1

86,7

Cursos Médio

2,3

8,5

5

5

Bacharelato

16,3

10,2

1,7

13,3

Licenciatura

41,9

37,3

41,3

0

Total

100

100

100

100

 

            Através do cruzamento dos níveis de escolaridade com o cargo que os jornalistas ocupam nos órgãos de comunicação social onde trabalham, verifica-se que a maioria dos directores (directores, directores-adjuntos ou subdirectores) (62,5%) e metade dos chefes (chefes de redacção e chefes de redacção-adjuntos) (50%) são os que menos habilitações escolares possuem. Os jornalistas licenciados estão mais representados nos cargos de editores e realizadores, bem como nos de executantes (redactores, repórteres fotográficos  e operadores de imagem), ainda que nestes últimos exista ainda um grande peso de jornalistas com apenas o ensino obrigatório ou curso complementar.

 

 

 

 

Quadro 10: Escolaridade dos jornalistas com título profissional segundo os cargos que exercem (%).

Escolaridade

Directores

Chefes

Editores/

realizadores

Executantes/outros

Ensino Obrigatório (até 9º ano) / Complementar ou 12º ano

62,5

50

48,1

51,8

Cursos Médio

0

3,3

0

6,6

Bacharelato

0

23,3

7,4

3,6

Licenciatura

37,5

23,3

44,4

38

Total

100

100

100

100

 

Na medida em que, como já foi dito, o jornalismo é uma profissão cujo acesso não requer habilitações escolares elevadas, uma vez que ao candidato a jornalista não é exigida qualquer formação específica na área, interessa saber  quantos são os jornalistas que têm uma formação específica em jornalismo, formação esta que engloba instituições como o CENJOR ou similares e de nível universitário. Das respostas obtidas, um pouco mais de metade (57%) afirma que tem, contra 42,6% que não, existindo ainda 0,4% que está a ter actualmente.

 

Quadro 11: Formação específica em jornalismo.

Formação

%

Tem

57

Não tem

42,6

Está a ter

0,4

Total

100

 

O motivo apontado por mais de metade dos jornalistas (55,3%) devido ao qual não têm essa formação específica na área é a inexistência deste tipo de cursos quando iniciaram a profissão. A falta de flexibilidade no horário da empresa para os frequentarem depois de já estarem a trabalhar num órgão de comunicação é o segundo motivo mais apontado, com 12,6%. A invocação de motivos pessoais e a sobrecarga de trabalho não imputável à própria empresa são as razões menos dadas, com 10,6% e 6,8% respectivamente.

 

Quadro 12: Motivos segundo os quais os jornalistas não têm uma formação específica em jornalismo.

Motivos

%

Não existirem cursos quando iniciou a profissão

55,3

Falta de facilidades no horário da empresa

12,6

Sobrecarga de trabalho não imputável à própria empresa

6,8

Motivos pessoais

10,7

Outras

14,6

Total

100

 

Todavia, como se pode observar no quadro 13, apesar de só um pouco mais de metade ter uma formação específica em jornalismo, tal facto parece não constituir qualquer problema para os jornalistas, já que quando questionados sobre qual deveria ser a via apropriada para o acesso à profissão, a resposta mais dada e com destaque (34,3%), é a que afirma que deveria ser a frequência do ensino superior ou licenciatura em qualquer área com estágio profissional, vindo depois com cerca de metade desta resposta (17,1%) a que refere que deveria ser a frequência de uma licenciatura em jornalismo e estágio profissional numa empresa. É interessante notar que apenas 12,7% concorda com a actual situação, isto é, que o requisito mínimo para se ser jornalista profissional seja o 11º ano de escolaridade complementado com estágio profissional na empresa de comunicação social. Também aqui parece clara a intenção de valorizar cada vez mais a profissão, mesmo que o credencialismo não esteja ligado directamente à profissão. A lógica não é a de dotar os jornalistas de saberes técnicos ligados à prática do jornalismo, até porque está muito disseminada a convicção de que o jornalismo se aprende na prática das redacções, mas antes acompanhar os jornalistas de mais alto nível de credencialismo próprio das profissões intelectuais. Até porque, como se observa no quadro a seguir, as respostas que contemplam os bacharelatos nas áreas de comunicação social e jornalismo encontram-se em percentagens diminutas,  mesmo quando a estes cursos se atribuem méritos no que diz respeito à sua parte prática na aprendizagem. E, no entanto, como argumenta Mário Mesquita[18] “a questão da educação para o jornalismo não passa apenas pela perspectiva do training, ou seja, da aprendizagem das formas de expressão e do domínio de certas tecnologias dos media. Pressupõe [também] que o jornalismo seja encarado não só na perspectiva das práticas e das  retóricas da profissão, mas também dos saberes pluridisciplinares que à sua volta se foram constituindo”, sendo este também um dos motivos pelo qual existe tantos jornalistas sem formação específica na área.

 

Quadro 13: Via apropriada de acesso à profissão de jornalista.

Via de acesso à profissão

%

Menos 11º ano de escolaridade e estágio  profissional numa empresa

2,8

11º ano de escolaridade e estágio profissional numa empresa

12,7

Licenciatura em Comunicação Social e estágio profissional numa empresa

12,0

Licenciatura em Jornalismo e estágio profissional numa empresa

17,1

Bacharelato em Comunicação Social e estágio profissional numa empresa

0,8

Bacharelato em Jornalismo e estágio profissional numa empresa

6,4

Frequência do ensino superior ou Licenciatura em qualquer área com estágio profissional

34,3

Outra

8,4

NS/NR

5,6

Total

100

 

 

Quanto ao acesso à profissão, os jornalistas tornam-se profissionais essencialmente através de duas formas, embora com pesos bastante distintos. A principal (41,7%), é através da colaboração numa empresa de comunicação social, profissionalizando-se de seguida, e a outra (28,3%) por via da entrada directa como candidato e estagiário remunerado.

Um dado importante é o facto de somente 19% dos jornalistas terem realizado estágios ao abrigo de um protocolo entre os estabelecimentos de ensino que frequentavam e as empresas, contra a esmagadora maioria (81%) que o fez por iniciativa individual. Não é, portanto, de estranhar que as opções relativas à forma de acesso à profissão que contemplam estágios ou entradas nas empresas em articulação com os estabelecimentos de ensino sejam tão pouco eficazes, como está demonstrado nos dados do quadro 14, todas com valores abaixo dos 15%, indiciando pouca preocupação e consequentemente baixa acção da parte das instituições escolares no que respeito ao acesso à profissão dos seus alunos, num mercado de trabalho tão competitivo e em que a oferta é muito superior à procura.

 

Quadro 14: Formas de acesso à profissão. [19]

Formas de acesso

%

Começou a colaborar numa empresa de comunicação social e depois profissionalizou-se

41,7

Entrou directamente como candidato e estagiário remunerado numa empresa de comunicação social

28,3

Enquanto estudante de um curso superior da área da Comunicação Social e do Jornalismo realizou um estágio e ficou na empresa

14,6

Frequentou um curso de formação profissional  (rádio, jornal, televisão, etc.) e isso deu-lhe entrada na empresa

10,9

Frequentou um curso do CENJOR

6,9

Outra

10,5

 

Quanto à forma como os jornalistas consideram que deveria ser o estágio profissional, a maioria (65,7%) concorda na sua repartição entre um tempo a trabalhar numa empresa e um tempo a frequentar um centro de formação com a participação de jornalistas, enquanto cerca de 1/3 (33,5%) considera que deveria ser a trabalhar somente numa empresa de comunicação.

 

Quadro 15: Como deveria ser realizado o estágio.

Modalidades

%

Fundamentalmente a trabalhar numa empresa de comunicação social

33,5

Repartição entre um tempo a trabalhar numa empresa e um tempo a frequentar um centro de formação com a participação de jornalistas

65,7

NS/NR

0,8

Total

100

 

Na medida em que o exercício profissional do jornalismo exige legalmente a obtenção da Carteira Profissional, podendo colocar-se a possibilidade de esta estar dependente de uma avaliação do estágio, perguntou-se então qual a opinião dos jornalistas sobre este aspecto. Como indica o quadro 16, cerca de ¾ (73,3%) é de opinião que a carteira profissional deve estar dependente da avaliação positiva do estágio, enquanto 19,1% pensa que não.

 

Quadro 16: Relação entre a obtenção da Carteira Profissional e o estágio.

Opinião

%

A carteira profissional não deve estar dependente da avaliação positiva do estágio

19,1

A carteira profissional deve estar dependente da avaliação positiva do estágio

73,3

NS/NR

7,6

Total

100

 

Para o exercício da actividade é importante passar, em primeiro lugar, por uma redacção através da realização de um estágio, o que quer dizer que para se ser jornalista é necessário ter um vínculo a uma empresa, antes mesmo de se ser jornalista profissional. A atribuição da carteira profissional é passada e autenticada por uma comissão que é formada por representantes dos jornalistas e do patronato, presidida por um Juiz. Significa que quem quer ser jornalista profissional, na grande maioria dos casos jovens que acabam de chegar à profissão e que se encontram numa situação de precariedade devido à sua condição de estagiário, são obrigados desde logo a participar na estratégia da empresa de que faz parte, vulnerável perante os constrangimentos sobre si exercidos no que diz respeito às limitações de autonomia derivadas da constante pressão do factor comercial, entre outras, sendo por vezes confrontados com situações que se apresentam contrárias às suas convicções profissionais ou éticas. Com receio de colocar em perigo o seu relacionamento com os seus superiores (que irão ajuizar se pode ou não ser jornalista com carteira profissional), os jovens jornalistas acabam em muitos casos por abdicar das suas convicções, hipotecando em parte os seus direitos e assimilando vícios de trabalho que se irão reflectir durante a sua prática enquanto jornalista, subestimando valores que lhe estão inerentes e que a definem. Essa abdicação das suas convicções e o hipotecamento dos seus direitos acentua-se ainda mais se considerarmos o facto de 83,1% dos jornalistas terem iniciado a sua actividade no jornalismo na mesma empresa onde realizaram o estágio logo a após a sua conclusão, indiciando que a não existência de conflito e a não reivindicação parece ser uma realidade no actual quadro das empresas mediáticas cada vez mais comerciais inscritas num ambiente altamente competitivo na luta constante por audiências e quotas de publicidade. Desta forma, cada empresa tem a oportunidade de escolher para os seus quadros de entre os seus estagiários os jornalistas que mais se adaptam às suas estratégias e projectos.[20]

            Tendo os jornalistas uma responsabilidade social, da qual devem estar conscientes, que advém da importância que uma informação livre e plural tem no reforço e na manutenção da democracia (obrigação social e política), devem ter o dever e a preocupação de lutar contra o domínio de uma única forma de pensamento, rejeitando o jornalismo norteado apenas pelos interesses económicos e/ou políticos dos detentores dos meios.

A evolução do actual sistema mediático submeteu os media à mercantilização e à mercadorização da cultura e da informação, originando concepções e práticas que tendem a transformar a informação num produto comercial destinado ao cidadão encarado como mero consumidor, produto esse que é realizado pelo jornalista convertido em comunicador. O jornalista, que pertence a uma organização de comunicação social, através da sua actividade, é obrigado a participar numa estratégia empresarial, que se orienta segundo graus e combinações diversas que se podem relacionar com objectivos económicos, políticos e/ou culturais, mas que tem sempre que se submeter a imposições comerciais, imposições estas que advêm da preocupação em conquistar um lugar privilegiado no mercado, fazer subir as vendas, aumentar as audiências e portanto captar mais publicidade, que originará por sua vez maiores lucros.

            Assim, pode-se dizer que quem manda realmente na informação não são os jornalistas, que estão submetidos a demasiados condicionalismos decorrentes de estratégias e objectivos que se prendem com a crescente comercialização, e com uma concorrência cada vez mais feroz, em que existe o predomínio de grandes grupos económicos que reproduzem e tornam dominante nos media uma lógica empresarial, que tende cada vez mais a subalternizar a lógica informativa, subalternização esta que constrange a autonomia dos jornalistas, e que condiciona a prática do jornalismo enquanto mediação social. Desta forma, deve-se encarar as questões ligadas à ética numa perspectiva mais ampla, e não focalizar apenas a análise na relação entre jornalista e deontologia, sem ter em conta esse ambiente concorrencial, entendendo essas actuações desviantes como simples resultado de uma decisão individual, não olhando para os contextos profissionais e extra-profissionais que ajudam a entender essas actuações. Uma abordagem deste género seria vantajoso do ponto de vista do patronato, uma vez que ficariam disfarçadamente à margem de um problema que é em grande parte por eles provocado, omitindo-se ou secundarizando-se assim factores estruturais que podem condicionar a actividade e o comportamento ético dos jornalistas.

 



* Sociólogo.



[1] O presente artigo retoma de modo sucinto alguns dados por mim operacionalizados no âmbito de um estudo que teve como base parte dos resultados do 2º Inquérito Nacional aos Jornalistas Portugueses datado de 1997. A realização deste inquérito resulta da proposta do Sindicato de Jornalistas a José Luís Garcia de voltar a inquirir este grupo profissional, no seguimento do que já tinha acontecido em 1990, data do 1º Inquérito, de uma forma ainda mais ampla e aprofundada. Para levar a cabo tal empreendimento foi constituído um grupo de trabalho sob orientação de José Luís Garcia, formado por alunos do curso de Sociologia do ISCTE e de Comunicação Social da Universidade Católica Portuguesa, que trabalhou na concepção e aplicação do inquérito sem qualquer retribuição pecuniária. A informação foi recolhida através da aplicação de inquéritos por questionário a 251 jornalistas, que constituíram a amostra representativa do universo de 4247 jornalistas portugueses com título profissional. A amostra foi construída apenas para este universo, uma vez que não existem quaisquer dados sobre os jornalistas portugueses que não possuem carteira profissional. Sobre os jornalistas que exercem a profissão fora do enquadramento legal presume-se que possam assumir uma dimensão significativa, particularmente em alguns órgãos de comunicação social como na imprensa regional e rádios locais, que contam nos seus quadros com profissionais em situação de precariedade, que os impede de requerer a carteira profissional. O método de selecção da amostra escolhido foi o da amostra probabilística. No quadro da construção da amostra optou-se por uma amostra estratificada proporcional em que se agruparam  os elementos do universo segundo os critérios de sexo, idade, região, tipo de órgão de comunicação. Estes estratos são homogéneos no seu interior e heterogéneos entre eles, estando representado na amostra cada um deles com um peso idêntico ao que assumiam na população. Admitindo-se um erro máximo de 6%, recorreu-se à fórmula apropriada para populações finitas, através da qual foi definido um universo amostral de 251 questionários, ocorrendo a sua posterior aplicação entre Junho e Agosto de 1997.

[2] Dados disponíveis para serem trabalhados e apresentados no 3º Congresso dos Jornalistas Portugueses, ocorrido no mês de Fevereiro do ano seguinte, universo este  (4247 jornalistas) que serviu de base para o cálculo da amostra do 2º Inquérito Nacional aos jornalistas Portugueses, a partir do qual se extraíram os resultados deste presente trabalho.

[3] A este respeito ver Subtil, Filipa (2000), “As Mulheres Jornalistas” in Actas do 3º Congresso Português de Sociologia – Práticas e Processos da Mudança Social, APS, Oeiras: Celta Editora (Edição em CD-Rom).

[4] Garcia, José Luís (1994), “Principais Tendências de Evolução do Universo dos Jornalistas Portugueses”, Vértice, Lisboa: Maio-Junho, nº 60, 2ª série, p. 69.

[5] Idem, p. 70.

[6] Data de aplicação do 1º Inquérito Nacional aos Jornalistas Portugueses.

[7] Idem, p. 70.

[8]  Idem, p. 70.

[9] Neste ponto os dados referem-se ao 2º Inquérito Nacional aos Jornalistas Portugueses.

[10] Garcia, José Luís e José Castro (1993), “Os Jornalistas Portugueses. Da Recomposição Social aos Processos de Legitimação Profissional”, Sociologia-Problemas e Práticas, Lisboa: CIES, nº13, p. 102.

[11] Esta valorização do credencialismo escolar dos jornalistas e consequentemente da própria profissão está patente na criação, muito recentemente, com base num protocolo entre o Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa e a Escola Superior de Comunicação Social do Instituto Politécnico de Lisboa, do “curso de pós-graduação/extensão universitária em jornalismo”, cujo objectivo é proporcionar uma formação especializada em áreas chave desta profissão, não se exigindo aos candidatos o grau de licenciado como condição prévia de acesso a este curso.

[12] Idem, p. 103.

[13] As percentagens deste e de todos os cruzamentos seguintes referem-se ao total de respostas efectivamente obtidas, não sendo consideradas válidas para este efeito as respostas NS/NR e os casos perdidos.

[14] Ao assumir-se um erro máximo amostral de 6% significa que existe a probabilidade de os resultados apresentados conterem enviezamentos, e que cada resultado de acordo com esse erro pode variar dentro de uma amplitude conhecida. Quando por exemplo, neste quadro aparece 0% de probabilidade de existirem jornalistas com mais de 55 anos que frequentaram uma licenciatura ou bacharelato, tal facto não significa que não existam jornalistas nestas condições na população para a qual se pretende extrapolar os resultados, apesar da idade ter sido um critério central na construção da amostra. Significa sim que não foi inquirido qualquer jornalista com estas características. No entanto, com base no erro e no método amostral utilizado, que é nas ciências sociais o mais eficiente no conjunto de métodos amostrais existentes, é possível concluir que a sua representatividade na população dos jornalistas com carteira profissional é efectivamente muito baixa ou quase nula. 

[15] A emissão da carteira profissional é, por lei, a partir de 1982, da competência da organização sindical dos jornalistas, não dependendo da qualidade de sindicalizado do requerente.

[16] O estudo anterior de 1990 demonstrava que estes jornalistas encontravam-se mais representados, para além da imprensa regional, nas rádios locais e alguma imprensa nacional diária.

[17] O mesmo estudo de 1990 revelava que estas elites se concentravam mais, para além da TV,  nos semanários e nas rádios de âmbito nacional.

[18] Mesquita, Mário (1994), “A Educação para o Jornalismo - Uma Perspectiva Sobre Portugal», Revista Brasileira de Comunicação, S. Paulo: Intercom, vol.17, nº2.

[19] Pergunta de resposta múltipla.

[20] A lógica comercial e industrial que norteia as empresas mediáticas actuais, em que a estratégia seguida vai no sentido de conquistar audiências (quanto mais público mais publicidade e quanto mais publicidade mais lucro) não significa que que todas as organizações fiquem reduzidas meramente a objectivos económicos  excluindo todos os outros. O grau de submissão à lógica comercial depende em grande medida do tipo de projecto levado a cabo por cada órgão de informação, particularmente no que diz respeito à imprensa escrita, não se devendo cair em generalizações abusivas. Embora todo e qualquer media defina à partida o seu público alvo, em função do qual estabelece as suas orientações e prioridades, tentando captar para si a maior audiência possível, existem contornos diferentes para a conquista desse público. A tendência para a conquista fácil do público é muito mais evidente nas televisões e rádios comerciais, do que noutro tipo de órgãos. A este respeito Cf. Correia, Fernando (1997), Os Jornalistas e as Notícias, Lisboa: Editorial Caminho.