Informação e produção de sentidos: os (dis)cursos (tele)visuais




José Washington de Morais Medeiros*



2002


(versão em pdf)


Resumo


Este trabalho discute a produção de sentidos como resultado de múltiplas leituras. Entretanto, reconhece que o processo da economia global e o poder dominante delimitam o processo de construção dos sentidos. Historicamente, o discurso da televisão reforça as determinações elitistas a partir da técnica mercadológica de produção do discurso e a ideologia presente nos ditos e não-ditos. A partir de então, discute como a leitura eletrônica pode confrontar a (in)formação e produção de sentidos para a crítica com as manobras do sistema para a formação da massa de manobra, uma vez que os (dis)cursos (tele)visuais estão presentes formalmente na instituição escolar. A análise do discurso (AD) seria uma das formas de reconhecer, interpretar e revidar o campo discursivo da tevê. Em sala de aula, funcionaria como uma espécie de alfabetização digital que reforçaria a leitura de mundo e, consequentemente, a leitura política para a ação de mudança.




1 O FIL(TRADOR) DA FALA


Num mundo ambientado pela idéia da aldeia global, a fissura do pensamento de modernidade/pós-modernidade estabelece a lógica das identidades. As tecnologias ditas de ponta, voltando-se para as redes de televisão, exemplificam o empenho em remodelar a expansão de um canal de fluxos informacionais que joga no ar o discurso do sistema, histórico/institucional/excludente/constrangedor (Foucault, 1999), e suas formas de dizer e fazer um jogo de sentidos pré-fabricados.

Os parâmetros do dizer televisual embainham fazeres constitutivos de técnicas e trejeitos lingüísticos, arranjados como formas ou métodos técnicos da ação estratégica, como é o caso do discurso da publicidade, da telenovela, dos programas teleducacionais, etc. Tal concepção consubstancia este texto que propõe um olhar pelas nuanças da produção de sentido, fruto das leituras (denotativas/conotativas) extraídas do contato direto e cotidiano com os discursos advindos da informação televisual.

A viabilidade desta discussão, conclamando Freire (2000), pode servir para debater o que se diz e o que se mostra e como se mostra na televisão, cuja força alienante é possível de ser revidada com o aumento da criticidade do leitor televisual que, no instante do processo (in)formativo, depara-se com o que o autor denomina de verdade sonora e coloridamente proclamada.

Nesta propositura, produzir sentido supõe, incipiente e resumidamente, modos de observação. Observar significa buscar aptidão para um saber ver que, por sua vez, envolve a leitura (técnica/subjetiva) do espaço discursivo da televisão em sua expressividade tripartite: icônica, verbal, auditiva. Foucault (1999) entende que o discurso expõe sua real materialidade através do que é pronunciado ou escrito, onde se velam poderes e perigos que mal se imaginam. Assim sendo, o campo visual deve revestir-se de uma acentuada importância diante desta concepção e não pode ficar relegado a uma secundarização perante o dizer oral e escrito, quando constituem (o pronunciamento, a escrita e a imagem) fios de uma mesma rede de pronunciamento.

Encaminho, a partir de então, a proposta de discutir esta temática tentando enveredar pelo seguinte raciocínio: a produção de sentido, fruto da leitura dos signos televisuais, pode colaborar para um redimensionamento nas esferas sociais, diante do uso da informação veiculada.

É importante acrescentar que esta feitura não objetiva abarcar as malhas teóricas de uma argumentação fidedigna ao aprofundamento do campo da lingüística, acerca da produção de sentidos. Muitos antes, apresenta-se como uma idéia introdutória, para incitar discussões, onde se toma o discurso televisual e seu investimento em influenciar leitores pela inserção de dizeres constitutivos de uma idéia de cotidiano, onde se misturam polissemia e paráfrase, enquanto significados procedentes, e tipos de discursos como o autoritário, o polêmico e o lúdico.

O surgimento de tal implemento está inspirado no pensamento de Orlandi (1999); (1988); (1987), através da teorização da análise do discurso (AD), revelada como o “raio X” dos sentidos (o texto do discurso e o discurso do sujeito). Isso porque, nas palavras da autora, não há discurso sem sujeito nem sujeito sem ideologia.


2 SITUANDO OS (MULTI)SENTIDOS


Nesta via de raciocínio situando os (multi)sentidos, é imprescindível resgatar o pensamento de Spink e Medrado (1999, p. 41) quando dissertam: "O sentido é uma construção social, um empreendimento coletivo, mais precisamente interativo, por meio do qual as pessoas - na dinâmica das relações sociais historicamente datadas e culturalmente localizadas - constróem os termos a partir dos quais compreendem e lidam com as situações e fenômenos a sua volta".

Estabelecendo uma perspectiva baktiniana, Spink e Medrado (1999) asseguram que não há como produzir sentidos quando um canal implanta uma fala unidirecional, pois o confronto entre os sujeitos marca a construção entre os sentidos. Dessa forma, a leitura, permissiva de um olhar autoritário, estabelece uma falsa interatividade correlacionada pela relação homem-máquina, envolvendo um entendimento não social, mas ideológico, pois a compreensão dos sentidos é sempre um confronto entre inúmeras vozes.

Na abordagem desses autores, a produção de sentidos é efetivada considerando a existência de três fatores históricos: o tempo longo (construção dos conteúdos culturais), o tempo vivido (linguagem social que aprendemos) e o tempo curto (fincado nos processos dialógicos). O discurso televisual, nesta circunstância, investe em abarcar esses três fatores quando operacionaliza um dizer efêmero com características de uma permanência passiva e neutralizante. A noção de interatividade tenta preencher o tempo curto onde o princípio da retroalimentação comunicacional (diálogo) confronta a dualidade homem-máquina, sendo esta última o modo preponderante que estabelece a leitura da forma como deve ser lida, o que e como utilizar tais informações que, geralmente, incitam o surgimento de um tipo padrão de leitor: o parafrásico.

O tempo longo, por sua vez, vem atuando a partir de um passado recente onde se ampliou a abrangência da televisão, criando uma noção de dependência social dos discursos televisivos. Desse modo, na concepção dos autores supracitados, "a mídia não é apenas um meio poderoso de criar e fazer circular conteúdos simbólicos, mas possui um poder transformador ainda pouco estudado - e, talvez, ainda subestimado - de reestruturação dos espaços de interação propiciando novas configurações aos esforços de produção de sentidos" (Spink e Medrado, 1999, p. 58). Assim sendo, de uma forma ou de outra, mesmo cultivando o dizer de um para muitos e usar um processo comunicacional efêmero, partimos do princípio de que os discursos televisuais disseminam sentidos pré-estabelecidos nas informações geradas, propiciando uma noção de interação para o teleleitor1. Entretanto, deve-se reconhecer o caráter ideológico contido no discurso e na interpretação crítica inerente ao uso informacional na formação do indivíduo e da sociedade.

Fundamentando-se no pensamento foucaultiano, Aquino (2000) estuda as conexões da interação na construção do sentido, voltando-se para o campo do ensino como matriz de análise. A instância da linguagem, nesse processo, apresenta-se como suporte verdadeiramente eficaz para o sujeito, funcionando como prática discursiva que invoca a construção de sentidos. Tais práticas discursivas (pedagógica, étnica, histórica, política, afetiva, textual, lingüística, etc.) são fundidas no processo de ensino-aprendizagem que envolve um ter conhecimento para saber usar o conhecimento. Esses saberes atuam na formação de sujeitos para que exerçam micropoderes em atitudes não-submissa de interação (Aquino, 2000, p. 12).

Apoiada nas “novas regras do método sociológico”, de Giddens, a autora direciona o olhar para três categorias elementares da interação: o significante, a ordem e o poder. O primeiro estabelecido pelo contato simultâneo ou mútuo que ordena uma intenção comunicativa; o segundo diz respeito à intencionalidade de vigência atualizada dos direitos e deveres sociais; e o poder como capacidade de intervenção e transformação social. Com Foucault, a autora discute a questão do poder como algo perspicaz, cuja penetrabilidade é dada na esfera da própria interação quando engrena relações de imposições e aceites, pela vigência sutil dos micropoderes. Neste momento, "a interação é uma ação discursiva exercida por sujeitos posicionados em relação de poder, que se propõem construir o sentido" (Aquino, 2000, p. 14). Esta visão, na concepção foucaultiana, é fundada na premissa de que a interação-poder constrói sentidos e que a relação de produção da informação e do conhecimento incentiva o sujeito para a construção de sentidos.

Atualmente, no cenário da educação formal brasileira, o discurso televisual está entre os sujeitos do saber e do poder em sala de aula, voltando-se para o ensino fundamental. Essas novas práticas informativo-educacionais poderão remodelar a dinâmica da ação pedagógica, ampliando a competência dos sujeitos entre o saber e o poder.

A televisão ainda é um objeto informacional estático defendendo um discurso de caráter autoritário. Entretanto, com as metamorfoses ocorridas no mundo nos últimos anos, onde fronteiras são quebradas pelo movimento da informação, não será difícil para o indivíduo quebrar a vigência da interação enquanto jogo de permuta interpessoal, conquistando a televisão para uma ação dialógica ou para a democratização dos sentidos.

O campo televisual ainda se baseia na circunstância de um dizer uno em que a interação é marcada por um nódulo que assume o papel de causar (con)fusão entre o dito institucionalizado e os sujeitos-leitores. Porém, mesmo diante das manobras de construção de sentido da tevê, o professor e o educativo encontra novos modos de um ensino-aprendizagem calcado no estabelecimento de uma leitura eletrônica mais dinâmica e interativa.

Para Aquino (2000, p. 19) "a interação é uma relação de forças que age sobre outras forças, constituindo relações de poder que se dinamizam em plena atividade como a própria força". Se assim o for, as informações obtidas a partir da leitura eletrônica são induzidas para um processo de significação resultante, tendo em vista que a indução é o primeiro nível de interação e envolve uma ação recíproca dos interlocutores. É evidente que este acontecimento só será real se o professor puder centralizar-se (por formação competente) enquanto agente mobilizador de ação e reação face à construção de sentidos permeados pela efetivação dialógica, em busca da consciência crítica.

Concordo com Spink e Medrado (1999) quando afirmam que a mídia poderá reestruturar os espaços de interação, principalmente quando direciona seus dizeres para o ensino fundamental. Paralelo a isto, o pensamento de Aquino (2000) torna-se imprescindível para que entendamos o processo de interação enquanto jogo de poderes inerentes à prática escolar e social. Contudo, é necessário trabalhar em sala de aula a partir do discurso televisivo (da publicidade, novelas, telejornais, etc.) traçando objetivos didático-metodológicos que contemplem a leitura eletrônica como forma de alfabetização digital, fundamentando a interpretação do discurso.


3 LEITURA ELETRÔNICA


Talvez uma das mais urgentes necessidades de trabalhar a leitura voltada para o campo televisual, seja confrontar, analiticamente, o sentido dos sentidos de verdade e não-verdade. Digo que o sistema precisa do real enquanto zona de tensão para que o discurso de um real construído em textos eletrônicos sejam "racionalmente" incorporados enquanto verdade que de mostra verdadeira. Esta averiguação remonta desde os poetas gregos do século VI que incorporavam o discurso verdadeiro como aquele instituído pelo pronunciamento daqueles que alinhavam o direito do dizer com o sentido de justiça, sabedoria, profetização do futuro, conforme ritualização discursivo-social estabelecida. Para Foucault (1999, p. 17), "essa vontade de verdade, como os outros sistemas de exclusão, apoia-se sobre um suporte institucional: é ao mesmo tempo reforçada e reconduzida por todo um conjunto de práticas como a pedagogia, é claro, como o sistema dos livros, da edição, das bibliotecas, como as sociedades dos sábios outrora, os laboratórios hoje".

A emergência da leitura da realidade perpassa, na minha compreensão, a democratização da informação e do conhecimento, respaldada pela quebra dos poderes tendenciosos à hegemonia do pensamento elitista, formatado nos discursos televisuais. Esta democratização informacional Aquino (1997) chamou de possibilidade coletiva. Indo além, a autora complementa dizendo que a formação do leitor está ligada a uma prática (práxis) responsável pelo deslocamento do senso comum à consciência filosófica, ecoando a competência do poder-saber através da busca pelo conhecimento teórico-metodológico na prática educacional.

Assim, a leitura eletrônica assinala uma nova vertente no saber ler, topicalizando um saber ver que se sobrepõe às novas configurações dos relacionamentos familiares e sociais que vêm sendo transformadas a partir da idéia de pós-modernidade. A abrangência dessa era do pós-moderno envolve o conhecimento da microeletrônica através do desenvolvimento e alcance da tecnologia e suas traduções sociais, como exemplo: computadores (na escola) e televisores (na escola).

A abrangência das raízes tecnológicas efetiva a luta contra a exclusão, se pensarmos que o cenário de um real/global é motivado pela inserção das tecnologias da informação e comunicação, principalmente, como alças de uma remodelagem histórica que está, a todo instante, interferindo na roupagem de formação do leitor.

A linguagem da televisão, em seu dizer constitutivo pela técnica ideológica, opera pela complementação do ver e do ouvir, fazendo surgir sentidos manufaturados pelo arcabouço laboratorial do sistema. Dessa forma, os conteúdos são condizentes com a sistemática do poder enquanto esforço supremo de imposição, disciplina e controle social.

O discurso, apoiado no tripé iconográfico/verbal/auditivo, é formulado para não falar diretamente à razão, mas aos sentidos direcionados (Gutierrez, s/d). Diga outros tantos que tais sentidos não eqüivalem ao campo polissêmico porque a este a criatividade e capacidade crítico-construtiva são marcos inerentes, o que não ocorre com a falsa completude proporcionada pela televisão (ver/ouvir/dizer) controlada pela assimetria da paráfrase e seus sentidos unidirecionais. Neste sentido, o sujeito delibera significados já esperados pelos propósitos estabelecidos, ou seja, o indivíduo apenas forma a imagem ou consome a compreensão dos sentidos da ideologia dominante.

Em sua forma (significante) de canalizar fluxos de informação direcionados, a televisão, na manutenção de novos conteúdos (significados), opera uma sincronia diante de uma estrutura dinâmica então comum que se traduz em modelagem narrativa de abundante atração. Voltando-se para o campo educacional, se não desconstruída esta tendência, ostenta a variabilidade de um "pensar" pelo e/ou sobre o teleleitor, inserindo-o num processo cognitivo responsável por trazer experiências traduzidas nos moldes de uma compreensão apelativa ou "linguagem total".

Cabe à escola e à biblioteca, enquanto instituições (interligadas) de sistematização da leitura de mundo, a orientação para a conscientização da leitura do real verdadeiro, sem máscaras nem maquiagem. A alfabetização política, decorrente deste processo, propõe os caminhos onde se possibilita chegar às formas de soletrar os não-ditos pela leitura do que foi acessado pelo dito.

Na perspectiva barthesiana, ler é levantar a cabeça, tentando filmar a leitura em câmara lenta. Isto é, escrevemos um texto na medida em que, inspirado na leitura de outro, encontramos associações advindas de idéias que vão brotando. Trata-se de um texto-leitura, aquele que nasce pelo incentivo da produção, pela briga em prol dos sentidos conotativos que, no dizer de Barthes (1984), estabelecem um direito ao sentido múltiplo. Nesta conquista polissêmica, ler é entender o mundo, é saber olhá-lo com olhos de cidadão, de conquistador de novos direitos.

Assim sendo, uma reflexão crítica sobre os significados do texto eletrônico e do seu discurso, de moderna apreensão de conteúdo e condições de produção, pode ser propiciado se, nas salas de aula, o professor lançar mão do estudo sobre a inverdade contida no dito e a verdade escondida no não-dito. A análise do discurso seria uma das formas que possibilitaria esta prática didático-metodológica em sala de aula.



4 (CON)FUSÃO: DITO E NÃO DITO


É importante considerar a leitura, assim como na perspectiva da análise do discurso, enquanto processo de produção onde se coadunam criticidade e criatividade perante a construção do texto e face à construção dos sentidos no processo interativo em que os sujeitos (interlocutores) edificam significações diante da discursividade (Orlandi, 1999).

Torna-se imprescindível, assim, introduzir uma fala sobre a análise do discurso (AD) que, investindo em determinar como o texto funciona, revela mecanismos que impulsionam, metodologicamente, a prática da produção da leitura e, conseqüentemente, dos sentidos/significações.

A noção de funcionamento do texto do discurso remete, segundo Orlandi (1999), ao campo social que marca a exterioridade do texto e aos implícitos, que configuram uma incompletude do texto enquanto forma de sentidos que não corresponde à soma de frases, mas ao indivíduo e seu meio. Nesse sentido, o texto sintoniza um discurso ou vários deles; é incompleto e cheio de intervalos porque nasce de um discurso, reformula e o remete a um posterior.

A busca da discussão da produção de sentidos, face aos discursos televisuais, dá-se em simetria à análise do discurso por estes meios, uma vez que ler, escrever e analisar formam um processo indissoluto, contribuindo para a formação do leitor. Isto porque, na abordagem de Orlandi (1988, p. 37), “quando se adere ao conhecimento legítimo, através do discurso que propõe o acesso necessário a ele, se desconhece a luta de classes, a luta pela validade das diferentes formas de saber e a questão da resistência cultural”.

É sabido que estas colocações inspiram imersões críticas no plano sócio-educacional e encaminham para refutações mais profundas no que concerne ao estudo da AD e sua interface com o vivido e o sentido. O homem, enquanto sujeito, constrói os múltiplos sentidos da vida, exteriorizando e tornando-os códigos lingüísticos e/ou empírico-culturais que fundamentam, de um lado, o estudo da AD e que, de outro, comprometem-se com o desvendar do lado “obscuro” que influencia o discurso do sujeito. Assim, vale lembrar que o homem enquanto sujeito histórico e o sujeito enquanto oprimido do sistema de poder constituem a base referencial para o estudo da AD.

Contemplando mais de perto o estudo da AD é possível apreciar os pressupostos de uma teoria difícil de ser compreendida, mas que, ao mesmo tempo, justifica-se e assemelha-se à dinamicidade da vida cotidiana. Viver não é fácil; tampouco tentar explicar os fenômenos que ambientam a vida do homem: suas práticas diárias, suas múltiplas formas de comunicação (linguagem) e engajamento social, seus modos de produção, constituição de normas e valores, seus traços cultural-tradicionais, exteriorizados na criação e disseminação de símbolos comuns, decodificados por uma grande maioria; os vários sentidos formulados (paráfrase) e os produzidos (polissemia) para se entender um contexto, os contextos forjados para inserir o homem nas facetas inovadoras do sistema, solidificando a hegemonia deste pela maquiagem do real, apresentação ou reconfiguração simbólica da vivência cotidiana através da fabricação de sentidos regidos pela carga ideológica do jogo de poderes.

A AD é tomada por especificidades e particularidades que fazem dela um contínuo traçar de metas e mecanismos para se delinear todo o arcabouço do texto do discurso e do discurso do sujeito. Em outras palavras, as múltiplas realidades de um contexto demandam singularidades de análise e, nesse sentido, AD se dilui em variações para interpretar as especificidades dos fenômenos. Apesar de ligadas por um discurso hegemônico, por exemplo, o sistema capitalista impera nos vários aspectos sociais, nas várias instituições, de maneira diferenciada. Assim, os discursos da publicidade, da escola, da igreja, da família dão-se de forma peculiar, porém regidos pelo próprio sistema Capitalista. Desse modo, para a AD, o discurso pedagógico não segue os mesmos procedimentos do discurso religioso, mas ambos se encontram em algum lugar, cruzando similaridades porque pertencem a um mesmo contexto sócio-político-econômico.

O cotidiano é regido pelas facetas do dito e pelo obscurantismo do não-dito. O sujeito, enquanto ator histórico-interativo do processo de comunicação, acaba interiorizando o discurso “hegemônico” das instituições sem perceber as tramas do ideológico, do manobrável, do (de)formador. Na penumbra do escuro e escondido, AD abre alas para que o sujeito possa visualizar que seu discurso, apesar de personalizado, não é único, ou seja, está ensopado de mecanismos de manutenção e solidificação do poder. Aliás, historicamente, discurso e poder caminham juntos em prol da onipotência de uma pequena minoria que se esforça em incutir na maioria falas prontas através de meios eficazes para isso.

Discurso é uma palavra não muito popular, porém não rebuscada. Seu distanciamento do campo empírico é causado por uma representação histórica de algo fenomenal, digno de quem não somente foi alfabetizado, mas daqueles que detêm “sorte” e “esperteza” na vida, incluindo-se aí o fator econômico. Isto acontece porque a palavra discurso, quando abordada pelo senso comum, é entendida como sinônimo de oratória.

A AD não pode ser tida apenas como campo analítico. Absorve, também, ideais de ação e reação quando estabelece mudança entre o dito e o não-dito. As palavras de Orlandi (1987, p. 34) reafirmam essas colocações quando disserta: “Dizer não é apenas informar, nem comunicar, nem inculcar, é também reconhecer pelo afrontamento ideológico. Tomar a palavra é um ato dentro das relações de um grupo social”.

Tomar a palavra, ação consciente para assegurar a prática do discurso polêmico, é reconhecer-se como sujeito da história, é estar apto para ler e contextualizar os textos que formam os discursos; é enxergar a massa de manobra exaurida pela classe dominante e implementar mudanças estruturais que possam desarticular o sistema através do grito não contido, da fala não usurpada, dos sentimentos não engolidos e trancafiados. Este ato de pertinência social, se aclamado pela grande maioria, seria um das primeiras ações de mudanças sociais.

Enquanto texto iconográfico-auditivo, o texto televisual, ele mais que o da rede mundial de computadores, é incompleto por ser construído pela formatação de outros textos que utilizam a linguagem como elemento, quase estrito, de informações, mas também é constitutivo de significações múltiplas; uma espécie de lugarejos de sentidos a serem trabalhados, reordenados, criticados.

Analisando o discurso da televisão francesa sobre o resultado das eleições que elegeram o presidente François Mitterand, Pêcheux (1997) constata o enunciado dos discursos como mantenedores de normas que inculcam a noção de uma verdade informacional equivalente a um dizer dialético, envolvendo um jogo de velar/revelar.

Reconhecendo que existe um ranço histórico, expressado em desconfianças e preconceitos por parte dos educadores, com relação à televisão na educação formal, Guimarães (2000) encontra nas práticas de linguagem televisual e seus mecanismos conteudísticos, fenômenos sociais que muito têm a acrescentar e somar diante dos conteúdos formais da escola. Estudando os programas ditos educativos, constata que o prazer e o conhecimento, advindos da linguagem televisual, podem consistir numa reflexão interessante se relacionada aos recursos enfadonhos da educação tradicional, haja vista que tais programas aproximam-se das práticas de linguagem do dia-a-dia.

Olhando por um outro lado, alguém pode dizer que a implantação de um discurso televisual para a escola pode acrescentar mais um aporte no caráter de tendência autoritária que tem o discurso pedagógico. Orlandi (1987) traça três tipos de discurso: o lúdico, o polêmico e o autoritário e dois processos distintos que constituem esses tipos: o parafrástico (sentido direcionado) e o polissêmico (múltiplos sentidos). O lúdico apresenta uma polissemia aberta, ou seja, é confuso e não articula ação conjuntural para efetivar uma verdadeira mudança; o polêmico tem uma polissemia controlada, vigiada para que não se liberte; o autoritário trabalha uma polissemia contida, onde se decapita a curiosidade através da imposição do sentido incutido como verdade. A autora defende o discurso polêmico porque, através dele, é possível tomar a palavra enquanto conquista e usá-la como mecanismo de desenvolvimento produtivo.

O entrelaçar entre os tipos de discursos e os processos que os constituem atravessam o cotidiano e as instituições, indo da escola à igreja. Em alguns momentos, numa visão superficial, não podemos visualizar claramente a tendência de um tipo de discurso em determinado contexto, o que demanda um estudo mais sistemático. No mundo da vida escolar, tomando como base a pedagogia tradicionalista, o discurso autoritário tende a dominar, instaurando-se os sentidos direcionados do processo parafrásico. Todavia, as configurações da contemporaneidade, abrangendo as tecnologias da informação e comunicação e a leitura eletrônica, relacionam a televisão, a escola e o sujeito discursivo (teleleitor) contra a velha discussão do ser massa.


5 A MÁQUINA (DI)VISÃO: OLHANDO A IMCOMPLETUDE DA DISCUSSÃO


A chegada da televisão na escola tem constituído um impacto no processo de aprendizagem, onde o estado de uma nova leitura tem se evidenciado como normativo diante de uma dinâmica modernicista de informação/conhecimento, marcando uma polêmica entre o livro impresso e o eletrônico. Voltar-se para a linguagem torna-se pertinente, tendo em vista que é através das práticas discursivas (linguagem em ação) que a produção de sentidos envolve as malhas das significações sociais. A linguagem em uso, nessa perspectiva, funciona como suporte que sustenta as práticas sociais e a geração de sentidos.

Platão, no diálogo de Fedro, associava a linguagem a uma espécie de phamarkon, dividido por três sentidos distintos: remédio, veneno e cosmético. O diálogo e a comunicação reduziriam a ignorância tornado-se recursos da aprendizagem e resul­tando num remédio para o conhecimento. O poder instituído pelas palavras, nas constru­ções lingüísticas, assemelhar-se-ia a uma mágica instantânea onde deixaria uma labare­da de fascinação que seduziria os sentidos: seria o veneno. Dissimulando e ocultando a verdade, as palavras, em contrapartida, poderiam ser também cosmético que recobre o dito, ocultando-o do referencial que o imprime como veracidade (Chauí, 1997).

Neste jogo de uso da linguagem pelo dizer, a comunicação instaura uma disputa de sentidos onde são demarcados espaços, interpretados como cenário do processo diáletico entre o massivo e o crítico. Dá-se um movimento de ir e vir em que o teleleitor, dividido entre as massas e as redes, poderá optar pelas infovias que destituirão o autoritarismo e construirão o discurso polêmico.

Mas, a realidade ainda se apresenta da seguinte forma: alvejados por um ocultis­mo do dizer em show ou por uma informação como espetáculo, o mundo absorve sentidos ideológicos; o falar é secundário, o ver e o ouvir demarcam os limites dos sentidos contextuais da vida, marcados por traçados e perspectivas do campo da produção da comunicação. No discurso desvairado de um dizer dominante, máquinas lubrificadas de ideologia vão imprimindo a edição de sentidos parafrásticos nas formações discursivas. No fogo cruzado das guerras visuais, a televisão atira no limite da decência histórico-humana, socando a pólvora da briga do primeiro eu, investindo em formações discursivas refogadas na chama da prontidão do pensamento de castração que embeleza os corpos dos padrões estéticos e esforça-se para atrofiar as mentes do pensar complexo. Encaminham-se as evidências de um fazer ideológico combinado com a palmilha de um planejar dominante, isto é, o agir estratégico.

Tentei me referir a esse planejar dominante como estratégia estatal-mercadoló­gica que direciona os sentidos do processo ensino-aprendizagem a partir da vigência de um suporte informacional (a televisão) formalizada como mecanismo de apoio à educação. O discurso pedagógico, que tende ao autoritarismo, direciona para um novo dizer cuja leitura eletrônica ainda é parafrásica e reforça o massivo. Contudo, tudo isso pode ser revidado a partir da própria tevê.

Ademais, tentei colocar que se a leitura é inerente ao sujeito, os sentidos residem em cada sujeito, cabendo ao professor e ao profissional da informação a difícil, porém possível, tarefa de concretizar o pensamento da pedagogia freiriana, defensora de uma prática da pergunta, da ação de mudança para uma aprendizagem contextualmente politizada pelo ideal de liberdade.

Penso na construção, democratização e comunhão de significados como instru­mentos da prática educacional, preparando o sujeito para a vida. Há de se assegurar a esse processo a polissemia discursiva conquistada como direito pelo tomar da palavra pronunciando-se através da interação. Neste reagir, é preciso conclamar a leitura e a escrita como marcos reagentes, porque são escudos impermeáveis contra imposições, a favor de relações sensíveis e produtivas e transformadoras pelo redimensionamento da relação entre significante e significado.

Revestir a escola de coragem revolucionária é primazia para que se lute contra os procedimentos de exclusão, principalmente na esteira de um hoje discursivo marcado pela política neoliberal e uma economia global. Isto pode contradizer o que Foucault (1999) chama de interdição, em que não se pode dizer tudo em todo lugar, e colabora com o que Orlandi (1988) trata de defender, ou seja, tomar a palavra pelo discurso polê­mico. Este discurso é desafiador por estar se confrontando com a infantaria do poder.

Na diferença entre percorrer e conhecer o caminho, para onde vamos é uma escolha que não cabe somente a nós, e é se procurarmos responder, primeiramente, quem somos e o que queremos. A audácia é necessária para que troquemos o não pelo sim nas vias do discurso polêmico. E, para isso, tornam-se fundamentais novas leituras (de mundo) com envolvimento e comprometimento entre a leitura da vida para a vida e a leitura da vida contra a morte em vida.


6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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*Mestrando em Ciência da Informação – UFPB.

1O que denominamos aqui de teleleitor correlaciona-se aos processos de mediação da informação na contemporaneidade, quando o indivíduo depara-se com os meios de comunicação, especificamente a televisão, em praticamente todas as esferas sociais, como é o caso da TV Escola, um programa governamental em vigor desde 1996.

tórios hoje".