António Fidalgo, Universidade da Beira Interior
O jornalista não deve publicar aquilo que lhe é comunicado off the record. Trata-se de um princípio deontológico bastante consensual e que, tal como outros princípios do mesmo tipo, geralmente só é questionado quando infringido. As infracções mostram todavia que o consenso sobre esse princípio é tão frágil quanto a situação de off the record é complexa. Uma reflexão ética sobre o princípio em causa exige uma análise rigorosa, mesmo que breve, desta situação.
1- A análise
Off the record descreve uma situação em que o
jornalista, devidamente identificado, recebe, de qualquer maneira, uma
indicação clara, explícita ou implícita, de
que não deve divulgar as informações que lhe são
prestadas. A análise distingue à partida três elementos:
a fonte, a informação (a matéria) e o jornalista.
i) Não é quem quer que dá uma informação
off the record. Para falar off the record é preciso
que quem preste a informação tenha o estatuto de fonte e,
como tal, possa falar on the record. Quer isto dizer que não é
qualquer confidência ou segredo comunicados por quem quer que seja
a um jornalista que tem o estatuto de off the record. O segredo
do off the record caracteriza-se justamente pela existência,
real ou possível, de informações on the record. Essa
a sua peculiaridade; é um segredo dentro de um contexto de divulgação.
Dizer que não há off sem record é trivial,
mas nem por isso de somenos importância numa análise deste
tipo. A credibilidade de quem fala off the record advém-lhe
das informações que presta on the record, isto é,
do seu estatuto de fonte.
Cabe à fonte decidir o que é ou não off the
record, o que pode e o que não pode ser divulgado. Se a fonte
o quiser, todas as informações prestadas num determinado
momento podem ser para divulgação, como nenhuma o pode ser,
ou então, como geralmente sucede, umas sê-lo-ão e outras
não, segundo o seu critério. Isto supõe obviamente
que é por livre iniciativa, voluntariamente, que a fonte presta
as informações. Aliás, estes elementos estão
intimamente ligados: a decisão sobre o que é off the record
é tanto mais livre quanto mais voluntária for a iniciativa
de prestar a informação.
Sendo livre a decisão da fonte sobre o off the record,
não quer dizer que seja irracional ou arbitrária; não
se trata propriamente de um capricho. Isto quer dizer que a fonte tem as
suas razões para decidir sobre o off the record. Essas razões
podem ser comunicadas ou não ao jornalista, mas este terá
de admitir que existem razões válidas para o off da
informação. Veremos que é neste ponto que se situa
o cerne da questão ética do off the record.
ii) As informações prestadas off the record são,
por natureza, informações passíveis de ser publicadas.
Normalmente até são aquelas que o jornalista mais gostaria
de publicar, não só porque o fruto proibido é o mais
apetecido, mas, sobretudo, porque são sempre informações
em primeira mão. Em termos puramente materiais, de conteúdo,
nada distingue uma informação em off de uma informação
destinada a publicitação. De tal maneira é assim que
qualquer informação em off se pode transformar em
notícia, seja pela anuência da fonte a retirar a restrição
de publicitação, seja pela infracção do jornalista
ao off. As fronteiras materiais do off são, deste
modo, as mesmas que as do on, a saber as do interesse público. Não
havendo qualquer distinção de conteúdo entre as informações
prestadas off the record e as dadas para o gravador, a diferença
é apenas da ordem intencional; a fonte pretende que o jornalista
guarde para si as informações que lhe dá em off.
Também aqui, só que agora do ponto de vista do conteúdo
da informação, não é um qualquer segredo comunicado
ao jornalista, mesmo que vindo de uma fonte, que faz dele uma informação
off the record. Essa informação tem de ter valor jornalístico,
ser de interesse público.
iii) Por fim, o off the record pressupõe que o jornalista,
ao receber essa informação, se encontra perfeitamente identificado
como tal. Esta identificação significa aqui duas coisas:
primeira, que a fonte sabe que a pessoa a quem pede o sigilo off the
record é jornalista; segunda, que o jornalista está ali
nas funções de jornalista e não noutras funções.
As conversas mais ou menos sigilosas entre uma fonte e um jornalista em
contextos de tipo familiar, associativo, mesmo sobre assuntos de eventual
interesse jornalístico, não são informações
off the record. Por conseguinte, não se devem considerar
como infracções ao off the record todas as indiscrições
cometidas por um jornalista.
2- A reflexão ética
Feita a análise da situação do off the record
várias questões se levantam do ponto de vista ético.
A primeira delas, e a mais importante para o jornalista, é a seguinte:
sendo o primeiro dever do jornalista informar o público, como pode
ele manter em segredo informações de interesse público,
por vezes de claro interesse público? Aqui a resposta é a
de que a obtenção dessas informações foi feita
sob o compromisso de que as não publicaria e de que só as
obteria sob esse compromisso. A justificação ética
da retenção de informação reside, portanto,
no compromisso assumido com a fonte. A questão ética transfere-se
então para o compromisso assumido. Faz sentido um jornalista obter
informações se as não puder publicar? É esse
compromisso eticamente correcto?
À partida, o compromisso em que assenta o off the record
é perfeitamente correcto. É preferível um jornalista
dispor de certas informações, mesmo que as não possa
divulgar, do que pura e simplesmente as ignorar. Vale mais um jornalista
comprometidamente informado do que descomprometidamente ignorante.
Antes de informar o público o jornalista tem de se informar.
São duas coisas distintas e dois deveres diferentes, ainda que intimamente
associados. O jornalista informa-se para informar. Mas o dever de se informar
é diferente do dever de informar. De tal modo é assim que
muitas vezes um jornalista tem de proceder a investigações
que acabam por não produzir uma informação de interesse
público. Um exemplo: uma investigação sobre um alegado
caso de corrupção pode muito bem apurar que não houve
corrupção alguma. O dever de se informar distingue-se pois
claramente do dever de informar. Ora é justamente com base no dever
de se informar que o jornalista assume o compromisso do off the record.
Ninguém duvidará que um jornalista poderá, graças
a informações obtidas off the record, ficar melhor
esclarecido sobre outras informações dadas on the record
e assim informar melhor o público.
Da perspectiva do jornalista, a figura do off the record justifica-se
pelo dever de se informar. E da perspectiva da fonte? Pode uma fonte condicionar
as informações que presta a um jornalista? Não significa
esse condicionamento, nomeadamente ao estabelecer a fronteira entre o que
é on e off the record, uma manipulação do jornalista?
Em princípio ¾ e a ética trata de princípios
e não de casos! ¾ uma fonte pode perfeitamente, de um ponto
de vista ético, condicionar uma informação dada a
um jornalista. Aliás, pela mesma razão que um jornalista
aceita o off the record. A fonte considera que a informação
dada off the record poderá esclarecer melhor o jornalista
sobre as informações dadas on the record, poderá situar
estas numa perspectiva mais correcta. O que justifica o off the record
por parte da fonte é o interesse em que o jornalista esteja informado
de factos sob sigilo a fim de melhor compreender as informações
dadas on the record. Isso permitirá ao jornalista dar ao público
uma informação ainda que não cabal, pelo menos não
distorcida.
As razões do off the record prendem-se, de um ponto de
vista ético, com as informações dadas on the record.
O sentido ético do off é o de esclarecer melhor o
jornalista sobre as informações que lhe são dadas
on the record. Este é o cerne da questão. É em função
do on the record, isto é, da informação pública
praticada pelo jornalista, que se justifica eticamente o off the record.
Onde as informações prestadas em off nada têm
a ver com as informações dadas para o gravador, então
há que efectivamente desconfiar. O que sucede em tais situações
é um condicionamento pessoal do jornalista, torná-lo participante
de um segredo e criar cumplicidades. Uma situação generalizada
de informações off avulsas e arbitrárias conduz
inevitavelmente a uma promiscuidade entre fontes e jornalistas em que se
perde completa-mente de vista a informação do público
como razão última da informação do jornalista.
Que o off the record é bastas vezes utilizado como instrumento
de manipulação é um facto. Mas os abusos, por mais
abundantes e graves que sejam, são sempre abusos e não significam
que o off the record seja um simples mecanismo de poder e, como
tal, não faça sentido. Aliás, o jornalista tem o dever
de questionar as razões do off, tem de entender o porquê
de lhe ser fornecida uma informação sob condição
de a não divulgar. E aqui só há uma maneira de entender
essas razões: servem ou não as informações
em off para esclarecer as informações dadas para o
gravador? Este é o grande critério de o jornalista saber
se está a ser ou não manipulado.
Por fim, quanto à matéria das informações
prestadas em off, a questão ética mais pertinente
é sobre a manutenção do sigilo relativamente a assuntos
de natureza grave ou mesmo criminosa. Deverá, por exemplo, o jornalista
manter em sigilo uma informação sobre um crime dada em off
the record? Temos aqui dois deveres em disputa: por um lado, o dever
profissional de manter o sigilo, por outro lado, o dever de denunciar um
crime. Trata-se sem dúvida de um dilema ético, mas a regra
geral é a de manter o sigilo profissional. O jornalista não
deve, em princípio, denunciar um crime de que foi informado
off
the record. É que essa informação foi prestada
sob condição de o jornalista guardar segredo.
Claro que aqui haverá que fazer alguns reparos. O jornalista
não pode deixar-se manipular ou manietar através do off.
Se ele estiver à beira de descobrir por si uma ilegalidade, ou um
crime, de manifesto interesse público, não pode deixar que
uma informação em off, dada à última
da hora, o impeça de revelar a verdade. Da prudência do jornalista
também depende evitar os conflitos éticos. Mas não
são de excluir casos de força maior em que o jornalista entenda
como dever a denúncia de factos e situações, de que
teve informação off the record. Se estiver em jogo
a vida de uma pessoa, a paz entre os povos, e outros valores básicos,
o jornalista poderá muito bem optar por romper o sigilo profissional.
Trata-se de ponderar os deveres. De qualquer modo, nunca uma simples razão
publicitária ¾ sensacionalismo, aumento de tiragem dos jornais,
etc. ¾ poderá justificar a quebra do sigilo off the record.
Resumindo e concluindo. O off the record justifica-se pelo dever
de o jornalista se informar o mais cabalmente possível, mas esse
dever está subordinado ao dever de informar o público. Onde
essa subordinação desaparece, o off the record transforma
o jornalista em comparsa.