Tematização e Agendamento Cultural
nas páginas dos diários portugueses
[1]

Sérgio Luiz Gadini [2], Universidade Estadual de Ponta Grossa

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A título de Introdução

Compreender o modo como se faz jornalismo cultural [3] em Portugal, a partir de um estudo de caso da editoria de arte/cultura dos principais diários lusitanos. Essa é a preocupação que norteia a análise que segue, desenvolvida entre outubro de 2001 e janeiro de 2002. Paralelamente à observação do que a mídia impressa fez ‘acontecer’ e de como deu visibilidade a determinados eventos no referido período, buscou-se também identificar aspectos, situações ou fatores capazes de ilustrar a forma como se ‘organiza’, ‘funciona’ e se ‘articula’ o campo cultural português, particularmente na capital do País, Lisboa.

Em outros termos, tendo por base o produto jornal impresso, procura-se ainda compreender as maneiras pelas quais esse mesmo campo é agendado pelo jornalismo e como, simultaneamente, também influencia o fazer periodístico cotidiano – aqui compreendido como um dos produtos do campo midiático, que também participa da construção cultural dos grupos sociais no mundo contemporâneo.

Ciente da ampla variedade de produtos e atividades jornalisticamente elaboradas para orientar o setor cultural (programas de tv, rádio, páginas on line, revistas especializadas e dirigidas à literatura, música, teatro, dança, cadernos semanais etc), a opção pela análise dos principais diários impressos – ao mesmo tempo em que configura uma inevitável escolha metodológica – considera, entre outros fatores, o caráter sistemático e necessariamente atual que a periodicidade imprime, bem como o caráter de agendamento, informação e serviço que a edição cotidiana estabelece com o fazer/ler jornal diário.

Como se pode verificar nas páginas que seguem, o presente texto estabelece uma reflexão de caráter teórico com a ilustração de um estudo de caso que se orienta, basicamente, em torno do eixo conceitual das perspectivas de tematização, agendamento e construção social da realidade que o produto jornalístico elaborado para o campo cultural opera no mundo contemporâneo.

Da mesma maneira, embora a análise dos diários seja feita aqui apenas com os principais jornais portugueses, a eventual referência à realidade midiática brasileira se justifica na medida em que uma das etapas seguintes da pesquisa vai observar mais especificamente o modo como os diários brasileiros tematizam e trabalham com e no campo cultural.

Algumas informações, dados sócio-econômicos e estatísticos, bem como referências históricas, podem propiciar uma maior e necessária contextualização do campo – produção, circulação e consumo – cultural em Portugal. Em especial, referente ao mercado da comunicação social. É o que se pode conferir, em seguida, buscando ‘apresentar’ ao leitor na realidade de que se fala.

Contextualização da Realidade Midiática e Cultural Portuguesa

É oportuno ter presente alguns indicadores que ilustram a dinâmica do mercado cultural (de consumo, adesão e assistência) em Portugal. Tais indicadores, mesmo que parciais, revelam um pouco da realidade, opções, tendências, variáveis ou mesmo oscilações do setor, notadamente no período observado no decorrer do presente estudo, considerando os mais diversos aspectos que integram a conexão dos campos da cultura e o cenário midiático do País.

Dentre tais referências pode-se destacar os números, dados e estatísticas referentes à cultura, desporto e recreação referentes ao ano de 1999, divulgados em outubro de 2001, a partir da sistematização do levantamento realizado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) junto aos estabelecimentos artísticos, culturais, de lazer e recreação existentes no País.

“Mais portugueses nos cinemas” chama o título da matéria que o jornal Diário de Notícias (em sua edição de 31/10/01) veiculou sobre o assunto. A reportagem – como se pode verificar no conjunto das demais informações também publicadas por outros meios – mostra que “20,1 milhões de espectadores assistiram, segundo as estatísticas referentes a 1999, a 464 089 sessões, majoritariamente de filmes americanos. E as autarquias investiram mais” [4] .

Dos filmes exibidos (total de sessões), 86% referiam-se a produções norte-americanas, 9% da União Européia (não se diz, explicitamente, mas pelas estatísticas, estima-se que sejam filmes franceses, britânicos, italianos, espanhóis, alemães e demais países da Comunidade), 3% das sessões foram de filmes portugueses e os restantes 2% de outros países.

“Já no que se refere aos espetáculos ao vivo, as 4.500 sessões atingiram 1,3 milhões de espectadores e geraram uma receita de 1,8 milhões de contos...” O referido levantamento [5] indica que o teatro foi a arte que mais público reuniu (31%), seguindo-se os concertos de música ligeira (25%). A ópera ficou apenas com 2% do total de espectadores. Música clássica ficou com 11% das opções, dança moderna com 6%, dança clássica com 4%, restando 21% para outras modalidades diversas.

Em outros termos, equivale a dizer – a julgar pelos dados apurados e divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística de Portugal (INE) – que, em 1999, cada português, residente no País, assistiu a dois filmes (duas sessões dos filmes ofertados, para ser mais preciso) e visitou uma biblioteca por uma única vez, oportunidade em que consultou ou solicitou dois documentos ou livros durante o referido ano.

Estas são, claro, deduções possíveis a se lançar diante das informações apresentadas pelo INE. O que, contudo, como acontece com toda e qualquer sistematização estatística, não significa dizer que efetivamente traduzem a realidade, principalmente no campo cultural, considerando que a média de acesso, hábito e procura por produtos e serviços não é absolutamente universal. Até porque, nesses casos, não estão incluídas as atividades regionais, locais e eventuais que não passam pelos centros e demais espaços artístico-culturais legalmente existentes no País.

Pertinente, nesse caso, é atentar para a presença do cinema holywoodiano na cultura portuguesa. O que demonstra que, comparativamente aos dados apresentados por Fernando Correia [6] , ao menos no que diz respeito a Portugal, de 1997 para 1999, a presença (da ‘eficácia’) cultural da indústria cinematográfica norte-americana no meio cultural lusitano subiu de 70 para 86% do total de consumo de filmes... Uma projeção digna de registro!

Mas não é somente no cinema que a influência da cultura norte-americana é visível; na música também se registra um fenômeno similar [7] . Mesmo não dispondo de dados precisos acerca do consumo musical, basta passar o dial radiofônico (seja AM ou FM) nacional para perceber que, paralelo ao fado e às músicas portuguesas, bem como à presença de algumas produções brasileiras, a indústria fonográfica norte-americana é massivamente dominante nas ondas sonoras lusitanas. Situação essa, pelo que se pode observar, diferente do que acontece na maioria dos demais países europeus (principalmente na França, Espanha, Itália e Alemanha).

História e Atualidade do Mundo Cultural

Igualmente oportuno, nessa discussão, é considerar alguns fatores sociais que marcaram a história de Portugal ao longo das últimas décadas do século XX.

Com aproximadamente 10,3 milhões de habitantes, Portugal tem como um dos principais marcos históricos do século XX a existência de um regime ditatorial, que vigorou entre 1926 e 1974, cerceou liberdades políticas, democráticas e civis de milhares de críticos, militantes, intelectuais, religiosos, escritores e demais profissionais que, de alguma forma, se posicionavam contrários ao regime ‘salazarista’, sob censura explícita ou, no final, denominada de “exame prévio”.

É, portanto, a partir do fim da ditadura (oficialmente em 25/04/1974) que o País se estrutura em torno de governos intencionalmente democráticos, aprova nova Constituição (02/04/76) e reordena a comunicação social [8] , possibilitando o surgimento de novos periódicos, ampliando o acesso aos meios eletrônicos, dentre outros fatores.

Nesse contexto, os assuntos e questões pertinentes à comunicação são de responsabilidade do Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro, sob a Secretaria de Estado da Comunicação Social. Existe ainda a Alta Autoridade para a Comunicação Social, que funciona junto à Assembléia da República, e o Instituto da Comunicação Social, que atua sob a superintendência governamental. Paralelo a isso, há que se registrar a existência efetiva de uma sociedade civil, profissional e empresarial, que atua no setor.

            O clima de ‘nacionalização’, que marcou a fase pós-25 de abril, levou o governo a nacionalizar dos principais diários do País [9] . Data também desse período – com maior ênfase a partir dos anos 1908 – a criação de novos jornais, revistas e periódicos segmentados (voltados ao esporte, economia, etc) [10] .

            O Estado, apesar da reordenação das comunicações rádio-televisivas, ocorrida a partir do início dos anos 1990 (quando surgiram novas redes de comerciais de tv aberta ou por cabo), ainda mantém forte presença no campo midiático. A Radiodifusão Portuguesa (RDP) transmite através de 5 canais: Antena 1, Antena 2 Cobertura nacional), Antena 3 (Ilha da Madeira), RDP Internacional e RDP-Africa. (voltada aos países de colonização e língua portuguesa, Palop). Por sua vez, a RTP (Radiotelevisão Portuguesa), sob controle, investimento e administração pública direta, funciona num sistema misto (com recursos públicos e anúncio publicitário). Em 1992 também é criada a RTP-Internacional e, pouco tempo depois, a RTP-Africa (98), com transmissões via satélite. Além disso, a única agência de notícias com estrutura e cobertura nacional (Lusa [11] ) mantém a maioria de seu capital social sob controle estatal.

Poucos Grupos Controlam Principais Espaços de Mídia

Apesar da forte presença estatal no setor, uma significativa parcela dos espaços, serviços e concessões em comunicação social está sob controle de poucos grupos que atuam e, cada vez mais, vêm crescendo com novas aquisições ou fusões empresariais no campo midiático.

            Pelos dados públicos referentes à comunicação social, no final de 1999, Portugal tinha três grandes grupos fortemente inseridos no setor, em que pese a força da imprensa regional, a relativa pluralidade no controle de importantes emissoras e jornais impressos em circulação, bem como a existência de aproximadamente duas centenas de emissoras de rádios locais/regionais sob controle de pequenas empresas ou grupos familiares e considerados ‘independentes’.

            O grupo Controljornal, que iniciou (e ainda mantém) com o semanário Expresso, hoje possui a revista de informação geral mais lida no País (Visão), controla a TV SIC (Sociedade Independente de Televisão, que foi o primeiro canal privado, lançado em 1993), possui participação em canais de distribuição por cabo (Telecine e Playboy), e está associado ao Grupo Abril, responsável pela edição de inúmeras publicações e mantém participações e parcerias com TV Globo (Brasil).

            Já o grupo Media Capital, que também começou na imprensa, possui o controle do semanário O Independente, Diário Econômico, Semanário Econômico, dentre outros. Também atua em rádio (através de três importantes emissoras: Rádio Comercial, Nostalgia e Cidade) e televisão, por meio do relançamento da TVI (Televisão Independente), considerada a primeira em índices de audiência em novembro/2001 (com uma média de 30 a 35% da preferência dos telespectadores, principalmente pela manutenção do programa Big Brother e das telenovelas que compõem a grade).

            O terceiro importante grupo privado que atua no setor de mídia português é o Lusomundo. Considerado o maior distribuidor por exibição de filmes (de cinema e vídeo) do País desde a década de 1970, representando as principais distribuidoras norte-americanas, a Lusomundo [12] mantém hoje importantes títulos da imprensa. É o caso do Diário de Notícias (com uma tiragem aproximada de 90 mil exemplares em novembro/01), Jornal de Notícias (137 mil exemplares/dia), do popular 24 Horas (60 mil exemplares), além do semanário Tal & Qual. Controla a cadeia TSF de rádio e mantém participação acionária na Televisão SIC. Opera com canais temáticos no sistema cabo de TV, associado à TV Cabo (Portugal Telecom), SIC/Globo (Controljornal/TV Globo), além da RTP.

O mercado de distribuição de jornais e revistas impressas em Portugal, por outro lado, também parece estar concentrado e sob controle de poucas empresas do setor. É o que revela uma reportagem do jornal Público (26/10/01):

“Vasp e Deltrapress criam a maior distribuidora portuguesa”

“A Vasp e a Deltapress vão juntar-se e transformar-se na maior distribuidora de jornais nacional, com uma quota de mercado superior a 50%. O negócio foi ontem anunciado pela Impresa, PT Multimédia e Cofina, empresas que controlam a Vasp e a Deltapress, e que actualmente ocupam, respectivamente, o segundo e o terceiro lugares do ‘ranking’ dos distribuidores, encabeçado muito recentemente pela Midesa.

A fusão terá de ser ainda aprovada pela Direção-Geral do Comércio e Concorrência, uma vez que as duas empresas – responsáveis pela distribuição de jornais de grande circulação, como o ‘Jornal de Notícias’, o ‘Diário de Notícias’, o ‘Correio da Manhã’, o ‘Expresso’ e o ‘Record’ – irão ficar com uma quota de mercado superior a 50%. A nova distribuidora adoptará o nome Vasp.

Actualmente, a Vasp é controlada indirectamente em partes iguais pela Impresa e a Cofina, enquanto a Deltapress é indirectamente detida em 79,5% pela PT Multimédia (Grupo Portugal Telecom) e em 20,5% pela Cofina. O contrato ontem assinado prevê que cada uma das três instituições passe a controlar – através das suas subsidiarias Hoge (Impresa), Lusomundo Serviços (PT Multimédia) e Presslivre (Cofina) – um terço do capital da Vasp, que, por sua vez, adquirirá a totalidade da Deltapress... Em conjunto, a Vasp e a Deltapress facturaram 34 milhões de contos em 2000”. [13] (Anabela Campos)

Acesso às novas tecnologias é outro indicativo da situação cultural lusitana

Ainda acerca da realidade midiática e cultural portuguesa vale lembrar que “um em cada dois portugueses utiliza o computador e um em cada três navega na internet, principalmente a partir da própria casa”. A informação é de uma pesquisa a respeito da utilização das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), realizado pelo Observatório das Ciências e das Tecnologias entre julho e agosto de 2001em Portugal.

A pesquisa [14] revela que 49% dos portugueses utilizam computador, sendo que 39% o fazem de casa. Do total, 30% da população utiliza internet. O comércio eletrônico, entretanto, continua a ser algo estranho ao cotidiano da população, pois apenas 3% admite usar o serviço web para alguma compra. Mas a desigualdade também se reflete no uso das novas tecnologias. Entre as pessoas com formação superior/curso médio, 97% usam o computador e 79% a internet, enquanto que entre as pessoas com apenas o ciclo básico esse número percentual de acesso cai para 18% que usam o computador e apenas 4% que estariam conectados à rede. Pelos dados do levantamento, cerca de 18% das casas portuguesas têm ligação à internet e dos 49% que utilizam computador o fazem entre sua própria casa, trabalho, escola ou demais lugares públicos.

            Pelos dados de outro levantamento, realizado junto aos países-membros da Comunidade Européia (pelo Eurostat, feita com 10 mil entrevistados de 15 a 24 anos, entre abril e maio de 2001), 50,3% dos jovens portugueses afirmam ter um computador (contra uma média de 56,4% dos países-membros), 14,8% têm e-mail e 26,1% ‘navegam’ na Internet (contra um percentual de 30,7% e 37,3%, respectivamente, registrados na média da comunidade Européia) [15] .

Os dados referentes ao acesso ao sistema de TV por cabo também podem indicar a dinâmica do campo midiático e do próprio nível ou condição de acesso público aos bens, serviços e produtos culturais. Apesar de um maior poder aquisitivo, se comparado ao atual caso brasileiro [16] , os portugueses ainda não parecem tão familiares ao uso e acesso ao sistema de TV por cabo. Ao menos é o que revelam os dados, disponíveis, referentes ao terceiro trimestre de 1999 [17] . O ICP (Instituto de Comunicações de Portugal) revela que, em junho de 2001, 21% dos lares portugueses recebiam o serviço de TV por cabo, totalizando mais de um milhão de assinantes [18] .

            Embora, na ocasião, cerca de 53% das residências do País já tivessem o cabo ao seu respectivo alcance, estima-se que 17% possuíam acesso ao sistema de TV por cabo, sendo a região de Lisboa e Vale do Tejo a que mais registrava assinantes do serviço. Apenas para se ter uma idéia, mais de 94% das ligações eram feitas pelo Grupo hegemônico na prestação do serviço (a Portugal Telecom que, mesmo privatizada, mantém 10% de seu capital sob controle estatal – a “gold share”, que nas decisões estratégicas ‘deixa’ a última palavra ao governo).

            Não parece, entretanto, haver consenso nos dados sobre TV a cabo no País, ao menos no que diz respeito aos cálculos estatísticos sobre o assunto. Em 20/11/01, o Instituto das Comunicações de Portugal (ICP) divulgou que, em relação ao terceiro trimestre de 2001, 10% da população portuguesa tiveram acesso ao sistema de tv por cabo, “o que corresponde a 1,054 milhões de clientes” [19] . Os números – que “revelam um crescimento de 22% face ao mesmo trimestre do ano passado” – indicam que 599 mil das ligações ou assinantes (cerca de 58% do total) estão concentradas na região de Lisboa e Vale do Tejo, onde estima-se que residem cerca de 3 milhões de habitantes. O ICP informa que, no terceiro trimestre de 2001, mais da metade dos lares portugueses (2,95 milhões, o que corresponde a 59%) estavam cabeados, ou seja, “estão servidos por redes de cabo e podem ser assinantes do serviço”.

Enfim, a identificação dos indicadores acima apresentados busca compreender um pouco os modos e variáveis de como se processa a produção e o consumo cultural em Portugal. Embora os recortes destacados possibilitem um retrato e, portanto, uma análise parcial dos setores midiático-cultural lusitano, pode-se pensar que, em certos aspectos, a realidade editorial da mídia impressa portuguesa, seja em termos de tiragem, circulação e consumo de jornais diários, se por um lado não pode ser comparada ao caso brasileiro, por outro lado também se distancia significativamente do que acontece no mercado impresso alemão, britânico, francês e de outros países europeus e mesmo alguns da América Latina (como é o caso da Argentina, Uruguai e Chile), que possuem médias de tiragem e circulação de jornais impressos superiores ao que hoje se registra em Portugal [20] . O que, entretanto, vale ponderar, não nos autoriza a comparar tais países em outros setores da vida social, como saúde, educação, transporte etc.

Mas de que maneira essa contextualização pode auxiliar na proposta de estudo? A discussão feita pelo jornalista Arsénio Mota, já em meados da década de 1980, é sintomática dessa realidade ilustrada por números e elementos sócio-culturais e ao mesmo reforça a importância de se ter presente o lugar, o momento e as próprias transformações históricas vivenciadas pelos portugueses nesse período, possibilitando situar a produção jornalística nesse contexto social, já com outros e inusitados desdobramentos.

Ao discutir o jornalismo cultural em Portugal Arsénio Mota diz que foi a partir da abertura política de 25 de Abril de 1974 que os temas culturais ganharam maior espaço nos órgãos de comunicação social lusitanos. “Surgiu o chamado jornalismo cultural em ligação estreita com o desenvolvimento da indústria cultural, nestes últimos 12 anos. Encontravam mercado crescente os seus produtos e os mass media, arregaçavam as mangas, apropriaram-se dessa nova fatia de espaço público. A expansão da instituição escolar, concretizada no saldo educativo, e o ascenso das perspectivas de promoção social em mais amplas camadas populacionais ampliaram os auditórios em torno da televisão e da rádio, dos espetáculos (de cinema, teatro, música, etc) e das exposições, dos variados festivais, congressos e encontros, da edição e comércio de livros, discos, vídeos etc” (Mota, 1986; 89). Desse modo, “o próprio jornalismo cultural tornou-se uma indústria cultural”.

A apresentação dos indicadores sócio-culturais acima apresentados visa, por isso mesmo, contextualizar um pouco a realidade de que se fala e, assim, possibilitar compreender também como e porquê determinados são pautados e discutidos na forma como os diários portugueses fazem. É aí que as orientações metodológicas devem – acredita-se – nortear a investigação desenvolvida.

Orientações Metodológicas

A opção pelos jornais Diário de Notícias, Público e Jornal de Notícias – três dos principais jornais de circulação nacional em Portugal – deve-se ao espaço dedicado à cultura, bem como à tiragem [21] e, pois, alcance dos mesmos junto aos setores formadores de opinião pública no País e leitores da mídia impressa em geral. Vale lembrar que a maioria dos principais jornais de circulação em Portugal, incluindo os três diários considerados nesse estudo, possuem formato tablóide. O que poderia facilitar eventuais ilustrações de caráter comparativo sobre os modos de abordar o setor cultural e mesmo em termos de uma respectiva dimensão quantitativa.

Como referência principal para verificar o espaço que os jornais dedicam aos vários (sub) setores do campo cultural, no período das 16 edições analisadas (de 1 a 16/11/2001), considerou-se o tamanho dos textos a partir do número de parágrafos das referidas peças [22] . Além disso, o espaço ocupado pela editoria de cultura na capa dos jornais observados – seja como manchete, chamada ou mesmo destaque de imagem na edição do dia – também foi considerado mais como um dos muitos possíveis dispositivos de ‘presença’ da editoria (leia-se campo cultural) no produto jornal.

Pondere-se ainda que, embora a escolha pela análise da dimensão jornalística das matérias pelo número de parágrafos tenha variáveis, oscilações e, pois, limites, o referido procedimento ‘ilustra’ (mesmo que parcialmente) o espaço jornalístico, não com o intuito de destacar apenas o aspecto quantitativo do universo estudado, mas um conjunto de fatores presentes, refletidos ou projetados, no produto observado (que é o jornal impresso).

Isso (nos) leva a uma segunda observação, também de caráter metodológico, acerca de uma possível análise das imagens no jornal impresso. Se a construção da importância de uma reportagem jornalística se sustenta numa combinação de elementos diversos, com destaque para matérias de maior peso e espaço significativo (no que remete à noticiabilidade, agendamento, pauta que rende, atualidade, etc), uma pequena matéria ou nota informativa (entre um e três parágrafos) dificilmente teria o elemento imagem e igual espaço para titulação (com seus vários complementos) na mesma proporção e destaque – colocação na página, por exemplo – que recebe uma matéria de tamanho médio (aqui considerado numa  variação entre 4 e 10 parágrafos) e tampouco de uma matéria grande (digamos, acima de 11 parágrafos, como observa o presente estudo), respectivamente.

Essas duas últimas categorias de matérias, muito provavelmente, tendem a ganhar um maior espaço, além de tempo de produção e peso editorial numa combinação de imagens, valorizando o conjunto da página e do produto jornal em sua visibilidade, disposição gráfica, recursos de atração e importância jornalística como um todo. De tal maneira que, mesmo não incluindo a quantificação do espaço ocupado pelas imagens fotojornalísticas (ou mesmo os demais recursos de caráter ilustrativo) e tampouco os inegáveis efeitos de sentido que as mesmas imprimem na edição, a presente análise opta pelo mecanismo textual, sem contudo ignorar ou desconsiderar a importância periodística da imagem. À parte esse detalhe, como se sabe, um estudo das imagens demandaria uma mais ampla, contextual e sistemática análise, objetivo a que esse estudo não destaca como questão central, entre outros argumentos, também pelo limite do tempo físico e humano.

A escolha pelo número de parágrafos configura, por seu turno, uma espécie de ‘terceira via’ no rol das abordagens quantitativas – quem sabe ousando diferenciar-se um pouco de alguns dos tradicionais estudos de análise de conteúdo [23] que tendem a priorizam os cálculos em centímetro por coluna ou centímetro quadrado do espaço ocupado nos jornais impressos – que se propõe apenas a ilustrar um dos aspectos da dimensão física utilizada pelos diários portugueses para abordar, informar, polemizar ou agendar o campo cultural.

Sobre o tamanho, inevitavelmente variado e raramente padronizado de um parágrafo no texto jornalístico, vale lembrar que, talvez também influenciado pelo ritmo de agências noticiosas ou mesmo pelos manuais de redação, há décadas já se tornou um tanto habitual (até rotineiro, quem sabe, embora sempre questionável) que, para além do estilo, estrutura discursiva ou gosto individual, os parágrafos sejam comumente apresentados dentro de padrões que também extrapolam línguas, nações, escolas periodísticas etc. A tal ponto que é bem possível se pensar que muito raramente o leitor vai encontrar um parágrafo com duas linhas (de uma coluna, equivalente a cerca de 60 caracteres) e logo em seguida, na mesma matéria, outro parágrafo com 20 linhas (equivalente a 600 caracteres). Lembre-se, ainda, que essa ponderação vale substancialmente para os textos informativos, uma vez que artigos, crônicas, ensaios, dentre outras variações de gênero do jornalismo, possuem algumas características específicas que, por ora, não estão em discussão.

Para ilustrar a perspectiva de análise: se em um jornal a média de parágrafo oscila entre 5 e 8 linhas, em outro essa variação pode ficar entre 10 e 20 linhas, ou ainda 12 e 18 linhas por parágrafo médio. Em todo o caso, guardadas as peculiaridades de cada veículo, é possível pensar e até ponderar que a visibilidade, importância e reconhecimento de um setor, tema ou matéria também estão diretamente associados ao espaço ocupado pelo texto jornalístico no produto jornal.

Sem entrar no mérito da eficácia de outros procedimentos, uma análise pela dimensão das matérias veiculadas pode propiciar uma ‘aproximação’ ao produto informação (e, pois, indiretamente também com o leitor e pesquisador), tendo por base ainda a forma como se estrutura e é construído o jornal impresso por assuntos e interesses no e para o campo cultural. Obviamente, o ponto em comum entre os vários ângulos virtualmente interessados no assunto adquire materialidade no produto jornal, que aqui será observado como objeto de uma leitura mais cuidadosa que o rápido (ou cada vez mais apressado!) consumo cotidiano do mesmo produto por vezes registra.

Para efeito de estudo, no que diz respeito ao universo de abrangência do que efetivamente significa e representa o campo cultural – e tendo presente o gradativo embricamento do setor cultural com a área midiática (seja pelo cinema, televisão, rádio, jornal ou internet) – foram consideradas as matérias que, mesmo não sendo veiculadas diretamente pelas respectivas editorias de arte e cultura, também tratam de produtos, serviços, atividades de lazer ou entretenimento que ‘interagem’ (forjam ou conectam-se) nas esferas midiático-cultural.

Os serviços ‘fixos’ – que os jornais observados (como se tornou comum no jornalismo, ao menos nos principais países do mundo contemporâneo) veiculam praticamente em todas as edições diárias, apenas com variações da programação do dia, como as grades de TV aberta, por cabo ou mesmo os roteiros de cinema, casa de espetáculos, endereços dos espaços culturais e demais situações de utilidade, já com espaços pré-definidos e igual ao longo das edições – não foram considerados no estudo [24] . Embora, como todo serviço de agenda, saiba-se que os mesmos exercem a importante tarefa de indicar e orientar os usuários ou consumidores culturais da mídia e em especial do jornalismo impresso. A análise também não inclui a ‘cultura suplementar’ ou o que se entende por suplementos culturais, que circulam com as edições de final de semana (geralmente na sexta, sábado ou domingo).

Oportuno destacar que a única agência de notícias, com sistemática cobertura e alcance nacional em Portugal (a Agência Lusa), não possui editoria de cultura/arte. Ao que tudo indica, a julgar pelo material encontrado na home page da empresa (que, aliás, mesmo sendo uma empresa mista, é majoritariamente de controle estatal) durante o período do estudo, parece se fazer mais presente no agendamento cultural nas situações e momentos que registram importantes presenças ou participações de autoridades interessadas no assunto. Aliás, em geral, não se identifica muita preocupação ou visibilidade pública no agendamento jornalístico do setor cultural por parte da referida agência.

De tal modo que a cobertura, ao menos em nível nacional, efetuada pelos meios de comunicação no campo cultural – além, é claro, da presença inevitável das assessorias de imprensa, midiáticas e afins [25] – depende bastante da iniciativa de produção e edição dos próprios profissionais do jornalismo.

Com o intuito de fugir a um dos riscos de ficar na generalidade do objeto – de que “tudo é cultura” na ação humana – foram definidas categorias para situar os principais temas abordados pela editoria de cultura dos diários analisados. Tais categorias foram listadas após uma observação prévia da freqüência temática nas principais matérias culturais veiculadas pelos jornais portugueses. A delimitação dessas mesmas “categorias de conteúdo” [26] (como música, cinema, artes plásticas, literatura, teatro, dentre outras que serão indicadas na seqüência) proporciona uma certa classificação dos principais assuntos que ocupam a atenção dos jornalistas na produção cotidiana da matéria-destaque (capa da edição ou principal) das editorias de arte/cultura.

Enfim, o presente estudo considera apenas as matérias jornalísticas, não incluindo os demais produtos que compõem a mídia impressa diária, como peças publicitárias, propagandas, eventuais notas pagas e similares. Estão excluídos, portanto, também os anúncios publicitários de peças de teatro, filmes e espetáculos que, diariamente, são inseridos nas edições, seja nas páginas culturais (em princípio, mais dirigidas aos leitores e consumidores do setor), nos classificados ou nas demais editorias dos três diários observados.

Procura-se, assim, efetuar uma análise da cobertura jornalística do campo cultural, buscando compreender os modos pelos quais a arte/cultura ‘entra’ nas páginas dos diários impressos portugueses, seja no aspecto de produção simbólica, conceitualmente mais próxima de uma leitura antropológica, na perspectiva da cultura industrializada para circulação/consumo generalizado ou mesmo nos eventuais casos em que o campo é pontualmente abordado pelas suas expressões de caráter artesanal ou ainda como manifestação artística e popular.

De toda forma, o que orienta a análise é a preocupação em compreender, na cobertura periodística do campo agendado, as inúmeras e variadas formas de manifestação e expressão de modos de viver, pensar e agir de indivíduos ou grupos humanos que configuram o público-alvo e o próprio imaginário que orienta a produção, a circulação e o consumo do produto-jornal impresso diário em Portugal.

Daí porque, para além de olhar especificamente a editoria de cultura, também se justifica a análise das matérias da área que, por algum motivo [27] , nem sempre são publicadas no espaço das editorias de arte e cultura. São matérias que falam de livros (ora numa perspectiva paralela e não menos dirigida), de religião, política, língua portuguesa, histórias que marcaram a vida do País, agendas de turismo, pratos típicos, patrimônio histórico, dentre outros aspectos que, abordados num ângulo mais cultural e não meramente publicitário, ilustram hábitos, valores e modos de viver do cotidiano de milhões de portugueses.

Da mesma forma, estão incluídas na observação como pertinentes ou de interesse no e para o campo cultural as matérias editadas nas páginas de mídia (que, aliás, os três jornais veiculam diariamente), informando e discutindo política de comunicação, comportamento de artistas [28] do cinema e televisão, debates profissionais do jornalismo, tendências da foto digital, além da Internet e TV a cabo, dentre outros assuntos.

Questões de Pesquisa... que orientam a investigação

Para desenvolver os objetivos inicialmente propostos é importante destacar as questões que orientam a investigação. Identificar quais os assuntos e (sub) setores que mais ocupam as páginas dos principais diários portugueses. Uma dessas orientações é a  pré-definição das categorias temáticas [29] capazes de possibilitar um retrato da freqüência de assuntos, tomando como base as matérias principais (de abertura) da editoria de arte/cultura dos três diários considerados na amostra escolhida – Diário de Notícias, Público e Jornal de Notícias - ao longo das edições analisadas. Com a mesma preocupação de mapear o espaço jornalístico, no período da amostra, ocupado por matérias voltadas ao campo cultural foram contabilizadas as matérias – entre pequenas, médias e grandes – que cada um dos três diários observados dedicou à área.

Com a preocupação de conhecer e mapear as principais características dos modos de dizer mais sistematicamente utilizados pela produção jornalística do (no) setor artístico-cultural português são analisados os recursos técnico-editoriais que imprimem visibilidade e expressão do campo, no contexto do produto-jornal impresso em sua (pretensa) totalidade. Além da presença de chamadas, títulos ou selos (janelas) na capa de cada uma das edições observadas, considera-se ainda as principais características das imagens publicadas, bem como as estratégias de titulação e legenda das ilustrações ou fotografias utilizadas pelos respectivos diários.

Na mesma perspectiva de identificar traços capazes de melhor ilustrar o que aqui se denomina de ‘modo de dizer’ jornalístico predominante na mídia impressa diária portuguesa, busca-se perceber e discutir como se processa o tratamento das fontes de informação, bem como a presença (plural) das vozes sociais no produto/discurso jornalístico. A questão que orienta essa preocupação diz respeito, assim, aos atores sociais ponderados – ouvidos, direta ou indiretamente – nas matérias que, após a quantificação da freqüência temática, são analisadas como produtos, marcados pelas suas respectivas estratégias, técnicas e recursos de edição periodística.

Em seguida, como o jornalismo cultural é em parte historicamente associado (confundido ou integrado!) ao olhar de uma emissão crítica de análise sobre os respectivos produtos, serviços e atividades culturais que são tematizadas e agendadas pelo jornalismo da área, foram contabilizados todos os textos publicados no período da amostra que se apresentavam ou eram editados como ‘crítica’ – seja de música, literatura, televisão, cinema, dança, teatro ou de internet.

Para discutir as questões acima citadas foram observadas e analisadas as edições dos dias 01 a 16 de novembro de 2001 do Diário de Notícias (particularmente a editoria Artes), Jornal de Notícias (Palco) e Público (Cultura). O período considerado, pouco mais de duas semanas, coincide e inclui três estréias ou trocas de cartaz de cinema, realizadas sempre às sextas-feira, além de outros lançamentos e atividades culturais que acontecem tradicionalmente com maior destaque aos finais de semana.

Já para a análise do produto cultural (jornalístico) foram consideradas duas das matérias principais de duas edições dos três periódicos da amostra, tendo em conta a freqüência temática mais recorrente em cada um dos jornais ao longo do período observado.

Enfim, as questões de pesquisa deste estudo: como os principais diários portugueses agendam e informam sobre assuntos do setor cultural? Qual o espaço que diariamente é destinado às notícias que tematizam o campo cultural? Quais as principais características dessa produção noticiosa? Como é feita (se existe) a crítica cultural nos diários portugueses? Quais os assuntos mais freqüentemente pautados pelo jornalismo cultural em Portugal? Quais as especificidades da produção jornalística cultural, em relação a outros setores/editorias, na questão das fontes noticiosas? Como é o tratamento jornalístico das matérias principais veiculadas na editoria de arte/cultura dos diários portugueses considerados na amostra do presente estudo?

Principais Observações da Análise Realizada

É, portanto, com base nas preocupações acima indicadas que se processa a análise que segue, com destaque para as características, indícios, uso de recursos e procedimentos editoriais, sobre a forma como os principais diários portugueses falam, informam, tematizam, discutem e, em última instância, agendam e projetam a construção (fortalecimento ou negação) do campo artístico-cultural de que se fala.

É de se observar, como revelam os quadros da análise que segue (no final deste texto), que a cultura não recebe o mesmo espaço em todas as edições da amostra. Dentre os vários motivos – além das matérias factuais, datadas, dias com mais outros com menos eventos noticiáveis, lançamentos, aberturas de exposições, trocas de cartaz etc –, destaca-se o agendamento, a cobertura de acontecimentos e também de pseudo-acontecimentos que fazem com que em várias ocasiões a presença de ‘figuras’ públicas (seja por iniciativa de um prestigiado grupo com ligações políticas relevantes, inaugurações setorizadas, lançamento de projeto ou debate público) tende a ‘catapultar’determinados eventos ou situações (nem sempre acontecimentos, portanto, mas muito mais pseudo-acontecimentos [30] ) do campo cultural para as páginas de outras editorias. Seja para a política, sociedade, regional, economia ou ainda outras possíveis divisões temáticas.

Além da informação... O Jornal como ‘Campo Polêmico’

A depender da repercussão que tais situações adquirem ou são discursivamente apresentadas, pode-se falar que é nesses momentos que o jornalismo configura e opera um pouco em torno do que Maurice Mouillaud [31] denomina de “campo político”. Além do assunto, fato oportuno ou mesmo grau e pertinência de tal situação, a noção de campo polêmico configura-se com mais ênfase quando o agendamento do pensamento e das preocupações cotidianas dos leitores continua sendo ‘tematizada’ pelos espaços midiáticos. Seja como matéria que, nas edições seguintes, adquire novos desdobramentos, pelo interesse de colunistas, cronistas ou colaboradores de jornais, revistas, internet ou emissoras de rádio e televisão que continuam a discutir o assunto.

Outras formas de manifestação ou funcionamento mais efetivo do espaço jornalístico como campo polêmico podem se dar com a participação dos leitores, através de cartas/e-mail ou telefonemas, além das constantes enquetes (inquéritos) que muitos diários mantêm praticamente em todas as edições. Donde, por vezes, algum aspecto da área cultural entra em pauta para “saber o que pensam os entrevistados” sobre tal pauta.

Não é, entretanto, apenas a dimensão das matérias que pode indicar o agendamento e ação do produto jornal na instituição (imaginária) cotidiana do campo cultural. O ‘modo de dizer’ é fundamental na leitura e análise crítica de um produto cultural. É nessa perspectiva que o jornalismo cultural se mostra como (um quase) sinônimo de crítica das expressões, eventos e situações da cultura, na maneira (e proporção) em que não se limita a informar. Como se sabe, o ato – inevitável em qualquer escolha humana – de selecionar determinadas falas, atividades e lançamentos em detrimento de outros, dentre uma gama de possíveis eventos e produtos também em cartaz ou a serem lançados, implica numa forma de ‘eleição’ temática que aponta para um modo de entender a própria realidade social.

Em outros termos, o fato de pautar um determinado evento ou atividade para informar, explorar mais discursivamente, comentando ou criticando, opera também como uma maneira de mostrar que o espaço/agente e meio jornal é (ou se torna) ‘parte’ do próprio campo cultural, uma vez que ‘chama’ para si parte da responsabilidade, adesão ou possível convencimento sobre ou em torno de uma análise de certo filme/espetáculo/livro/cd ou produto em circulação na área.

Importante ponderar que a hipótese de que o jornal participa da construção – fortalecimento ou legitimidade pelo ato e modo de informar que reconhece a própria existência – do campo cultural se contrapõe a uma leitura que, porventura, possa entender o jornalismo e seus diversos produtos (embora o que interessa nesse caso é pensar a mídia impressa diária setorizada) como se estivessem a ver o mundo a partir de uma asséptica ‘redoma’ de vidro... para tentar descrevê-lo com incansáveis esforços de distanciamento, pretensas isenções ou olhares objetivos.

A influência e o agendamento possuem, afinal, várias fontes, expressões e mesmo forças virtuais e inevitavelmente interessadas em jogo no cenário cultural. Um exemplo pode ser o lançamento de um filme. A série de produtos associados, prévios (caso de uma adaptação de um bem sucedido produto editorial) ou simultâneos, pode pré-agendar o jornalismo de tal forma – dentre outros fatores, pela expectativa pública forjada – que os profissionais da área (repórteres ou editores) passam a ser inevitavelmente também ‘agendados’ pelo ritmo da indústria.

Vale observar que nem sempre tais estratégias de marketing, lançamento e publicidade são feitas apenas com base em altos e diretos investimentos da produção e distribuidoras de cinema. O ator principal de um filme (Joaquim de Almeida, por exemplo, no Xangô de Baker Street), o diretor de cinema (Manoel Carlos, no caso de Vou para Casa) ou a presença da atriz Claudia Cardinale numa sessão fílmica da Cinemateca Portuguesa, dentre outros mecanismos, podem funcionar como recurso de atração e divulgação de um determinado filme ou agenda.

São momentos ou ocasiões em que se cria uma situação em que, por mais que existam, inevitavelmente, ‘resistências’ estéticas, intelectuais, críticas, ideológicas ou políticas – para ficar no exemplo de um filme com boa estratégia de marketing – não haveria como simplesmente ‘ignorar’ tal lançamento e não informar, agendar, discutir ou criticar esse mesmo produto. E, por seu turno, tais modos de abordar deflagram outras e diferenciadas (quando não até mesmo inusitadas) formas de instituir “conexões de sentidos” e relações na vida social (Tuchman, 1983).

Pode-se, claro, encontrar dispositivos para reduzir o impacto do referido fenômeno no espaço/meio/produto jornal. Seja pela veiculação prioritária de análises críticas, redução de polêmicas, restringindo o espaço informativo, ou mesmo por meio de inúmeras outras táticas editoriais. Mas apenas ignorar, com certeza, não seria a melhor estratégia de edição num disputado contexto de mercado e consumo, como parece ser predominantemente o mundo contemporâneo.

Em Portugal, por vezes, o JN parece optar pela tática do ‘silenciamento’ de determinados eventos no campo cultural. Em especial, ao menos que se pode constatar, quando se trata do lançamento ou da apreciação de um filme que está em cartaz em outras cidades do País e não no Porto (que, além de ser a segunda cidade mais importante de Portugal, é a base de leitores, edição e circulação do jornal que, entretanto, se propõe a ser nacional).

Semelhante procedimento (que, obviamente, não consegue passar despercebido pelos leitores dessas mesmas cidades que procuram informações sobre os referidos filmes) é adotado no quadro que ‘avalia’ os principais filmes em cartaz: alguns que não entraram, ou já saíram de cartaz no Porto, nem sempre constam no quadro que se propõe a orientar o leitor/usuário/consumidor.

Vale como exemplo a exibição do filme Vou para Casa, de Manoel de Oliveira, ou mesmo de outra produção nacional – A Janela: Maryalva Mix, de Edgar Pêra – que, por ocasião do período da amostra dos diários portugueses, estava em cartaz apenas em Lisboa. O JN, entretanto, não incluía o referido filme no quadro das avaliações de crítica. Mesmo ponderando a provável hipótese de que o interesse estratégico do público-leitor do JN seja o da região Norte/Porto, tal omissão sugere uma parcialidade na cobertura cultural de um periódico que se propõe a uma cobertura jornalística nacional, ou até mesmo um certo descaso para com os seus leitores que residem em Lisboa e região. O autor desse texto, por exemplo, poderia ser um leitor em Lisboa que buscava informação ou saber as dicas da avaliação dos filmes veiculada pelo diário.

E o que dizem as páginas culturais do jornalismo português?

Seguido da música – que, aqui, inclui as apresentações, entrevistas com músicos e lançamentos de CDs –, o cinema é o setor mais freqüentemente tematizado pelas matérias principais dos três diários observados na análise. Talvez porque a sétima arte – pela própria força de consumo, expressão e mercado – ainda seja de fato o setor que mais visibilidade e espaço conquista ou encontra nas páginas culturais dos diários portugueses, o quadro de classificação por categorias (segundo os ‘críticos’ de cada jornal), é um exemplo de serviço que, ao mesmo tempo em que tenta operar como referência, também orienta, ‘avalia’ para que o consumidor já se decida pelo cartaz com base na análise de profissionais da crítica considerados especializados na área. Tal prática não significa, entretanto, que tais avaliações não possam ser, eventual ou constantemente, questionadas e até contestadas por alguns ou muitos leitores dos referidos periódicos.

Quando acontecem questionamentos ou manifestações sobre tais avaliações (“porque tantas estrelas para uma porcaria e poucas para um filme que mereceria mais?”, por exemplo), o mesmo jornal que legitima o olhar/análise do crítico também se revela como meio, espaço e dispositivo de um ‘campo polêmico’e, portanto, em construção...um cenário em aberto, onde se presentifica e visualiza a existência da força do produto jornal na polemização – leia-se simultânea instituição – desse mesmo, complexo e plural, campo cultural de que se fala.

Não se trata, portanto, de se pensar – mesmo em tendências de crescente oligopolização dos mercados – em uma ‘força’ de mão única ou consenso pleno. O que há evidentemente é uma constante tentativa, em especial advindo das diretrizes de produção industrial, de se padronizar gostos, valores e modos de pensar. Uma hegemonia relativa, em outros termos. E é nesse contexto que o produto jornal ocupa e exerce seu ‘lugar de fala’ [32] .

A freqüência de grandes espetáculos musicais, por outro lado, também ocupa significativo espaço nas páginas dos jornais portugueses; muito provavelmente, em função da inevitável presença, seja como reflexo ou projeção, da agenda artística-cultural que Portugal mantém na área – embora, muitas vezes, se reduza basicamente ao circuito de Lisboa e Porto, além dos shows nos cassinos legalizados. Trata-se, sem dúvida alguma, da expressão de um mercado consumidor ou usuário de serviços e bens culturais, pensável, por exemplo, para manter em cartaz por mais de três meses um espetáculo como Amália: O Musical (dirigido por Felipe La Féria, baseado na obra de Amália Rodrigues) que, em seu segundo ano de apresentação, já foi assistido por mais de 500 mil pessoas em Portugal.

A literatura, por outro lado, também em Portugal, é vista como um dos pontos ‘fracos’ do setor de investimento, adesão e consumo cultural. Os números de tiragem da maioria dos livros confirmam essa avaliação. Dados das principais casas editoriais revelam que a maioria das publicações – seja de romance, poesia, ensaio ou livros técnicos dirigidos – possui tiragens aproximada entre 1.500 e 5000 exemplares. Essa realidade muito provavelmente não está apenas associada ao índice de analfabetismo [33] , mas também ao poder aquisitivo e hábito cultural historicamente forjado ou presente na maioria da população. A freqüência de assuntos literários nas páginas dos diários portugueses é, contudo, bem inferior à música, cinema, artes plásticas, dentre outros que seguem a freqüência temática, como se pode verificar nos quadros demonstrativos da análise (abaixo).

Aliás sobre os hábitos de leitura em Portugal, vale lembrar a referência dos jornais impressos. Dados do Centro de Estudos de Ciências da Comunicação da Universidade Independente de Lisboa [34] indicam que Portugal possui um dos mais baixos índices de tiragem e circulação de jornais impressos diários por habitantes da Europa, ficando muito próximo da situação do Brasil e até mesmo um pouco abaixo dos indicadores de mídia da Argentina e Uruguai, dentre outros países latino-americanos.

Por outro lado, como se verifica também em Portugal, alguns espaços do campo midiático operam de forma integrada. É o caso dos constantes anúncios de livros, nas páginas do Diário de Notícias, lançados pela Editorial Notícias, ambos pertencentes ao mesmo grupo de mídia (caso da biografia de Marilyn Monroe, Blonde, que durante o período da amostra, figurou como anúncio em várias edições do referido jornal) [35] .

Como se sabe, essa espécie de ‘interagendamento’ se tornou uma prática muito freqüente no mundo contemporâneo, em especial entre os espaços, meios e veículos que pertencem aos mesmos grupos empresariais. Sintonia de agenda essa que pode envolver tanto emissoras de rádio e tv, como jornal impresso, cinema, editora ou internet. Trata-se obviamente de um modo de acentuar a tematização ou sobre o que pensar, ver, ler, ouvir e encontrar nos espaços midiáticos. E, portanto, uma forte estratégia de agendamento e intervenção na ordem de existência, funcionamento, organização e mesmo opção de consumo no campo da cultura.

Nessa mesma via, a veiculação relativamente freqüente (embora não diária, como demonstra o quadro ilustrativo da análise) de textos de crítica cultural – seja de espetáculos musicais, filmes em cartaz, peças de teatro, dança etc – indica uma característica da cobertura do campo pelos três diários analisados. Oportuno destacar que a maioria desses textos (de crítica) é publicação exclusiva dos respectivos jornais.

Diferente, vale lembrar, do caso brasileiro, onde uma mesma crítica de cinema ou matéria sobre música sai quase que simultaneamente em vários jornais de diferentes regiões do País, muitas vezes com os mesmos títulos e complementos editoriais... graças à ‘padronização’ e concentração dos serviços de agências noticiosas muito em voga no jornalismo brasileiro.

Uma característica dos principais jornais diários portugueses, no que diz respeito à cobertura do setor artístico-cultural, é o fato de que a referida editoria não possui a forma de caderno, como acontece na maioria dos principais (grandes e médios) jornais brasileiros. De modo que, para os diários lusitanos, a cultura integra o caderno principal da edição. Claro que classificados, esportes, entre outras editorias, embora não tão freqüentes, circulam como cadernos que integram a edição dos principais diários portugueses. A programação de tv, cinema, teatro, exposições e demais eventos e agenda de arte/cultura/espetáculos ocupa espaço próprio nos referidos diários, com indicações dos destaques da grade de televisão aberta e por cabo, em meio a outros indicadores e informações.

Além das páginas ocupadas pela editoria de cultura – Palco/JN, formado basicamente por matérias jornalísticas e entrevistas diretas – no Jornal de Notícias, pode-se encontrar questões pertinentes ou que fazem parte do campo cultural, como é o caso da página “Crítica/Livros”, “Cartaz” (agenda das salas de cinema, peças de teatro, roteiro cultural) e “Televisão” (filmes, destaques da audiência, além da programação televisiva aberta e fechada). A cobertura do campo artístico-cultural no JN ocupa uma média de 7 a 11 páginas diárias [36] , dependendo da edição ou mesmo do dia da semana. De todo modo, a apresentação do referido espaço é, na maioria das vezes, trabalhada dentro do que se entende por uma cobertura ou tematização jornalística do setor cultural.

Já na editoria de Cultura do jornal o Público, além das páginas ocupadas pela seção, outras páginas também discutem questões diretamente relacionadas ou integrantes do campo artístico-cultural, totalizando uma média de 4 a 8 páginas diárias dedicadas à área afim (como se verifica no quadro de análise, abaixo). Por sua vez, o espaço que o Diário de Notícias dedica às matérias de arte/cultura e afins oscila, dependendo do dia da semana, de 5 a 10 páginas, como revela o estudo.

Oportuno destacar a presença, por vezes implícita ou mesmo indireta, de duas variáveis que envolvem o momento da seleção da mostra dos jornais para análise. A primeira delas diz respeito ao fato de que, por ocasião da época considerada, Portugal vive em clima pré-eleitoral (para escolha das Câmaras Municipais Autárquicas, realizada em 16/12/01). Fato esse que, inegavelmente, ‘contagia’ ou marca o campo cultural, uma vez que é comum – em momentos de disputa eleitoral – determinados candidatos, grupos ou partidos promoverem atividades de âmbito cultural como mecanismo de atração de interesse e mesmo de agendamento midiático. De um modo ou de outro, esse fator vai estar presente nos três diários analisados.

Há que considerar que, talvez por apresentar uma maior cobertura jornalística nacional da disputa eleitoral, o Jornal de Notícias é o periódico – dentre os três que compõem a amostra – que mais ‘integra’ pautas de cultura na agenda de coberturas informativas de inaugurações, lançamento de projetos ou iniciativas (como leilões para coleta de campanha, atividades culturais de mobilização política, manifestações de apoio a determinados candidatos) em que a arte, cultura, turismo ou mesmo história entram de modo oportuno e diretamente associados ao campo cultural, buscando atrair o interesse de eleitores e, claro, direta e indiretamente dos espaços noticiosos, como pauta, agenda e matéria veiculada, projetando maior visibilidade aos referidos candidatos.

Dentre inúmeros registros possíveis, destaca-se a informação – explorada com mais destaque no JN (02/11/01: “Isaltino estréia-se no teatro”), mas também noticiada pelos demais jornais – de que “o autarca de Oeiras integra peça ‘Aqui há fantasmas’”. Isso, vale ressaltar, há pouco mais de um mês das eleições municipais autárquicas, realizadas em 16/12/01. Trata-se, pois, de um caso ilustrativo de como as estratégias de divulgação, por vezes, ‘integram’ setores nem sempre tão próximos e intimamente ligados entre si (política, cultura, economia, etc).

Outra variável de data e contexto é o título de Capital Européia da Cultura (ao lado de Roterdan/Holanda) que a cidade do Porto ganhou em 2001. O fato – paralelo a inúmeros investimentos em obras, eventos, agenda cultural exclusiva, materiais de divulgação turística e cultural – colocava incontáveis inserções de caráter comemorativo, permeadas por anúncios publicitários e informativos, com a veiculação de selos, chapéus, dentre outros recursos editoriais que os três diários apresentaram em várias das edições observadas nas páginas culturais ou mesmo em outras editorias ao longo do período analisado. E, com certeza, durante o ano todo que marcou a homenagem à segunda cidade mais importante do País.

Vale lembrar que, por ocasião do período da amostra do estudo [37] , os jornais ilustraram – seja por entrevista com músicos, atores, diretores etc – vários dos eventos em cartaz na área cultural. De shows musicais, passando por peças de teatro, as páginas culturais dos jornais portugueses procuraram ilustrar o que ‘acontece’ no setor. Com maior ou menor freqüência de público, alguns eventos assumiram e ganharam mais visibilidade que outros.

Nem todas as presenças de artistas e produtores culturais conquistaram, no período observado, o mesmo espaço que a promoção da Cinemateca Portuguesa – com a homenagem à atriz Claudia Cardinale – obteve nos jornais analisados. Claro que, paralelo e talvez independentemente do que é (ou não) noticiado, não há como ignorar que muitas dessas atividades e eventos artístico-culturais registram efetivamente adesões de consumo, presença e audiência. Um caso e local ilustrativo é a sala da Cinemateca de Lisboa (afora o ‘efeito Cardinale’), que registra constante procura pelos filmes exibidos; bem como outros ciclos e atividades afins que não encontram tanto espaço na mídia impressa. No período que coincidiu com a análise realizada, a situação não foi diferente.

Considere-se ainda que o que é produzido e veiculado por alguns setores da mídia encontra adesão e visibilidade, em muitos casos, também em função de efeitos de ‘ressonância’ e interagendamento que o campo midiático faz de determinados produtos culturais. Do lançamento musical, que encontra eco (como crítica ou sugestão) ao filme que passa a ser procurado porque muitos outros consumidores viram, leram ou ouviram algum comentário sobre o mesmo, passando pelo programa de TV que, mesmo não tendo altos índices em sua estréia, começa a gerar polêmica e ampliar os índices de audiência, leitura e consumo dos produtos que operam paralelamente, projetam ressonância de sentido nos demais espaços comunicacionais e, assim, ampliam o processo de interação (ou agenda temática) cultural.

As editorias de mídia, TV e web (internet) funcionam, nesse sentido, como espaços diretamente associados ao campo cultural, discutindo ou informando sobre produtos, atividades e serviços culturais.

Num sentido não muito diferente, onde se compreende que as editorias não são estanques e isoladas, o campo cultural também opera diretamente ligado a outros setores que adquirem destaque na vida social de uma época. É desse modo que, na seqüência dos atentados ao World Trade Center (ocorrido em 11/09/01) e à guerra contra o Afeganistão, o mercado editorial explorou como polêmica e pauta o crescimento islâmico e a própria imagem de Bin Laden, assuntos esses abordados por inúmeros livros lançados entre o final de setembro e ao longo do mês de outubro. O JN, em sua edição de 04/11/01, veicula reportagem de uma página onde – como diz o título – indica que as “livrarias portuguesas convertem-se ao Islão (Biografias de Bin Laden lideram tops de vendas”), seguidas de um box com sinopse dos mais vendidos e matéria complementar sobre editora islâmica em Lisboa.

Ao operar num campo cruzado, entre variados setores do cotidiano, o referido periódico tematiza – ao mesmo tempo em que reforça – uma tendência e demanda também explorada por um importante setor do campo cultural: o produto livro.

Na mesma edição (JN, 04/11/01) o vespertino do Porto traz matéria – de uma página – na edição de política sobre livro que o ex-primeiro ministro de Portugal, Aníbal Cavaco Silva, lançou no período, agendando o campo midiático, através de propostas, análises e sugestões econômicas para os rumos políticos do País. Crônicas de uma crise anunciada, embora esteja voltado ao meio político, opera de maneira também ligada ao mercado da produção editorial.

É também em sua edição dominical que o JN possui uma coluna (titulada Estante) sobre livros voltados especificamente ao setor religioso, explorando um setor da segmentação do mercado ou mesmo algumas das conexões culturais que o produto livro opera entre variados campos sociais da vida cotidiana.

Jornalismo como Crítica Cultural

Conforme apurado na análise realizada, a presença de matérias de crítica cultural (assumida, seja por quadro em separado dos textos informativos, chapéu ou artigo assinado) é mais freqüente no DN e no Público. Enquanto o JN publicou – no período considerado – apenas três textos de crítica cultural, o DN publicou 22 textos e o Público veiculou 21 matérias.

Com tamanho médio entre 8 e 12 parágrafos, e um caráter explicitamente ensaístico-informativo, a crítica cultural mais freqüente no DN é de literatura (com 13 textos), seguido de música (5 textos), três sobre internet e uma analisando uma peça de teatro em cartaz na capital portuguesa.

No mesmo período – 01 a 16/11/01 – o jornal Público veiculou 9 textos de crítica musical, 8 de crítica televisiva (incluindo filmes a serem exibidos, telenovelas, telejornais, dentre outros aspectos da televisão portuguesa), seguido de duas matérias sobre crítica de dança, uma de crítica literária e outra de teatro. Dentro dos espaços que se pode considerar como crítica cultural, o DN veicula página sobre livros (exceto aos domingos) que apresenta textos em forma de resenha (um meio termo de informativo e crítica) de lançamentos do mercado editorial.

Em que pese a freqüência de crítica de televisão nas páginas dos jornais portugueses – particularmente no caso do Público que veiculou oito textos sobre o setor, no período analisado, o equivalente a um texto a cada duas edições –, não parece haver muito consenso sobre a existência efetiva de crítica cultural voltada ao meio, produção ou (sub)setor. “Não há críticos de televisão”, diz a jornalista Sofia Coelho (em reportagem veiculada no JN, 03/11/01). “Gostava de poder ter lido críticas ao seu trabalho e de seus colegas, mas nada a esse respeito encontrou nos jornais e nas revistas de televisão. Há críticos de cinema, de música, mas não de televisão”, defendeu Sofia Pinto Coelho. “Claro que existem algumas pessoas que escrevem sobre as estações e sobre alguns formatos, mas não há quem se dedique exclusivamente à análise dos programas”, lamenta Sofia Coelho” [38] .

Além das matérias informativas, alguns jornais também dispõem de outros espaços que tematizam produtos culturais. As duas páginas da seção DND.Loja Multimídia (com indicações e sugestões de livros, CDs, DVD, jogos, revistas) e as duas páginas da seção DND.Cinco Sentidos (mix de colunismo social com notas cults e informações próximas ao campo cultural), ambas veiculadas na edição dominical do DN, foram incluídas na quantificação do número de páginas dedicadas à arte/cultura pelo referido periódico nas edições observadas.

A página, coluna ou seção do provedor do leitor (JN e Público no domingo, DN na edição de segunda-feira) que os principais diários portugueses mantêm funciona como outro espaço/mecanismo de debate – entre profissionais, leitores, críticos, fontes noticiosas e demais formadores de opinião – fortalecendo, projetando ou interagindo na perspectiva do jornal como campo de polêmica entre os vários setores sociais, usuários e interlocutores potencialmente envolvidos.

Na mesma perspectiva de que o espaço jornalístico opera como um campo que possibilita algumas das inúmeras vozes ou expressões de indivíduos e grupos sociais, há que se destacar – na amostra observada – um direito de resposta veiculado pelo jornal Público (16/11/01, página 49/Cultura), em que a diretora do Instituto Português de Museus, Raquel Henriques da Silva, expressa sua posição acerca do projeto de construção do Museu do Vale do Côa. Texto esse com quatro parágrafos, que foi seguido de uma nota da redação sobre a referida matéria.

Afora essa manifestação, nas demais edições não há publicação de qualquer outra carta de leitor (ou expressão similar) sobre assuntos ou questões da área cultural nos três diários observados, seja na página do leitor/cartas ou mesmo na editoria de arte e cultura. Isso, claro, sem contar os artigos, colunas e ensaios diariamente publicados por colaboradores fixos ou eventuais que os diários tradicionalmente veiculam em suas edições cotidianas.

Vale observar que alguns dos colunistas e articulistas dos jornais analisados, de forma estrategicamente pensada ou não, repercutem em seus espaços vários assuntos de interesse cultural, muitos dos quais noticiados pelos respectivos veículos ou mesmo pelos concorrentes. Destaca-se, nesse aspecto, as colunas de Eduardo Prado Coelho (‘O Fio do Horizonte’/Público) e Ana Sá Lopes (‘Pão e Rosas’/Público). Ambas com veiculação diária que discutem eventuais aspectos do campo cultural português.

A cobertura cultural também perpassa e é, direta ou indiretamente, ligada às constantes notícias, fatos e situações que envolvem projetos, obras e iniciativas de preservação ou recuperação de espaços do patrimônio histórico e cultural do País. Em Portugal, com relativa freqüência – com destaque para a cobertura feita pelo JN, que consegue mapear mais facilmente as notícias em nível nacional – o patrimônio histórico e artístico é pautado pelos diários.

Esse agendamento pode ocorrer no que diz respeito a obras de reformas, transformação de espaços públicos, inaugurações, projetos e demais iniciativas que acabam ‘conectando’ os campos político, econômico, turístico e cultural da esfera pública, uma vez que o patrimônio histórico, na maioria dos casos, perpassa esses vários setores simultaneamente. Na editoria de cultura, portanto, o assunto também acaba sendo pautado e discutido jornalisticamente, mesmo que seja com outro olhar de interesse do que predomina em economia ou turismo, por exemplo.

Modo de dizer e Crítica Cultural

Considerações sobre o Produto Jornal que Tematiza a Arte/Cultura em Portugal

Para análise e leitura mais atenta sobre o ‘modo de dizer’ (o que inclui a expressão de fontes múltiplas, atores sociais ouvidos pela reportagem, o ‘tom’ de crítica [39] presente nas matérias, com ênfase interpretativa, identificação das principais estratégias discursivas, dentre outros aspectos mais observados) do jornalismo cultural português, foram consideradas apenas as matérias principais das edições que compõem a amostra e, dentro dessas, escolheu-se algumas, considerando os assuntos mais freqüentes ou recorrentes, os (sub) setores abordados e a representatividade dos três diários do estudo.

É nesse momento da pesquisa, para além ou paralelo ao espaço dedicado aos assuntos pautados pela dimensão das matérias veiculadas, que se pode fazer uma leitura mais pontual – ou ‘de lupa’, como sugere José Luiz Braga – acerca do objeto de estudo. E, de certo modo, pode-se também dizer que essa ‘leitura’ mais detalhada do produto jornal proporciona compreender e, simultaneamente, discutir o modo como o jornalismo agenda e participa da construção cotidiana do campo da cultura em Portugal.

As matérias principais de uma editoria, como se supõe, além de atribuírem uma maior visibilidade à própria editoria no conjunto do produto jornal (algumas vezes com chamadas de capa, destaque em pequenas janelas ou selos com imagens do assunto abordado), em tese, indicam o que há de mais importante na edição do dia, ocupando eventualmente duas ou mais páginas. No Jornal de Notícias, por exemplo, a editoria de cultura (Palco) possui uma espécie de capa ‘interna’, que diariamente abre com uma fotografia ou ilustração da matéria principal da edição.

Esse, portanto, é um dos fatores que justifica a escolha da matéria principal como parâmetro de análise do produto midiático jornal impresso. Trata-se de ver o jornalismo cultural, considerando sua estrutura, recursos de edição e estratégias que compõem o modo de dizer do discurso periodístico.

A seleção das matérias principais (duas de cada diário) pela freqüência temática abordada também busca, na medida do possível, perceber como os três jornais analisados trabalharam dois dos mesmos fatos e assuntos discutidos.

Afinal, verificar como foi o tratamento jornalístico que os três mais importantes diários portugueses deram a dois fatos – a homenagem que a Cinemateca Portuguesa fez para Claudia Cardinale e a cobertura do início do Cinanima/Festival Internacional de Cinema de Animação de Espinho, ambos registrados na primeira semana de novembro de 2001, que coincidiram com o período da amostra considerada –, além de outras matérias que contemplam os principais assuntos discutidos pelos respectivos jornais, possibilita um retrato mais amplo do que e como se faz jornalismo cultural na mídia impressa lusitana.

Vozes que se cruzam

O papel ocupado (ou atribuído) pelas fontes noticiosas na produção jornalística constitui um dos aspectos capazes de indicar a presença de uma maior pluralidade de olhares sobre os assuntos tematizados pelos diários portugueses.

Compreendida como um agente que ‘integra’ a estrutura discursiva – na medida em que é entrevistada, observada ou indiretamente citada pelo autor do produto jornalístico –, a fonte de notícia imprime uma maior credibilidade ao olhar da realidade que o discurso representa ou viabiliza. Mais que uma simples menção pelo fato de existir, as fontes são efetivamente apresentadas pelo produto jornal como porta-vozes (agentes sociais) que integram os múltiplos sub(setores) que se legitimam, expressam e se interessam por determinados fatos, assuntos ou situações da vida cotidiana.

Vale ponderar que, como todo discurso, o jornalismo também ‘dialoga’ com outras vozes presentes, embora nem sempre explícitas, no texto/imagem/título, no imaginário coletivo d’onde é recortado e veicula o produto jornal como produção simbólica. Referências diretas ou indiretas à memória política, valores, provérbios, obras literárias ou fílmicas, lembranças históricas e afins, além das vozes dos atores sociais que se fazem presentes nos produtos, são assim importantes marcas que imprimem a polifonia discursiva na produção jornalística.

Por outro lado, e em parte destoando um pouco da habitualidade das rotinas produtivas noticiosas, o jornalismo cultural acaba por assumir ou deixar-se ‘guiar’mais fortemente pela lógica da ‘divulgação’ dos produtos de que fala/tematiza/agenda, diferenciando-se de uma característica indispensável em outras editorias que é a pluralidade ou imprescindibilidade de contemplar direta e mesmo explicitamente várias vozes potencialmente interessadas no assunto pautado.

O jornalismo cultural, priorizando um olhar de ‘divulgação’, agendamento e crítica (mesmo que essa tende por vezes a voltar-se ao plano da ‘percepção’estética), acaba por não considerar – tanto quanto acontece em outros setores – essa perspectiva de pluralidade. A polifonia existente não se expressa (materializa) nas vozes dos diferentes atores ouvidos pela reportagem, mas também nas referências indiretas que o repórter/editor (em muitos casos como crítico cultural) faz a determinadas lembranças, fatos e marcas do imaginário coletivo do lugar social de onde circula o produto jornal.

Em estudo sobre o assunto, Rogério Santos [40] identifica três principais categorias de fontes noticiosas. “oficiais (governo, instituições de caráter governamental ou privado, principais empresas), regulares (empresas, associações, líderes de opinião, analistas) e ocasionais ou acidentais (quando um indivíduo observa um acontecimento e lhe é pedida uma opinião)”.

Tradicionais análises na área [41] já apontam quatro categorias como sendo as principais referencias das fontes de informação: jornalistas, porta-vozes de instituições e organizações governamentais, porta-vozes de instituições e organizações não governamentais, cidadãos individualmente.

O já deveras identificado predomínio de fontes oficiais no olhar jornalístico – alguns ousam sugerir que essa mesma prática remonta aos tempos do Acta Diurna, que já não cedia espaço em suas edições para qualquer voz não oficial – parece mais facilmente presente em áreas como política, economia, cidades, polícia, dentre outros. Em cultura, todavia, embora essa prática continue a existir, as vozes mais recorrentes parecem ser a de atores que, de algum modo, integram a complexa ‘malha’ da indústria cultural.

Entretanto, ao operar como fonte da própria matéria – situação muito freqüente na área cultural, onde nem sempre se verifica a presença ao menos explícita de várias fontes na mesma matéria, ocorrendo assim um certo predomínio mais direto da presença de informações apresentadas pelo próprio repórter ou editor –, o jornalista também se faz presente como voz ou agente no próprio discurso de que é autor. Como diz Rogério Santos,

“Na posição de fonte, o jornalista insere com freqüência os seus pontos de vista nos textos, para os enquadrar e fazer ligação entre os comentários de fontes citadas. Apesar de não referir a origem, o seu conhecimento deriva de relatos já publicados ou de informações de fontes que pretendem ficar sob anonimato. Os jornalistas também funcionam como fontes ao serem entrevistados por outros profissionais ou ao trabalharem dados oficiais” (Santos, 2001; 96)

É aqui que se pode fazer referência às matérias analisadas na amostra do presente estudo. Com poucas fontes noticiosas presentes no discurso, as matérias observadas se aproximam de um misto de ensaio, divulgação e textos em forma de perfil, ora priorizando a apresentação de artistas/cantores/atores, ora destacando o lançamento de um show, filme, peça de teatro ou exposição artística, com destaque para a fonte principal ouvida, observada ou enfim que é o motivo da reportagem.

De certo modo, o que caracteriza a oficialidade das fontes na cobertura tradicionalmente realizada em outras áreas, como por exemplo em política, cidades ou economia, na área cultural se aproximaria mais da divulgação de um fato/evento ou lançamento... sugerindo que a pluralidade das vozes no discurso do jornalismo cultural (quando acontece) ocorre, na maioria dos casos, de forma indireta ou de modo muito rápido, sem maiores espaços para uma apreciação e polêmica sobre os assuntos abordados em tais matérias.

O que tipifica o modo de dizer do jornalismo cultural dos diários portugueses?

Com textos um pouco mais longos (talvez até trabalhados) e, em certo sentido, assumidamente interpretativos [42] , o jornalismo português, regra geral, apresenta uma característica que o diferencia em alguns aspectos da tradição (norte-americanizada) brasileira. Embora essa discussão, na maioria das vezes, faz referência ao jornalismo num sentido genérico, pode-se aqui fazer aproximações para problematizar o jornalismo cultural contemporâneo.

Essas peculiaridades, entretanto, parecem não se fazer muito presentes e com a mesma ênfase nas matérias – e inclusive titulações e demais recursos editoriais – de cultura, como acontece por exemplo na cobertura política ou mesmo nas reportagens dos enviados especiais ao Oriente Médio para a guerra do Afeganistão (assunto que, aliás, vai ocupar as principais chamadas em boa parte da mídia impressa portuguesa ao longo dos meses de outubro e novembro de 2001). Nesses dois casos comparativos, a interpretação parece mais visível e acentuada do que se verificou na editoria de arte/cultura no mesmo período.

Matérias com poucas referências a fontes diretas (exceto quando se trata de edição de entrevista direta, pergunta-resposta), muitas informações contextuais (inseridas pelos próprios autores do discurso), descrição do ambiente ou produto abordado (CD, show, solenidade, evento etc), muitas matérias de perfil jornalístico (especialmente com músicos, cineastas, atores, artistas e afins), priorizando a voz do ator em torno do qual gira a informação, marcados pela indicial presença do repórter que se deixa contagiar pelo ‘ambiente’ apresentado ou mesmo pela expressão da análise – ora critica, ora explicitamente elogiosa – ao objeto tematizado.

Essas são algumas das mais visíveis características do jornalismo cultural português, identificadas pela observação das matérias principais dos três diários analisados. Tais características, entretanto, valem mais e predominantemente para as matérias médias e grandes (entre quatro e dez parágrafos e acima de 11 parágrafos, respectivamente) veiculadas, não sendo muito freqüentes nos textos pequenos ou mesmo nas notas informativas (que oscilam entre um e três parágrafos).

O caráter de divulgação de eventos também é marca de muitas matérias veiculadas na área cultural portuguesa. É o caso ilustrativo da cobertura do XXV Cinanima (Festival Internacional de Cinema de Animação), realizada coincidentemente pelos três diários analisados no dia da abertura do evento, 05/11/01. Das três reportagens, duas utilizam apenas uma fonte de informação (o DN cita, em um único parágrafo, a noticia confirmada pela direção do Festival, e a matéria do Público gira em torno da entrevista direta com o diretor e fundador do Cinanima, António Ferreira Gaio).

Já o JN simplesmente não faz qualquer citação à fontes noticiosas, limitando-se a ‘apresentar’ o Festival, com programação, expectativas – segundo o autor da matéria – e inclusive uma avaliação de que o “número recorde de países participantes confirma prestígio crescente do festival”, bem como pela constatação da reportagem de que “a aposta da organização recaiu mais uma vez na qualidade”.

Mesmo no caso dos dois primeiros periódicos – DN e Público –, que lançam mão de uma fonte para ‘apresentar’ o evento jornalisticamente, como também no caso do JN, o que se verifica é um modo discursivo que parece priorizar a elaboração textual com base em informações oficiais (no exemplo, inevitavelmente oriundas da organização do evento) e reelaboradas pela redação dos respectivos jornais. É o que se denomina ou ao menos é conhecido como ‘jornalismo de divulgação’, marcado pela simples e direta veiculação de informações sobre eventos e fatos sociais, ressaltando o visível e presente papel de apoio das assessorias de imprensa na divulgação midiática.

Na matéria principal da edição do dia 02/11/01 de Palco/JN (diga-se de passagem o assunto largamente mais abordado pelo diário do Porto) também se constata o uso apenas das fontes ‘oficiais’ na divulgação do produto musical – o primeiro CD de Pete Yorn, que o mesmo periódico apresenta e classifica como o “capítulo inicial de uma longa e excitante carreira”, como afirma a linha de apoio do título da mesma matéria. Basta lembrar que, no caso da matéria principal do JN em 02/11, as duas fontes citadas complementam-se numa mesma ou muito próxima projeção de sentido: o release da gravadora e a voz do músico, entrevistado por telefone para falar sobre o CD, perfil e a própria inspiração artística.

O jornalismo de divulgação é, portanto, outra característica do jornalismo cultural em Portugal. E, nesse caso, como se pode verificar, apesar das constantes informações adicionais e oportunas para situar o leitor a melhor compreender o assunto apresentadas pelas mesmas reportagens, o predomínio das ‘vozes oficiais’é uma conseqüência ou opção editorial da área.

O olhar de análise – com apresentação informativa – também marca o jornalismo cultural português, seja de modo crítico e distanciado ou, de outro ângulo, elogioso e em parte encantado com o produto ou atividade a que se referem determinadas matérias.

No primeiro caso vale como exemplo a reportagem veiculada pelo DN/Artes no dia 03/11/01, que aborda a realização e a presença de artistas portugueses naquela que é considerada a mais importante feira Européia de World Music, a Womex 2001, que aconteceu no início de novembro na cidade holandesa de Roterdan. Além de informar sobre o que houve de importante (na análise do repórter, que é correspondente do jornal na mesma cidade) no evento, a matéria traça um rápido balanço crítico de algumas apresentações, destacando as duas presenças portuguesas que não passaram em branco ao olho crítico do autor.

“Ao vivo ouviram-se apenas duas vozes (Fernando Lameirinhas e Sara Tavares)... Da música de Lameirinhas, emigrante português residente na Holanda há mais de 20 anos, há duas opiniões antagônicas: os holandeses adoram-no e os portugueses que o conhecem não o consideram.... Os textos são de uma pobreza confrangedora, cantados num português pouco mais do que inteligível e acompanhados por uma música  mainstream que se faz em qualquer parte do mundo. O mesmo se poderia dizer de Sara Tavares...”. O título do box que analisa a participação lusitana no evento, nesse caso (“Fado em alta palcos em baixa”), sintetiza e representa mais que o título do texto central da matéria (“Womex 2001: World music e equívocos”).

Mesmo com a utilização de apenas uma fonte noticiosa, a matéria faz uma apreciação crítica (e aparentemente distanciada) do evento tematizado, ilustrando uma outra característica do jornalismo cultural português – já que a matéria é ilustrativa e não é de fato a única que apresenta essa inclinação –, onde se pode destacar a preocupação em informar de forma mais analítica e crítica sobre o produto/fato ou atividade artística e cultural abordada.

Num outro ângulo, também se pode encontrar na cobertura jornalística do setor cultural em Portugal matérias que priorizam um olhar tendencialmente ‘encantado’ com o objeto da notícia. Vale como exemplo o texto veiculado pelo JN de 05/11/01 que registra a solenidade de homenagem da atriz italiana Claudia Cardinale, ocorrida no Porto em 04/11. O título (“Porto apaixonou-se por Claudia Cardinale”), independentemente de qualquer confirmação factual, indica o ‘clima’ da matéria e, pode-se supor, do ambiente e local onde aconteceu a distinção pública.

Na matéria que ganhou destaque na contracapa da edição do dia (com foto em cores), o repórter-editor do JN/Palco utiliza as ‘fontes oficiais’ – além de Cardinale, cita o presidente Jorge Sampaio, que prestigiou a solenidade, o presidente da Cinemateca Portuguesa, Bernad da Costa, e o próprio autor/jornalista – para passar ao leitor um pouco da virtual ‘emoção’ que deve ter marcado o evento. O parágrafo de abertura do texto é indicial dessa caracterização:

O texto – nas palavras do autor/repórter – por vezes oscila num certo exagero da adjetivação, talvez buscando ‘envolver’ o leitor num encanto de que, por algum motivo, fora privado ou não presenciou ao vivo: “É impossível desviar o olhar da negrura daqueles olhos negros – onde o branco que existe é quase azul –, e da boca que se rasga para lhe desenhar a cara numa admirável ambigüidade...”

Mais adiante, o modo de dizer reforça o grau de envolvimento que a matéria apresenta diante da presença de Claudia Cardinale no Porto, talvez mesmo não ponderando que aquela importante solenidade, promovida pela Cinemateca dentro das comemorações da Capital Européia da Cultura/2001, também conseguia assim um importante efeito de agendamento midiático do setor. “Jorge Sampaio, que se sentara no palco ao lado da actriz, traduzia a diversão enquanto ela se espantava na delícia. E depois, pegando no discurso enamorado de Bernard, aproveitou o caminho aberto... Claudia Cardinale, a última grande estrela do cinema europeu, ouviu, não terá percebido o português, mas sorriu – e o sorriso da feroz brancura dos seus dentes banhou-lhe o corpo todo” (JN, 05/11/01).

Guardadas as proporções, tem-se nesse exemplo uma outra característica da cobertura jornalística que se faz do campo cultural em Portugal: a apresentação parcialmente (mas não menos visível e constante, pois a matéria é apenas um exemplo de muitos outros casos similares registrados também em outros diários do País) elogiosa de determinados produtos, eventos ou atividades, informando e, desse modo, contribuindo para com o agendamento e construção (fortalecimento, projeção ou visibilidade) do campo artístico-cultural português, a partir da ação discursiva da produção jornalística.

Aliás, em que pese a importância pública do significado, não custa lembrar que os demais diários portugueses não fizeram uma cobertura muito diferenciada – ao menos em termos de projeção de sentido – da mesma solenidade de homenagem que a Cinemateca Portuguesa realizou a uma das últimas ‘divas’ da sétima arte européia.

O terceiro assunto mais freqüente nas matérias principais da área de cultura nos diários portugueses – artes plásticas – encontra proporcionalmente mais espaço no Público do que, no período observado, nos demais jornais. E é este também o setor que, ao menos na primeira quinzena de novembro de 2001, parece imprimir ao jornalismo cultural lusitano um pouco a perspectiva crítica de que o espaço periodístico opera contemporaneamente como um ‘campo polêmico’.

A reportagem principal da editoria de Cultura/Público de 07/11/01 ilustra um debate que parte de uma exposição sobre o ‘Surrealismo em Portugal: 1934-52’ e atravessa as questões de política, historia da arte, envolvendo manifestações diversas e não menos polêmicas em torno de uma mostra artística itinerante no País e no exterior.

A referida matéria – sob o título “Exposição do surrealismo provoca polêmica” – apresenta várias fontes noticiosas envolvidas na modificação da mostra que, por exigência de um dos artistas participantes, acabou por retirar da produção três obras de um pintor considerado como fascista e ex-apoiador de Salazar. Informativa e priorizando uma característica muito comum ao jornalismo político, a matéria do Público presentifica também na área cultural uma perspectiva de um produto que noticia e apresenta ao leitor algumas das várias versões dos porta-vozes dos setores interessados no assunto tematizado. Nesse caso, além dos curadores da exposição, diretores de museus envolvidos, artistas, historiadores e críticos de arte ‘participam’ do debate que o jornalismo torna ou legitima como público na medida em que dá visibilidade ao assunto e ao próprio modo plural de construir o discurso jornalístico.

A mesma pauta ganha uma suíte – e, portanto, matéria – dois dias depois, na edição de 09/11/01, como reportagem principal da edição, onde o debate é atualizado com novas manifestações públicas, sob o título “A retirada dos quadros de António Pedro é ‘uma pulhice’”(Público/Cultura, 09/11/01). O tratamento acima ilustrado indica que o jornalismo polêmico, com preocupação efetivamente pública de dar visibilidade às vozes plurais de múltiplos setores sociais, também é presente e faz parte da cobertura periodística do campo artístico-cultural em Portugal.

Títulos em arte e cultura

Títulos abertos e sem referência direta, com uso de verbo e a distante da sintética noção de movimento (“Homenagem e paixões (in)confessadas”/Público, 06/11/01; “Astuto e felino, ‘O Leopardo’”/JN, 04/11/01; “Womex 2001: World music e equívocos”/DN, 03/11/01; “O futuro mora aqui”/JN, 02/11/01), extrato de frases de efeito pronunciadas por fontes noticiosas colocadas entre aspas (Claudia Cardinale: “Recusei assinar um contrato em Hollywood”/Público, 06/11/01; “Não sou uma atriz”/DN, 06/11/01; Diretor do Cinanima: “É-me difícil prever o futuro da animação”/Público, 05/11/01), além de eventuais chamadas com base nas características tradicionais da titulação jornalística (“Exposição do surrealismo provoca polémica”/Público, 07/11/01; “Cinanima celebra 25 anos”/DN, 05/11/01). Essas são algumas marcas mais utilizadas nos títulos do jornalismo cultural dos diários portugueses analisados.

O projeto gráfico-editorial do JN, ao dispor de uma página de ‘abertura’ da editoria de cultura, que se publuica com fotografia ou ilustração da matéria principal, consegue explorar mais na titulação. O exemplo a seguir confirma. “Esplendor ...na tela: Festival Cinanima começa hoje em Espinho”, chama o título da página de abertura, enquanto o título da matéria na página seguinte cumpre com uma das suas funções, resumindo o fato noticiado: “Animação mundial reunida em Espinho”, informa o título, complementado por uma linha de apaio (“25 edição do Cinanima arranca hoje e prolonga-se até domingo. Número recorde de países participantes confirma prestígio crescente do festival” (JN, 05/11/01).

No outro exemplo de exploração mais solta e editorial na titulação, Palco/JN abre a página com a chamada “O futuro mora aqui”, seguido na outra página de uma frase da fonte entrevistada na matéria principal: “Tenho um foco apontado aos ídolos”, acompanhado por uma linha de apoio que situa a citação do autor: “Pete Yorn edita primeiro CD, capítulo inicial de uma longa e excitante carreira, e, em entrevista ao JN, revela as suas fontes de inspiração” (JN, 02/11/01).

            Convincente ou não, a dúvida que o leitor pode encontrar a partir da leitura dessa mesma chamada (titulação) diz respeito ao sentido dominante do que seria, de fato, “uma longa e excitante carreira”. Um mecanismo de editorialização da notícia marcado pela adjetivação presente no título da matéria.

Fotojornalismo e Legendas de Imagens

Fotografias de arquivo (em geral, reprodução de capas de CD, fotograma de filme cinematográfico ou obra de artes plásticas), eventuais criações artísticas para ilustrar o assunto, além de algumas fotografias atuais de fontes entrevistadas (atores, artistas, diretores, músicos, cineastas etc). Essas são as principais referências das imagens editadas na editoria de arte/cultura dos diários portugueses analisados.

Talvez, por ser um setor com predomínio de arquivo, ilustrações e imagens de divulgação (oriundas de assessorias de imprensa ou empresas da indústria cultural), algumas das tradicionais características do fotojornalismo cotidiano – como é o caso da identificação do elemento humano, noção de movimento e contexto atualizado que as imagens tendem a apresentar – não são muito freqüentes no jornalismo cultural observado na amostra do presente estudo.

As legendas, por sua vez, não estão dissociadas das imagens editadas nas páginas culturais do jornalismo impresso diário lusitano. Como se pode verificar, tão variadas quanto as formas de utilização da imagem nas páginas da editoria de cultural do Diário de Notícias, Público e Jornal de Notícias são as legendas publicadas pelas respectivas editorias de arte e cultura.

Da legenda indicativa (que se caracteriza pela indicação dos elementos da imagem) à sugestiva (frases com sentidos em aberto, que busca explorar a imaginação do leitor), passando pela legenda descritiva (que ‘explica’ o conteúdo da fotografia, muitas vezes beirando a obviedade do que já apresenta a imagem), as legendas do jornalismo cultural português não revelam maiores rigores (ou cuidados?) de padronização editorial. O que se pode, aliás, dizer – da análise feita – é que a legenda de caráter mais informativo (que apresenta novas informações, não se limitando ao uso repetitivo de dados já constantes no texto) é a menos freqüente nas matérias analisadas.

Além disso, há que se registrar a existência de legendas de indicação de expressões autorais (que se caracteriza pela edição de uma frase ou citação da autoria da fonte entrevistada pela reportagem presente na imagem fotográfica).

Mídia, formação e hábito de consumo e projeção cultural em Portugal

Um dos aspectos pertinentes a considerar em termos de formação e existência de hábitos culturais diz respeito à influência da televisão na maioria dos países. Realidade essa que, no caso português, não se diferencia muito do cenário brasileiro... onde também praticamente não há crítica de televisão.

O que aqui se denomina de ‘cultura televisiva’ é, portanto, um fator a ponderar na análise das páginas culturais dos jornais diários, em especial pela própria influência e penetração da tv no cotidiano dos leitores, usuários e consumidores da produção cultural.

E mesmo que as redes de televisão do sistema aberto português não tenham os mesmos índices de audiência que as grandes redes brasileiras possuem em horários nobres, os números da audiência revelam uma maior distribuição do interesse coletivo – entre as três principais televisões: Independente, SIC e RTP1. As duas primeiras com cerca de 28 e 30% de audiência, enquanto a RTP1 mantém uma média de 20 a 23% distribuídos ao longo da programação diária televisiva.

Oportuno lembrar, ainda, que a rede SIC mantém, em sua programação, várias telenovelas produzidas pela TV Globo (como a RTP1 também o faz). Em novembro de 2001, para ilustrar esse ‘intercambio’, estavam sendo exibidas em TVs portuguesas as telenovelas brasileiras Pedra sobre pedra, Carita de anjo (ambas pela RTP1), As filhas da mãe (com apresentações diárias), A viagem, Um anjo caiu do céu, A padroeira e Porto dos milagres, essas últimas todas pelo SIC.

Isso, obviamente [43] , ‘presentifica’ e aproxima mais alguns valores, hábitos e influências culturais entre os dois países de língua portuguesa. Lembre-se, entretanto, que produções mexicanas, espanholas e norte-americanas (principalmente seriados) também fazem parte da grade de programação diária de algumas emissoras.

Essa influência – muito provavelmente constante – da TV na vida cotidiana não pode(ria) passar despercebida pelos jornais diários... Embora, como se sabe, existam inúmeras formas de se tematizar e abordar um assunto jornalisticamente. O que tende a tornar o jornalismo cultural português menos ‘dependente’, se comparado à cobertura feita pela maioria dos diários brasileiros.

Considere-se, ainda, que a indústria da cultura ‘padroniza’ o mundo contemporâneo, independente de estado, país, região ou continente. Isso é também o que acontece com o cinema. Os filmes em cartaz, durante os dias considerados na análise dos dois jornais portugueses, eram praticamente os mesmos nas principais salas de Portugal e do Brasil (O Capitão Corelli, O Diário da Princesa, Os crimes dos Rios de Púrpura, Moulin Rouge, American Pie 2, O beijo mortal do dragão, Mistério do sexo oposto, Hora de Ponta 2, dentre outros).

Oportuno lembrar que para muitos países europeus – entre os quais, embora em menor proporção, pode-se incluir Portugal – a idéia de cultura, em muitos aspectos, é associada a outros setores, como turismo, tradição e expressões artísticas específicas a cada região, povo e país. E, dessa forma, tendencialmente, o próprio jornalismo acaba por ficar menos dependente da ação cotidiana da indústria cultural, seja no que diz respeito à música, teatro, cinema, moda e demais formas de expressão da arte e cultura.

Obviamente, a perspectiva da cultura vinculada ao movimento turístico – considerado como um carro ou uma das grandes motivações econômicas do Mercado Comum Europeu – não exclui e tampouco ignora o viés do consumo. Esse fator, sem dúvida alguma, influencia e pode ser mais facilmente observado no jornalismo dos principais diários portugueses. Isso, claro, se comparado ao caso brasileiro – onde a tematização, agendamento e, portanto, ação do jornalismo no setor se processa bem mais ancorada na perspectiva da indústria (de consumo) cultural. E, por seu modo, bem menos calcado nas expressões, movimentos e características que forjam e instituem a própria identidade cultural dos grupos sociais, regiões ou mesmo países.

Cultura ‘Suplementar’ ou a Cultura por Suplementos

Sobre os cadernos que circulam com as edições de fim de semana

Embora a presente análise não inclua a edição dos cadernos e suplementos de final de semana, é oportuno ter presente a situação dos diários da amostra da pesquisa no que diz respeito à existência dos referidos complementos editoriais dirigidos ou mais voltados a um mercado segmentado de serviços, informação e propaganda.

O Jornal de Notícias possui um único suplemento: a revista Notícias Magazine, que circula aos domingos. O mesmo suplemento (com 130 páginas) é encartado e acompanha a edição dominical do Diário de Notícias e Diário de Notícias da (Ilha) Madeira, totalizando uma tiragem de 290 mil exemplares.

            O outro diário observado – Público – circula aos domingos com a revista Pública, assim como a Magazine é produzida em cores, papel couchet de boa qualidade e impressão definida. Em suas 90 páginas da edição, a pauta básica de Pública não se diferencia muito da concorrente direta: também traz matérias sobre comportamento, hábitos, saúde, consumo, ‘cultura, do vinho’ cartoon, crônicas, tiras, horóscopo para a semana seguinte, receitas gastronômicas, decoração, alguma reportagem discutindo assuntos atuais, dentre outras questões.

Ambas veiculam bastante publicidade (principalmente de TV a cabo, computador/notebook, cartão de crédito, carros, vinhos, shopping, cinema, whisky, lojas de conveniência, anti-alérgico, roupas, celulares, dentre inúmeros outros produtos, serviços e marcas), ‘selecionadas’, dirigidas – digamos – ao perfil do leitor/consumidor (médio europeu, diferente da grande oscilação que perpassa os leitores brasileiros) dos referidos diários.

Além da edição dominical, os diários possuem suplementos voltados a determinados setores do campo cultural. Enquanto o Público possui YPúblico, que circula com a edição de sexta-feira, tematizando a agenda cultural e artística em pauta, o JN prioriza a cultura do Porto, circulando com o suplemento ‘quinzena’, que acompanha a edição da primeira e terceira sexta-feira do mês. Simples, porém prática, até no tamanho (pequeno caderno, meio-ofício).

Com cerca de 40 páginas, o tablóide YPúblico apresenta a programação cultural do final de semana, além de matérias sobre os eventos, promoções, shows e demais atividades artístico-culturais do calendário, além de textos sobre música, cinema, e literatura, não necessariamente integrantes do programa do final de semana.

Aos sábados o Público oferece ao leitor o suplemento Fugas, tablóide de 24 páginas, que aborda assuntos de “viagens, prazeres e motores”. Pratos típicos, carros, vantagens e limites de determinados modelos, vinhos, serviços de transporte, turismo, além de sugestões envolvendo as três áreas pautadas pelo mesmo espaço.

Outro suplemento que circula aos sábados no Público é a revista Xis-Público. Com aproximadamente 80 páginas, a revista traz matérias de comportamento, moda, beleza, saúde, idéias, alimentação alternativa, crônicas, livros e algumas reportagens gerais. É, como diz o slogan do suplemento, uma revista com “idéias para mudar”, voltada, preferencialmente, ao público feminino. E, pelo visto, jovem.

É, por fim, também com a edição de sábado que circula o suplemento que mais se aproxima de uma abordagem cultural d’o Público: o tablóide Mil Folhas que, em 32 páginas, traz discussões dos mais diversos setores do campo cultural. De eventos com uma proposta diferente ao grande número de espetáculos e atividades artísticas que fazem parte da programação nacional, passando por destaques do mercado editorial, Mil Folhas não apenas tematiza como discute artes plásticas, design, música clássica, lançamentos editorais, além de notas e informações pertinentes ao setor cultural.

O Diário de Notícias traz, sempre aos sábados, dois tradicionais suplementos também voltados ao campo da cultura. O DNMais (16 páginas tablóide) aborda quase só música, reservando duas páginas para cinema e duas para vídeo/DVD. É também aos sábados que circula com o Diário de Notícias o suplemento DNA. Tablóide e com aproximadamente 48 páginas, o DNA dedica em torno de 20% do espaço total para publicidades. O restante é dedicado a entrevista (não necessariamente com alguém ligado à cultura, mas também eventuais personalidades históricas, políticas e afins, tendo como gancho um livro, memórias etc), matérias sobre livros, viagens, carros, ensaios, espaço para o leitor, além de matérias sobre aspectos que tematizam a arte, cultura, história, moda e similares.

Interessante considerar que a ‘cultura do vinho’ é assunto muito freqüente nas páginas dos diários portugueses, bem como nos suplementos diversos que circulam em especial aos finais de semana. Mais do que simplesmente ‘vender’ vinho, trata-se de um modo de discutir e manter um hábito há séculos cultivado e mantido por significativa parcela da população, com reflexos diretos na economia do País, seja pela produção, comércio, exportação ou consumo cotidiano de alguns dos tradicionais vinhos feitos em terras lusitanas.

Como acontece com muitas iniciativas de caráter propagandístico, esse é um modo não de “vender” carro, computador, vinho, viagens ou similares, mas um eficiente modo de vender um comportamento e, indiretamente, uma possível adesão a futuros consumidores desses mesmos serviços. Recurso de agendamento temático do imaginário que, desse modo, vai ‘formando’ [44] , mantendo ou alterando hábitos, valores e modos de agir, pensar e viver de um povo. As constantes matérias e inserções sobre a ‘cultura’ do vinho, seja em colunas que informam sobre opções de consumo ou mesmo em matérias veiculadas por suplementos sobre a produção, preparo, regiões e gostos, parecem cumprir parte dessa estratégia de propaganda no caso português.

Ao que tudo indica, pela proposição editorial, pauta, produção e edição jornalística, o Mil Folhas (Público) e o DNA (Diário de Notícias) revelam-se os suplementos culturais mais consistente entre os vários diários de circulação em Portugal.

Uma análise, entretanto, mais dirigida aos vários suplementos – propositadamente, embora nem sempre – culturais dos diários portugueses, poderia indicar outras questões pertinentes. Não é, contudo, intenção desse estudo. A escolha pela centralidade do que e como se faz a cobertura e o agendamento nas páginas diárias dedicadas à cultura é que orienta a leitura, análise e observação crítica da presente investigação. Isso será, de maneira oportuna e pontual, também associado ao que se faz e como se tematiza a cultura nos diários brasileiros.

            Não menos importante é observar que os jornais portugueses não possuem cadernos, suplementos ou mesmo encartes culturais dedicados prioritariamente à literatura ou ao mundo dos livros. Talvez, essa mesma prática ou hábito reflita, comparativamente aos demais países da Comunidade Européia, a aparente menor penetração e influência do mercado editorial na vida cotidiana da maioria da população e em especial dos leitores e consumidores de livros.

 

 

Quadro 1 - Número de Matérias Jornalísticas veiculadas na Editoria de Arte/Cultura

            Diário de Notícias                  Jornal de Notícias                       Público

Dia  Grande    Média   Pequena                Grande   Média    Pequena          Grande    Média   Pequena

1         5              6             2

      3           10             4

     3              6             3

2         1               7            3           

     2           14             5

    3              8              2

3        5              7             1

     4             8             5

    3              6              3

4        1               9            1

     3           10             7

    5              7              4

5         1             13            3

     3           14             3

     2              6              1

6         1               8            5

     1           13             4

    2              5              3

7         1             11            5

     5           16             7

    2             11             2

8         1             13            2

     3           12             4

    4             11             5

9         2             10            1

     4           12             1

    4              6              -

10       -              12            -

     3            9              9

    1              9              5

11       -               7            4

     2           12             2

    6              1              2

12       1             11           3

     5            8              4

    5              4              1

13       1               6           5

     3            4              6

    1              6              4

14       2               8           6

     1           10             2

    2              5              7

15       1              11          4

     3           11             7

    3              6              5

16       2               4           6

     3           13             4

    2              9              5

T:      25           143         51

    48       186          74

   48        106           52

OBS1: Análise realizada com adições dos dias 01 a 16 de novembro de 2001.

OBS2: Matérias Pequenas (ou, em alguns casos, notas) são consideradas, neste estudo, as que possuem até 3 parágrafos, Matérias Médias entre 4 e 10 parágrafos e Matérias Grandes as que possuem acima de 11 parágrafos.

OBS3: Além das matérias editadas nas páginas culturais, a análise inclui os textos que tematizaram questões de arte, mídia, TV, patrimônio histórico e afins)veiculadas também em outras editorias no período considerado no estudo.

 

 

 

 

Quadro 2 - Matéria Principal de arte/cultura e número de páginas da editoria

        Diário de Notícias                   Jornal de Notícias                            Público

Dia      Matéria

Num.Pg. edit.

Matéria Princ.

Pg. editoria

Matéria Princ.

Pg. Editoria

1          L

          8

          M

          8

          C

          5

2          AE

          6

          M

          9

          AP

          7

3          M

          9

          L

          9

          L

          6

4          M

         10

          M

         11

          OA

          9

5         AP

          7

          C

         10

          C

          5

6         C

          7

          T

          8

          C

          6

7         D

          7

          M

         11

          AP

          8

8         M

          7

          M

          9

          M

          9

9         C

          9

          C

          9

          AP

          6

10       M

          8

          M

          9

          T

          6

11       C

          8

          L

          8

          T

          9

12       MM

          8

          M

          9

          M

          6

13       M

          5

          M

          7

          C

          4

14       D

          5

          M

          7

          M

          5

15       AP

          9

          C

          9

          PH

          6

16      T

          8

          M

         11

          AP

          5

OBS: Análise realizada com adições dos dias 01 a 16 de novembro de 2001.

Legenda de Categorias Temáticas : Artes Plásticas (AP), Arte Multimídia/HQ/BD (MM), Arquitetura e Escultura (AE), Arte/Cultura/Educação (AC), Cinema (C), Dança (D), Datas/Comemorações/Solenidades (DC), Fotografia (F), Literatura (L), Música (M), Moda Fashion (MF), Política Cultural/Mídia (PC), Patrimônio Histórico/Museus (PH), Publicidade/Consumo (PP), Teatro (T), Internet (W), Televisão/Rádio (TV), Tradições/Costumes/Cultura Popular (TC), Outros Assuntos (OA).

 

 

 

 

 

 

Quadro 3 - Destaques da Arte/Cultura na primeira página/capa da edição

      Diário de Notícias

      Jornal de Notícias

              Público

1                J/S

               - -

              J/S

2                 - -

               - -

              J/S, Ch

3                J/S

              J/S, Fd

              J/S

4                J/S, J/S

              Ch, Ch

              J/S

5                J/S

              Ch

               - -

6                 - -

               - -

              J/S

7                 - -

              Ch

               - -

8                 - -

               - -

              J/S

9                J/S

               - -

              J/S

10              J/S

               - -

              J/S

11              Ch, Ch, Ch

              Ch, Ch, Ch

               - -

12              J/S

              Ch, Ch

               - -

13               - -

              Ch, Ch

              Ch

14               - -

              Ch

               - -

15              J/S, J/S

              Ch

               - -

16               - -

              Ch

              J/S, Ch

Total:          13

              16

              12

OBS: Análise realizada com adições dos dias 01 a 16 de novembro de 2001.

Legenda: Manchete (Mc), Chamada (Ch), Janela/Selo (Js), Foto-destaque (Fd), Submanchete (Sm)

 

 

Quadro 4 - Presença/Freqüência de Crítica Cultural nos Diários Portugueses

      Diário de Notícias

      Jornal de Notícias

              Público

1           CM, CL, CW

           - -

          CM

2            - -

           - -

          CM, CTV

3           CM, CL

           - -

           - -

4            - -

          CL

          CM

5           CM, CL

           - -

          CTV

6           CL

          CL

           - -

7           CL

           - -

          CM

8           CL, CW

           - -

          CM, CTV

9           CL

           - -

          CL, CTV, CTV

10         CL

           - -

          CD

11         CM

           - -

          CT

12         CL, CT

           CL

          CM, CD, CTV

13         CL

           - -

          CTV

14         CM, CL

           - -

          CM

15         CL, CW

           - -

          CM, CM

16         CL

           - -

          CTV

Total:    22

          03

           21

OBS: Análise realizada com adições dos dias 01 a 16 de novembro de 2001.

Legenda de Categorias Temáticas: Crítica de Artes Plásticas (CA), Crítica de Cinema (CC), Crítica de Dança (CD), Crítica Literária (CL), Crítica de Música (CM), Crítica de Teatro (CT), Crítica de TV (CTV), Crítica de Internet/Web (CW), Outras Críticas Culturais (OC).

OBS: A página de Livros do Diário de Notícias, veiculado diariamente, exceto aos domingos, que traz resenhas e textos sobre livros, foi considerada como forma de ‘crítica’ literária.

 

Considerações Finais:

Informação, agenda de serviços, crítica e orientação ao consumo cultural, através da edição de matérias de análise sobre determinados aspectos, setores e atividades do campo artístico-cultural. Essas são as principais características do periodismo cultural lusitano, conforme o estudo de caso, realizado a partir da observação e análise de 16 edições dos três principais diários impressos portugueses, tendo como amostra o período de 1 a 16 de novembro de 2001. Num rápido olhar paralelo, pelo que se verificou com a referida análise, pode-se dizer que o jornalismo cultural em Portugal não difere significativamente do que se faz na mesma área no Brasil.

Entretanto, longe de apontar ou sintetizar as reflexões sobre a área em simples fórmulas receituárias, a identificação de características que orientam o modo de dizer do jornalismo português pode sugerir outras possíveis pistas para pensar o assunto e, como se pretende fazer nos próximos passos dessa investigação, apontar sugestões para rediscutir a atual situação da profissionalização do setor e ao mesmo tempo pensar mecanismos para o modo como hoje é abordado (quando o é) o jornalismo cultural nas escolas de comunicação social do Brasil.

            A adjetivação presente no discurso da cobertura jornalística da cultura portuguesa configura uma visível marca do modo de dizer/fazer dos diários lusitanos na tematização, agendamento e informação cultural. Paralelo ao pouco uso de fontes diversas, capazes de imprimir uma maior pluralidade ao olhar jornalístico veiculado pelos respectivos diários, os constantes elogios ou eventuais críticas encontradas na cobertura cultural parecem se prestar mais à divulgação e apelo ao consumo cultural do que propriamente ao esclarecimento público com base na informação e análise crítica de produtos do campo cultural.

Um exemplo típico é o caso do cinema: que aposta nos freqüentes elogios que repórteres, editores e críticos fazem de filmes em lançamento para ‘convidar’ ou atrair o leitor ou consumidor às salas de projeção. A impressão de frases de efeito em peças publicitárias (cartazes, out-doors ou anúncios de jornais e revistas) de filmes parece, de certo modo, justificar ou remeter a um círculo habitual (ou, talvez, vicioso?) que tematiza produtos, serviços e atividades de arte e cultura mais pela lógica de efeito de sentido do que propriamente pelo que se entenderia por uma informação jornalística estruturada com base em características como pluralidade, universalidade, serviço, atualidade, proximidade etc.

A identificação dos principais assuntos abordados nas páginas culturais dos diários portugueses, com base nas categorias setorizadas do campo de interesse, sugere por fim a existência de uma autonomia relativa do jornalismo sobre o que é informado, por um lado, e pela presença visível e freqüente das inúmeras e constantes produções lançadas no mercado pelas indústrias da cultura, que em função de estratégias de marketing e busca de uma maior adesão de consumo conseguem se fazer presentes nas páginas culturais dos diários, quase que em simultâneo aos lançamentos sistemáticos e orquestrados que se processam em nível internacional, integrando produtos que vão do filme que projeta a trilha sonora para comercializar o CD, passando pelo livro que articula o relançamento da obra citada ou em que se baseia o roteiro cinematográfico e assim por diante. Circuito esse que o setor ou os espaços jornalísticos, também em função de relações de mercado que orienta leitores para as compras e produtos da moda, não pode ignorar e tampouco simplesmente deixar de informar, discutir ou agendar.

Se essas são relações intra e extra imprensa que perpassam e marcam o modo jornalístico de pautar e dizer no campo cultural lusitano, por outro lado, a análise da amostra considerada indica que existe pouca interação efetiva de leitores, consumidores ou usuários nas páginas culturais dos principais diários portugueses. O que não significa e tampouco autoriza a dizer que, também desse modo, os jornais deixariam de participar da instituição cotidiana do campo cultural, através de suas estratégias e dispositivos de informar, discutir e pautar determinados assuntos – ao invés de outros, por exemplo – que passam a ser mais presentes e virtualmente ‘motivadores’ do consumo e adesão por parte do público ou mesmo pela ‘apropriação’ de técnicas de edição publicitária sobre um determinado produto.

Pode-se dizer, por outro lado, que tais perspectivas de observação e análise presentes neste texto constituem uma tentativa e, de certo modo, ilustram um esforço de contribuir para com a investigação (que integra vários elementos e indicadores sociais, culturais e midiáticos) em torno das complexas relações entre o campo cultural e a sua constituição nos e pelos espaços midiáticos da contemporaneidade, em especial com base em um dos produtos que integram, atualizam e instituem o cotidiano da produção, circulação e consumo em torno da informação/serviço e crítica ou orientação ao usuário, leitor ou consumidor desse mesmo produto que é o jornal diário.

Enfim, não se pode esquecer que é também pelas maneiras de se elaborar e apresentar uma informação ao público que o produto-jornal participa da formação cotidiana do setor cultural e, conseqüentemente, pode melhor contribuir para com o virtual desenvolvimento da sensibilidade estética e cultural dos consumidores, leitores ou usuários dos ainda precários serviços e atividades existentes no campo cultural brasileiro contemporâneo. Para isso, é no mínimo elementar conhecer como esse processo é articulado em outros países do mundo (global) contemporâneo.

Referências Bibliográficas:

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CORREIA, Fernando. Jornalismo e Sociedade: introdução ao estudo e à prática do jornalismo enquanto fenômeno social. Lisboa, Avante!, 2000.

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www.ine.pt - Instituto Nacional de Estatística, Portugal - Censo/2001.



[1] Estudo realizado dentro do Programa Doutorado Sanduíche da Capes (Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), entre outubro de 2001 e fevereiro de 2002, sob a orientação do professor Dr. José Luiz Braga (Unisinos) e co-orientação do professor Dr. Nelson Traquina (Universidade Nova de Lisboa).

[2] Jornalista, professor de Comunicação/Jornalismo da UEPG/PR, doutorando em Ciências da Comunicação pela Unisinos/RS.

[3] Compreende-se por jornalismo cultural os mais diversos produtos e discursos midiáticos orientados pelas características tradicionais do jornalismo (atualidade, universalidade, interesse, proximidade, difusão, objetividade, clareza, dinâmica, singularidade, etc) que, ao pautar assuntos ligados ao campo cultural, instituem, refletem/projetam (outros) modos de ser/pensar e viver dos receptores, efetuando assim uma forma de produção singular do conhecimento humano no meio social onde o mesmo é produzido, circula e é consumido.

[4] “Mais portugueses nos cinemas”. In: Diário de Notícias, 31/10/01 (Editoria de Artes, página 39)

[5] O estudo do INE – conforme reportagem do Diário de Notícias, 31/10/01 – revela ainda que as galerias de arte e espaços de exposições temporárias (171 na região de Lisboa e Vale do Tejo, 115 no Norte e somente 7 nos Açores) promoveram 4 122 exposições (individuais e coletivas), movimentando 161 774 obras de 20 449 autores. Assim, constata a reportagem, “houve um decréscimo de exposições de pintura e ‘outras’, uma tendência contrariada pelas mostras documentais, de cerâmica, fotografia e desenho”. Quanto ao patrimônio arquitetônico nacional, a arquitectura civil cativou mais visitantes em 1999 (44%), logo seguida pela arquitectura religiosa (39%) e militar (6%), sendo 48% dos edifícios classificados propriedade do sector privado e 36% do sector público. De salientar também a evolução dos utilizadores de bibliotecas (9,2 milhões, uma subida de cerca de dois milhões em relação a 1998). Cada utilizador consultou, em média, dois documentos, num total de 17 milhões de documentos requisitados em 1999)...”, revela a pesquisa sobre o mercado cultural no País, referente ao mesmo ano.

[6] “O predomínio dos EUA é, aliás, avassalador, utilizando o avanço tecnológico para a influência noutros planos, nomeadamente o econômico e o ideológico. Mantêm-se os velhos desequilíbrios: 70% do mercado cinematográfico europeu e 83% do latino-americano pertencem a filmes americanos, enquanto os filmes estrangeiros ocupam apenas 3% do mercado dos EUA”.  (CORREIA, 2000; p. 20).

[7] Dados da Associação Fonográfica Portuguesa (AFP) revelam que, no terceiro trimestre de 2001, 57,46% do total de discos, cassetes, CDs e MDs comercializados em Portugal foram de repertório de músicas internacionais, 25,10% de compilações, 14,08% de repertório nacional e 2,46% de música clássica. A gravadora que mais vendeu no mesmo período foi a Universal (com 21,9% dos produtos comercializados), seguido pela EMI-VC (20,26%), Sony Musical (15,55%), Vidisco (14,31%), dentre outras. Ver: “Um verão com menos discos”. In: Diário de Notícias, 19/11/01 –DNNegócios, página 17. A mesma reportagem aponta para uma queda nas vendas pela Universal e um crescimento favorável às duas principais gravadoras de música portuguesa (EMI-VC e Vidiscos), fenômeno esse atribuído ao “reflexo de um tempo de férias, durante as quais emigrantes e alguns turistas procuram música portuguesa”.

[8] OS MEDIA em Portugal. Instituto de Comunicação Social. ICS, Lisboa, 2000; 5.

[9] “Passam para o controle estatal O Século, o Jornal do Comércio, O Comércio do Porto e os vespertinos Diário Popular e A Capital. Já dependiam do Estado, antes da Revolução, através da Caixa Geral de Depósitos, o Diário de Notícias e o Jornal de Notícias. Embora a maioria do seu capital fosse privado, o vespertino Diário de Lisboa também ficou ligado ao Estado, através da quota que pertencia ao Banco Nacional Ultramarino. Permaneceram no sector privado o vespertino República e O Primeiro de Janeiro”. E, em 07/02/77, também são suspensos os diários O Século e o Jornal do Comércio. (OS MEDIA em Portugal, 2000; 10).

[10] É o caso do Correio da Manhã (fundado em 1978 que, voltado a um jornalismo mais popular, possui uma tiragem destacada entre os diários do País com 135 mil exemplares/dia), o Semanário Econômico (1987), Diário Econômico (1989), revista Grande Reportagem (89), revista Elle (88), Máxima (88), Activa (91), Cosmopolitan (92), Maria (78), além do diário o Público (90), que passa a disputar mercado com outros jornais de pretensão e alcance nacional já existentes (como o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias). Alguns anos depois, também surgem o popular 24 Horas (98), o de informação geral Euronotícias (99), dentre outros de menor expressão ou alcance mais local e regional. O mercado de revistas voltadas à TV também registra um crescimento em títulos e tiragem: TV Guia (79), TV Mais (93) e Telenovelas (98). As revistas Nova Gente (76), Caras (95) e VIP (97) destacam-se nas society and colunáveis. A revista Visão, considerada de informação geral, se destaca pela tiragem semanal (cerca de 160 mil exemplares para uma edição semanal de aproximadamente 220 páginas, entre os meses de outubro e novembro/2001). O tradicional semanário o Expresso é outro veículo com uma considerável circulação em termos nacionais em Portugal (com uma tiragem semanal de 160 mil exemplares, em outubro/2001, é talvez um dos poucos periódicos de maior influencia lusitana editado em vários cadernos e suplementos).  A imprensa regional, ao que tudo indica, também desempenha importante papel nas comunicações do País, registrando a existência de 19 jornais diários (que oscilam em tiragens de 2 a 21 mil exemplares cada, embora a maioria fica em torno de 5 a 10 mil), editados em 12 diferentes distritos (regiões),além de outras publicações semanais e não-diárias. Vale lembrar que as informações sobre tiragem e circulação dos referidos meios acima citados são, geralmente, avalisados pela Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem (APCT) que acompanha (ou verifica!) o mercado impresso em nível nacional.

[11] A Agência de Notícias de Portugal – Lusa foi criada em 1986 a partir da já existente Agência Noticiosa Portuguesa que, em 01/07/75, sucedeu a Agência Nacional de Informação, ligada à propaganda do Estado Novo. Ver: OS MEDIA em Portugal. Instituto de Comunicação Social. ICS, Lisboa, 2000; 16. Apenas para registro, em 26/10/01 a Agência Lusa assina um acordo de cooperação comercial com a Agência Estado, do Grupo brasileiro O Estado de São Paulo (Diário de Notícias, 27/10/01).

[12] Em Portugal, a Lusomundo e a Warner Lusomundo têm 126 salas de cinema com cerca de 23 mil lugares... Na Espanha a Warner Lusomundo dispõe de 70 salas com 17.224 lugares. Entre os 22 complexos de cinema a Lusomundo possui 208 salas na Península Ibérica. Entre 2002 e 2004, o Grupo (Lusomundo e associados) prevê abrir mais 11 complexos em Portugal e Espanha, aumentando a rede em mais 111 salas e 27 mil novos lugares. Entre janeiro e setembro de 2001, os cinemas Lusomundo faturaram 65,3 milhões de euros... Fonte: Jornal de Notícias, 20/10/01. No final de 2001, o Grupo Lusomundo foi comprado pela Portugal Telecom.

[13] Saiba quem distribui o quê, na área de impressos em Portugal:  VASP – Expresso, Correio da Manhã, Visão, Exame, Caras, Independente, AutoMotor, AutoSport, Turbo, Blitz, Jornal de Negócios, Jornal de Letras, Crime, O Diabo, TV Guia. DELTAPRESS – Jornal de Notícias, Diário de Notícias, Record, 24 Horas, Máxima, Volta ao Mundo, Semanário, Jogo, Tal & Qual. Fonte: Público, 26/10/01, página 24.

[14] Informação veiculada no Jornal de Notícias (na edição de 08/10/01)l além de outros periódicos do País.

[15] Cf. Matéria veiculada no jornal Público, 09/11/01, página 37: “Jovens portugueses longe das novas tecnologias”

[16] Mesmo com um salário mínimo equivalente a 400 euro (cerca de 1.000 reais), considerado o mais baixo entre os 12 países integrantes da CEE, Portugal também mantém milhares de aposentados ganhando valores mensais inferiores a esse mesmo mínimo (aliás, não muito diferente do caso brasileiro, onde milhões de aposentados também ganham salário inferior ao mínimo de 180 reais = 70 dólares). Ver Jornal de Notícias, 10/11/01. A informação sobre o valor do salário mínimo português é do Diário de Notícias (DN:Negócios, pg 14), 06/11/01.

[17] Cf. OS MEDIA em Portugal, 2000; 43.

[18] “Metade dos lares da Europa Ocidental vêem TV via cabo ou satélite”. Público, 13/11/01. Pág. 45.

[19] “Dez por cento dos portugueses têm televisão por cabo”. In: Público, 20/11/01. Pg. 53.

[20] Cf. QUINTERO, 1996; 394.

[21] Conforme informação veiculada pelos próprios diários, o Público possui uma tiragem de 79.097 exemplares/dia (em outubro/01), o Diário de Notícias tem 89 mil exemplares e o Jornal de Notícias circulou, no mesmo mês, com 136.942 exemplares ao dia (incluindo semana e aos domingos). Dados esses verificados pela Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem (APCT).

[22] Ver CABRERA, 2001; 212.

[23] VALA, 2001; 101.

[24] O DN dedica duas páginas e meia para a publicação do cartaz de cinema, espetáculos e atividades culturais, além de outras três páginas de cada edição para o roteiro e programação de televisão (por cabo e aberta). O JN, por sua vez, ocupa duas páginas com o roteiro cultural (teatro, espetáculos, cine etc) e duas páginas e meia da edição diária para a programação televisiva. O Público utiliza diariamente duas páginas com o roteiro de arte, cinema, agenda e duas páginas com a grade televisiva. A programação de TV – que inclui a veiculação diária de notas com destaque de horários e opções de programa de algumas emissoras – não foi incluída na análise, dentre outros motivos, pelo fato de que boa parte dessas mesmas informações é oriunda de agências ou mesmo da divulgação enviada pelas próprias redes televisivas, sem muito espaço para textos próprios.

[25] A prática, entretanto, não é nenhuma exclusividade lusitana. Trata-se, antes, de um bem montado sistema próprio desenvolvido ou adaptado pelas indústrias da cultura. Distribuidoras de cinema, gravadoras, grandes casas editoriais, empresas públicas e/ou privadas são alguns exemplos de setores que atuam no campo e, de forma planejada e sistemática, mantêm ‘malas’ de assessoria para envio a redações, emissoras de rádio e televisão, além de eventuais colaboradores que, muitas vezes sem explicação, passam a receber material de divulgação de produtos de arte e cultura.

[26] Conforme referência utilizada por Nelson Traquina (2001; 168).

[27] Além das opções editoriais, considere-se que a freqüente falta de espaço que algumas editorias possuem diante da demanda de matérias disponíveis leva por vezes a inserção de textos em outras seções do jornal, conforme disponibilidade de espaço, horário de fechamento, etc.

[28] O que não significa que aqui se considera como jornalismo cultural os periódicos – revistas, jornais, dentre outros produtos e programas – que têm como alvo notícias, boatos, imagens, curiosidades e até fofocas da vida privada de artistas, atores, personalidades do meio político, midiático e cultural. Até porque tais abordagens, pelo próprio ângulo de informação, estão mais próximas do sensacionalismo (uma vez que exageram na singularidade dos fatos abordados) do que de uma preocupação com a cobertura jornalística baseada na informação, dentre outras características.

[29] As ‘categorias de conteúdo’ acima foram sistematizadas com base no estudo desenvolvido por Traquina (2001; 153)

[30] Referência aos acontecimentos previamente organizados e planejados, de tal forma que passam a fazer parte (por vezes quase que intrínseca) da rotina de produção jornalística. São, obviamente, acontecimentos que pela sua característica estratégica para pautar, imprimir visibilidade e presença pública também ‘integram’ o sistema midiático-cultural, como ocorre ainda em economia, política, religião, educação, etc.

[31] “O jornal diário tornou-se, na realidade, um substitutivo do espaço público, um fórum onde se escuta o eco de todas as vozes públicas, ao mesmo tempo em que tem sua própria voz. Esta dualidade está na origem das estratégias pelas quais o jornal manipula, seja por identificar-se com ele, seja por distanciar-se do mesmo, o discurso de outrem. Uma tipologia das ‘estratégias da citação’ é proposta em conclusão a essas análises” (Mouillaud, 1997; 27)

[32] BRAGA, 1996.

[33] O Censo 2001, realizado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), indica que 14,4% da população não possuem nenhum grau de instrução (para não utilizar o termo analfabetismo). Cf. Diário de Notícias, 18/01/2002, pg 15.

[34] QUINTERO, 1996; 395. Embora essas informações sejam referentes ao ano de 1995, projeções com base em dados atuais sugerem que não há grandes alterações no quadro registrado entre os anos de 2000/2001.

[35] Também, durante o período de análise, o DN veiculou notas e eventuais anúncios de outros livros lançados pela Editorial Notícias que figuravam na lista dos mais vendidos (divulgada na edição de sexta-feira), como é o caso de Crônica de uma crise anunciada, do ex-presidente Cavaco Silva, e A cultura no coração da política, da autoria do ex-ministro Manuel Maria Carrilho.

[36] A soma inclui o espaço ocupado pelas matérias de arte/cultura (e afins) eventualmente veiculadas em outras editorias. A mesma referência vale no que diz respeito aos outros dois diários da amostra de estudo.

[37] Para melhor compreender e verificar como os diários portugueses efetuaram a cobertura do campo cultural, durante o período da amostra para esta análise, optou-se por acompanhar – na medida do possível, in loco – algumas das principais atividades e eventos realizados na área, em Lisboa (cinema, exposições, etc). Com a mesma preocupação, acompanhou-se um dos poucos programas telejornalísticos existentes em Portugal voltados à área cultural: Acontece, diariamente apresentado pela RTP2, com duração de 20 minutos de informação, dicas culturais, sugestões de livros, shows e entrevistas com profissionais da área.

[38] Conforme matéria editada pelo Jornal de Notícias, 03/11/01, página 60.

[39] Referência à discussão feita por José Luiz Braga sobre o assunto.

[40] SANTOS, 2001; 93.

[41] Como o estudo de ERICSON, R., BARANEK, P. e CHAN, J. (1991) sobre as representações sociais no discurso noticioso, dentre outros que discutem o assunto.

[42] Como sugere Mikhail Bakthin (1988), todo signo é uma ‘interpretação’ da realidade, uma convenção social e recorte (cultural) que reflete e projeta um dado momento/situação. Não se trata, portanto, de insinuar ou deixar margem para que se pense que o jornalismo produzido fora da Europa não seja interpretativo. A referência, ou sutil diferença, reside em análises mais abertas, sem os tradicionais indícios (de busca) de uma objetividade no fazer jornalístico, como se verifica no jornalismo norte-americano e em um dos seus mais afiliados adeptos no pós-guerra: o periodismo brasileiro. A esse respeito, ver LINS SILVA (1991).

[43] Como se pode verificar, muito da cobertura jornalística cultural feita pelos diários brasileiros está bastante ligado a uma certa ‘dependência’ da cultura televisiva, deixando-se nortear predominantemente pelos rumos e agenda da programação televisiva, o que acaba por ‘imprimir’ uma dinâmica interdependente ao setor cultural. “Para muitos jornalistas da área cultural é como se não existisse vida fora da tela”, diz o jornalista e escritor Joel Gehlen (em entrevista ao autor para esta pesquisa). Isto faz com que “o jornal brasileiro seja o meio que mais dá espaço para um forte concorrente de mercado, que é o caso da tv”, completa.

[44] Essa discussão do sentido publicitário de determinados espaços midiáticos, páginas, programas ou mesmo periódicos é feita, de maneira mais discutida, por Lage (1999).