Informação e produção de sentidos: os (dis)cursos (tele)visuais
José Washington de Morais Medeiros*
2002
Este trabalho discute a produção de sentidos como resultado de múltiplas leituras. Entretanto, reconhece que o processo da economia global e o poder dominante delimitam o processo de construção dos sentidos. Historicamente, o discurso da televisão reforça as determinações elitistas a partir da técnica mercadológica de produção do discurso e a ideologia presente nos ditos e não-ditos. A partir de então, discute como a leitura eletrônica pode confrontar a (in)formação e produção de sentidos para a crítica com as manobras do sistema para a formação da massa de manobra, uma vez que os (dis)cursos (tele)visuais estão presentes formalmente na instituição escolar. A análise do discurso (AD) seria uma das formas de reconhecer, interpretar e revidar o campo discursivo da tevê. Em sala de aula, funcionaria como uma espécie de alfabetização digital que reforçaria a leitura de mundo e, consequentemente, a leitura política para a ação de mudança.
Num mundo ambientado pela idéia da aldeia global, a fissura do pensamento de modernidade/pós-modernidade estabelece a lógica das identidades. As tecnologias ditas de ponta, voltando-se para as redes de televisão, exemplificam o empenho em remodelar a expansão de um canal de fluxos informacionais que joga no ar o discurso do sistema, histórico/institucional/excludente/constrangedor (Foucault, 1999), e suas formas de dizer e fazer um jogo de sentidos pré-fabricados.
Os parâmetros do dizer televisual embainham fazeres constitutivos de técnicas e trejeitos lingüísticos, arranjados como formas ou métodos técnicos da ação estratégica, como é o caso do discurso da publicidade, da telenovela, dos programas teleducacionais, etc. Tal concepção consubstancia este texto que propõe um olhar pelas nuanças da produção de sentido, fruto das leituras (denotativas/conotativas) extraídas do contato direto e cotidiano com os discursos advindos da informação televisual.
A viabilidade desta discussão, conclamando Freire (2000), pode servir para debater o que se diz e o que se mostra e como se mostra na televisão, cuja força alienante é possível de ser revidada com o aumento da criticidade do leitor televisual que, no instante do processo (in)formativo, depara-se com o que o autor denomina de verdade sonora e coloridamente proclamada.
Nesta propositura, produzir sentido supõe, incipiente e resumidamente, modos de observação. Observar significa buscar aptidão para um saber ver que, por sua vez, envolve a leitura (técnica/subjetiva) do espaço discursivo da televisão em sua expressividade tripartite: icônica, verbal, auditiva. Foucault (1999) entende que o discurso expõe sua real materialidade através do que é pronunciado ou escrito, onde se velam poderes e perigos que mal se imaginam. Assim sendo, o campo visual deve revestir-se de uma acentuada importância diante desta concepção e não pode ficar relegado a uma secundarização perante o dizer oral e escrito, quando constituem (o pronunciamento, a escrita e a imagem) fios de uma mesma rede de pronunciamento.
Encaminho, a partir de então, a proposta de discutir esta temática tentando enveredar pelo seguinte raciocínio: a produção de sentido, fruto da leitura dos signos televisuais, pode colaborar para um redimensionamento nas esferas sociais, diante do uso da informação veiculada.
É importante acrescentar que esta feitura não objetiva abarcar as malhas teóricas de uma argumentação fidedigna ao aprofundamento do campo da lingüística, acerca da produção de sentidos. Muitos antes, apresenta-se como uma idéia introdutória, para incitar discussões, onde se toma o discurso televisual e seu investimento em influenciar leitores pela inserção de dizeres constitutivos de uma idéia de cotidiano, onde se misturam polissemia e paráfrase, enquanto significados procedentes, e tipos de discursos como o autoritário, o polêmico e o lúdico.
O surgimento de tal implemento está inspirado no pensamento de Orlandi (1999); (1988); (1987), através da teorização da análise do discurso (AD), revelada como o “raio X” dos sentidos (o texto do discurso e o discurso do sujeito). Isso porque, nas palavras da autora, não há discurso sem sujeito nem sujeito sem ideologia.
Nesta via de raciocínio situando os (multi)sentidos, é imprescindível resgatar o pensamento de Spink e Medrado (1999, p. 41) quando dissertam: "O sentido é uma construção social, um empreendimento coletivo, mais precisamente interativo, por meio do qual as pessoas - na dinâmica das relações sociais historicamente datadas e culturalmente localizadas - constróem os termos a partir dos quais compreendem e lidam com as situações e fenômenos a sua volta".
Estabelecendo uma perspectiva baktiniana, Spink e Medrado (1999) asseguram que não há como produzir sentidos quando um canal implanta uma fala unidirecional, pois o confronto entre os sujeitos marca a construção entre os sentidos. Dessa forma, a leitura, permissiva de um olhar autoritário, estabelece uma falsa interatividade correlacionada pela relação homem-máquina, envolvendo um entendimento não social, mas ideológico, pois a compreensão dos sentidos é sempre um confronto entre inúmeras vozes.
Na abordagem desses autores, a produção de sentidos é efetivada considerando a existência de três fatores históricos: o tempo longo (construção dos conteúdos culturais), o tempo vivido (linguagem social que aprendemos) e o tempo curto (fincado nos processos dialógicos). O discurso televisual, nesta circunstância, investe em abarcar esses três fatores quando operacionaliza um dizer efêmero com características de uma permanência passiva e neutralizante. A noção de interatividade tenta preencher o tempo curto onde o princípio da retroalimentação comunicacional (diálogo) confronta a dualidade homem-máquina, sendo esta última o modo preponderante que estabelece a leitura da forma como deve ser lida, o que e como utilizar tais informações que, geralmente, incitam o surgimento de um tipo padrão de leitor: o parafrásico.
O tempo longo, por sua vez, vem atuando a partir de um passado recente onde se ampliou a abrangência da televisão, criando uma noção de dependência social dos discursos televisivos. Desse modo, na concepção dos autores supracitados, "a mídia não é apenas um meio poderoso de criar e fazer circular conteúdos simbólicos, mas possui um poder transformador ainda pouco estudado - e, talvez, ainda subestimado - de reestruturação dos espaços de interação propiciando novas configurações aos esforços de produção de sentidos" (Spink e Medrado, 1999, p. 58). Assim sendo, de uma forma ou de outra, mesmo cultivando o dizer de um para muitos e usar um processo comunicacional efêmero, partimos do princípio de que os discursos televisuais disseminam sentidos pré-estabelecidos nas informações geradas, propiciando uma noção de interação para o teleleitor1. Entretanto, deve-se reconhecer o caráter ideológico contido no discurso e na interpretação crítica inerente ao uso informacional na formação do indivíduo e da sociedade.
Fundamentando-se no pensamento foucaultiano, Aquino (2000) estuda as conexões da interação na construção do sentido, voltando-se para o campo do ensino como matriz de análise. A instância da linguagem, nesse processo, apresenta-se como suporte verdadeiramente eficaz para o sujeito, funcionando como prática discursiva que invoca a construção de sentidos. Tais práticas discursivas (pedagógica, étnica, histórica, política, afetiva, textual, lingüística, etc.) são fundidas no processo de ensino-aprendizagem que envolve um ter conhecimento para saber usar o conhecimento. Esses saberes atuam na formação de sujeitos para que exerçam micropoderes em atitudes não-submissa de interação (Aquino, 2000, p. 12).
Apoiada nas “novas regras do método sociológico”, de Giddens, a autora direciona o olhar para três categorias elementares da interação: o significante, a ordem e o poder. O primeiro estabelecido pelo contato simultâneo ou mútuo que ordena uma intenção comunicativa; o segundo diz respeito à intencionalidade de vigência atualizada dos direitos e deveres sociais; e o poder como capacidade de intervenção e transformação social. Com Foucault, a autora discute a questão do poder como algo perspicaz, cuja penetrabilidade é dada na esfera da própria interação quando engrena relações de imposições e aceites, pela vigência sutil dos micropoderes. Neste momento, "a interação é uma ação discursiva exercida por sujeitos posicionados em relação de poder, que se propõem construir o sentido" (Aquino, 2000, p. 14). Esta visão, na concepção foucaultiana, é fundada na premissa de que a interação-poder constrói sentidos e que a relação de produção da informação e do conhecimento incentiva o sujeito para a construção de sentidos.
Atualmente, no cenário da educação formal brasileira, o discurso televisual está entre os sujeitos do saber e do poder em sala de aula, voltando-se para o ensino fundamental. Essas novas práticas informativo-educacionais poderão remodelar a dinâmica da ação pedagógica, ampliando a competência dos sujeitos entre o saber e o poder.
A televisão ainda é um objeto informacional estático defendendo um discurso de caráter autoritário. Entretanto, com as metamorfoses ocorridas no mundo nos últimos anos, onde fronteiras são quebradas pelo movimento da informação, não será difícil para o indivíduo quebrar a vigência da interação enquanto jogo de permuta interpessoal, conquistando a televisão para uma ação dialógica ou para a democratização dos sentidos.
O campo televisual ainda se baseia na circunstância de um dizer uno em que a interação é marcada por um nódulo que assume o papel de causar (con)fusão entre o dito institucionalizado e os sujeitos-leitores. Porém, mesmo diante das manobras de construção de sentido da tevê, o professor e o educativo encontra novos modos de um ensino-aprendizagem calcado no estabelecimento de uma leitura eletrônica mais dinâmica e interativa.
Para Aquino (2000, p. 19) "a interação é uma relação de forças que age sobre outras forças, constituindo relações de poder que se dinamizam em plena atividade como a própria força". Se assim o for, as informações obtidas a partir da leitura eletrônica são induzidas para um processo de significação resultante, tendo em vista que a indução é o primeiro nível de interação e envolve uma ação recíproca dos interlocutores. É evidente que este acontecimento só será real se o professor puder centralizar-se (por formação competente) enquanto agente mobilizador de ação e reação face à construção de sentidos permeados pela efetivação dialógica, em busca da consciência crítica.
Concordo com Spink e Medrado (1999) quando afirmam que a mídia poderá reestruturar os espaços de interação, principalmente quando direciona seus dizeres para o ensino fundamental. Paralelo a isto, o pensamento de Aquino (2000) torna-se imprescindível para que entendamos o processo de interação enquanto jogo de poderes inerentes à prática escolar e social. Contudo, é necessário trabalhar em sala de aula a partir do discurso televisivo (da publicidade, novelas, telejornais, etc.) traçando objetivos didático-metodológicos que contemplem a leitura eletrônica como forma de alfabetização digital, fundamentando a interpretação do discurso.
Talvez uma das mais urgentes necessidades de trabalhar a leitura voltada para o campo televisual, seja confrontar, analiticamente, o sentido dos sentidos de verdade e não-verdade. Digo que o sistema precisa do real enquanto zona de tensão para que o discurso de um real construído em textos eletrônicos sejam "racionalmente" incorporados enquanto verdade que de mostra verdadeira. Esta averiguação remonta desde os poetas gregos do século VI que incorporavam o discurso verdadeiro como aquele instituído pelo pronunciamento daqueles que alinhavam o direito do dizer com o sentido de justiça, sabedoria, profetização do futuro, conforme ritualização discursivo-social estabelecida. Para Foucault (1999, p. 17), "essa vontade de verdade, como os outros sistemas de exclusão, apoia-se sobre um suporte institucional: é ao mesmo tempo reforçada e reconduzida por todo um conjunto de práticas como a pedagogia, é claro, como o sistema dos livros, da edição, das bibliotecas, como as sociedades dos sábios outrora, os laboratórios hoje".
A emergência da leitura da realidade perpassa, na minha compreensão, a democratização da informação e do conhecimento, respaldada pela quebra dos poderes tendenciosos à hegemonia do pensamento elitista, formatado nos discursos televisuais. Esta democratização informacional Aquino (1997) chamou de possibilidade coletiva. Indo além, a autora complementa dizendo que a formação do leitor está ligada a uma prática (práxis) responsável pelo deslocamento do senso comum à consciência filosófica, ecoando a competência do poder-saber através da busca pelo conhecimento teórico-metodológico na prática educacional.
Assim, a leitura eletrônica assinala uma nova vertente no saber ler, topicalizando um saber ver que se sobrepõe às novas configurações dos relacionamentos familiares e sociais que vêm sendo transformadas a partir da idéia de pós-modernidade. A abrangência dessa era do pós-moderno envolve o conhecimento da microeletrônica através do desenvolvimento e alcance da tecnologia e suas traduções sociais, como exemplo: computadores (na escola) e televisores (na escola).
A abrangência das raízes tecnológicas efetiva a luta contra a exclusão, se pensarmos que o cenário de um real/global é motivado pela inserção das tecnologias da informação e comunicação, principalmente, como alças de uma remodelagem histórica que está, a todo instante, interferindo na roupagem de formação do leitor.
A linguagem da televisão, em seu dizer constitutivo pela técnica ideológica, opera pela complementação do ver e do ouvir, fazendo surgir sentidos manufaturados pelo arcabouço laboratorial do sistema. Dessa forma, os conteúdos são condizentes com a sistemática do poder enquanto esforço supremo de imposição, disciplina e controle social.
O discurso, apoiado no tripé iconográfico/verbal/auditivo, é formulado para não falar diretamente à razão, mas aos sentidos direcionados (Gutierrez, s/d). Diga outros tantos que tais sentidos não eqüivalem ao campo polissêmico porque a este a criatividade e capacidade crítico-construtiva são marcos inerentes, o que não ocorre com a falsa completude proporcionada pela televisão (ver/ouvir/dizer) controlada pela assimetria da paráfrase e seus sentidos unidirecionais. Neste sentido, o sujeito delibera significados já esperados pelos propósitos estabelecidos, ou seja, o indivíduo apenas forma a imagem ou consome a compreensão dos sentidos da ideologia dominante.
Em sua forma (significante) de canalizar fluxos de informação direcionados, a televisão, na manutenção de novos conteúdos (significados), opera uma sincronia diante de uma estrutura dinâmica então comum que se traduz em modelagem narrativa de abundante atração. Voltando-se para o campo educacional, se não desconstruída esta tendência, ostenta a variabilidade de um "pensar" pelo e/ou sobre o teleleitor, inserindo-o num processo cognitivo responsável por trazer experiências traduzidas nos moldes de uma compreensão apelativa ou "linguagem total".
Cabe à escola e à biblioteca, enquanto instituições (interligadas) de sistematização da leitura de mundo, a orientação para a conscientização da leitura do real verdadeiro, sem máscaras nem maquiagem. A alfabetização política, decorrente deste processo, propõe os caminhos onde se possibilita chegar às formas de soletrar os não-ditos pela leitura do que foi acessado pelo dito.
Na perspectiva barthesiana, ler é levantar a cabeça, tentando filmar a leitura em câmara lenta. Isto é, escrevemos um texto na medida em que, inspirado na leitura de outro, encontramos associações advindas de idéias que vão brotando. Trata-se de um texto-leitura, aquele que nasce pelo incentivo da produção, pela briga em prol dos sentidos conotativos que, no dizer de Barthes (1984), estabelecem um direito ao sentido múltiplo. Nesta conquista polissêmica, ler é entender o mundo, é saber olhá-lo com olhos de cidadão, de conquistador de novos direitos.
Assim sendo, uma reflexão crítica sobre os significados do texto eletrônico e do seu discurso, de moderna apreensão de conteúdo e condições de produção, pode ser propiciado se, nas salas de aula, o professor lançar mão do estudo sobre a inverdade contida no dito e a verdade escondida no não-dito. A análise do discurso seria uma das formas que possibilitaria esta prática didático-metodológica em sala de aula.
4 (CON)FUSÃO: DITO E NÃO DITO
É importante considerar a leitura, assim como na perspectiva da análise do discurso, enquanto processo de produção onde se coadunam criticidade e criatividade perante a construção do texto e face à construção dos sentidos no processo interativo em que os sujeitos (interlocutores) edificam significações diante da discursividade (Orlandi, 1999).
Torna-se imprescindível, assim, introduzir uma fala sobre a análise do discurso (AD) que, investindo em determinar como o texto funciona, revela mecanismos que impulsionam, metodologicamente, a prática da produção da leitura e, conseqüentemente, dos sentidos/significações.
A noção de funcionamento do texto do discurso remete, segundo Orlandi (1999), ao campo social que marca a exterioridade do texto e aos implícitos, que configuram uma incompletude do texto enquanto forma de sentidos que não corresponde à soma de frases, mas ao indivíduo e seu meio. Nesse sentido, o texto sintoniza um discurso ou vários deles; é incompleto e cheio de intervalos porque nasce de um discurso, reformula e o remete a um posterior.
A busca da discussão da produção de sentidos, face aos discursos televisuais, dá-se em simetria à análise do discurso por estes meios, uma vez que ler, escrever e analisar formam um processo indissoluto, contribuindo para a formação do leitor. Isto porque, na abordagem de Orlandi (1988, p. 37), “quando se adere ao conhecimento legítimo, através do discurso que propõe o acesso necessário a ele, se desconhece a luta de classes, a luta pela validade das diferentes formas de saber e a questão da resistência cultural”.
É sabido que estas colocações inspiram imersões críticas no plano sócio-educacional e encaminham para refutações mais profundas no que concerne ao estudo da AD e sua interface com o vivido e o sentido. O homem, enquanto sujeito, constrói os múltiplos sentidos da vida, exteriorizando e tornando-os códigos lingüí