Aprova o Estatuto
do Jornalista
Lei n.º 1/99 de 13 de Janeiro
A Assembleia da
República decreta, nos termos da alínea c) do artigo 161.º da Constituição,
para valer como lei geral da República, o seguinte:
CAPÍTULO I
Dos jornalistas
Artigo 1.º
Definição de jornalista
1 - São
considerados jornalistas aqueles que, como
ocupação principal, permanente e remunerada, exercem funções
de pesquisa, recolha, selecção e tratamento de factos, notícias ou
opiniões, através de texto, imagem ou som, destinados a divulgação
informativa pela imprensa, por agência noticiosa, pela
rádio, pela televisão ou por outra forma de difusão electrónica.
2 - Não constitui actividade jornalística o exercício de funções referidas no
número anterior quando desempenhadas ao serviço de publicações de
natureza predominantemente promocional, ou cujo
objecto específico consista em divulgar, publicitar
ou por qualquer forma dar a conhecer instituições,
empresas, produtos ou serviços, segundo critérios de oportunidade
comercial ou industrial.
Artigo 2.º
Capacidade
Podem ser jornalistas
os cidadãos maiores de 18 anos no pleno gozo dos seus direitos
civis.
Artigo 3.º
Incompatibilidades
1 - O exercício da
profissão de jornalista é incompatível com o desempenho de:
a) Funções de angariação, concepção ou apresentação
de mensagens publicitárias;
b) Funções remuneradas de marketing, relações
públicas, assessoria de imprensa e consultoria
em comunicação ou imagem, bem como de orientação e execução
de estratégias comerciais;
c) Funções em qualquer organismo ou corporação policial;
d) Serviço militar;
e) Funções de membro do Governo da República ou de governos regionais;
f) Funções de presidente de câmara ou de vereador, em regime de
permanência, a tempo inteiro ou a meio tempo, em órgão de administração
autárquica.
2 - É
igualmente considerada actividade publicitária
incompatível com o exercício do jornalismo o
recebimento de ofertas ou benefícios que, não identificados
claramente como patrocínios concretos de actos jornalísticos, visem
divulgar produtos, serviços ou entidades através da
notoriedade do jornalista, independentemente de este fazer
menção expressa aos produtos, serviços ou entidades.
3 - O jornalista abrangido por qualquer das incompatibilidades previstas
nos números anteriores fica impedido de exercer a respectiva actividade,
devendo depositar junto da Comissão da Carteira Profissional
de Jornalista o seu título de habilitação, o qual será devolvido,
a requerimento do interessado, quando cessar a situação que determinou a
incompatibilidade.
4 - No caso de apresentação de mensagens publicitárias previstas na alínea a)
do n.º 1 do presente artigo, a incompatibilidade vigora por um período mínimo
de seis meses e só se considera cessada com a exibição de prova de que
está extinta a relação contratual de cedência de imagem, voz ou nome de
jornalista à entidade promotora ou beneficiária da publicidade.
Artigo 4.º
Título profissional
1 - É condição
do exercício da profissão de jornalista a habilitação com o
respectivo título, o qual é emitido por uma Comissão da Carteira Profissional
de Jornalista, com a composição e as competências previstas na lei.
2 - Nenhuma empresa com actividade no domínio da
comunicação social pode admitir ou manter ao seu serviço, como
jornalista profissional, indivíduo que não se mostre habilitado,
nos termos do número anterior, salvo se tiver
requerido o título de habilitação e se encontrar a aguardar decisão.
Artigo 5.º
Acesso à profissão
1 - A
profissão de jornalista inicia-se com um
estágio obrigatório, a concluir com aproveitamento, com a duração de 24
meses, sendo reduzido a 18 meses em caso de habilitação com
curso superior, ou a 12 meses em caso de licenciatura
na área da comunicação social ou de
habilitação com curso equivalente, reconhecido pela Comissão da Carteira
Profissional de Jornalista.
2 - O regime do estágio, incluindo o
acompanhamento do estagiário e a respectiva avaliação, será
regulado por portaria conjunta dos membros do Governo
responsáveis pelas áreas do emprego e da comunicação social.
CAPÍTULO II
Direitos e deveres
Artigo 6.º
Direitos
Constituem direitos
fundamentais dos jornalistas:
a) A liberdade de expressão e de
criação;
b) A liberdade de acesso às fontes de informação;
c) A garantia de sigilo profissional;
d) A garantia de independência;
e) A participação na orientação do respectivo órgão de informação.
Artigo 7.º
Liberdade de expressão e de criação
1 - A liberdade de
expressão e de criação dos jornalistas não está sujeita a impedimentos ou
discriminações nem subordinada a qualquer forma de censura.
2 - Os jornalistas têm o direito de assinar, ou
fazer identificar com o respectivo nome profissional registado na
Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, os
trabalhos da sua criação individual ou em que tenham
colaborado.
3 - Os jornalistas têm o direito à protecção dos textos,
imagens, sons ou desenhos resultantes do exercício da
liberdade de expressão e criação, nos termos das disposições
legais aplicáveis.
Artigo 8.º
Direito de acesso a fontes oficiais de informação
1 - O direito de
acesso às fontes de informação é assegurado aos jornalistas:
a) Pelos órgãos da Administração
Pública enumerados no n.º 2 do artigo 2.º do Código do Procedimento
Administrativo;
b) Pelas empresas de capitais total ou
maioritariamente públicos, pelas empresas controladas pelo Estado, pelas
empresas concessionárias de serviço público ou do uso
privativo ou exploração do domínio público e ainda por
quaisquer entidades privadas que exerçam poderes
públicos ou prossigam interesses públicos, quando
o acesso pretendido respeite a actividades reguladas
pelo direito administrativo.
2 - O interesse
dos jornalistas no acesso às fontes de informação é sempre
considerado legítimo para efeitos do
exercício do direito regulado nos artigos 61.º a 63.º do Código do
Procedimento Administrativo.
3 - O direito de acesso às fontes de informação não abrange os processos
em segredo de justiça, os documentos classificados ou
protegidos ao abrigo de legislação específica, os
dados pessoais que não sejam públicos dos
documentos nominativos relativos a terceiros, os
documentos que revelem segredo comercial, industrial ou relativo à
propriedade literária, artística ou científica, bem
como os documentos que sirvam de
suporte a actos preparatórios de decisões
legislativas ou de instrumentos de natureza
contratual.
4 - A recusa do acesso às fontes de informação por parte de algum dos
órgãos ou entidades referidos no n.º 1 deve ser fundamentada nos
termos do artigo 125.º do Código do
Procedimento Administrativo e contra ela podem ser
utilizados os meios administrativos ou contenciosos que no caso couberem.
5 - As reclamações apresentadas por jornalistas à
Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos contra decisões
administrativas que recusem acesso a documentos públicos ao abrigo da Lei
n.º 65/93, de 26 de Agosto, gozam de regime de urgência.
Artigo 9.º
Direito de acesso a locais públicos
1 - Os jornalistas
têm o direito de acesso a locais abertos ao público desde que para fins
de cobertura informativa.
2 - O disposto no número anterior é extensivo aos
locais que, embora não acessíveis ao público, sejam abertos à generalidade da
comunicação social.
3 - Nos espectáculos ou outros eventos com entradas pagas em
que o afluxo previsível de espectadores
justifique a imposição de condicionamentos de acesso poderão ser
estabelecidos sistemas de credenciação de jornalistas por órgão de
comunicação social.
4 - O regime estabelecido nos números anteriores é assegurado em condições de
igualdade por quem controle o referido acesso.
Artigo 10.º
Exercício do direito de acesso
1 - Os jornalistas
não podem ser impedidos de entrar ou permanecer nos locais referidos no artigo anterior
quando a sua presença for exigida pelo exercício da respectiva
actividade profissional, sem outras limitações
além das decorrentes da lei.
2 - Para a efectivação do exercício do direito previsto no número
anterior, os órgãos de comunicação social têm direito a utilizar os
meios técnicos e humanos necessários ao desempenho da sua actividade.
3 - Nos espectáculos com entradas
pagas, em que os locais destinados à comunicação social sejam
insuficientes, será dada prioridade aos órgãos de comunicação
de âmbito nacional e aos de âmbito local do
concelho onde se realiza o evento.
4 - Em caso de desacordo entre os organizadores do espectáculo e os órgãos de
comunicação social, na efectivação dos direitos
previstos nos números anteriores, qualquer dos
interessados pode requerer a intervenção da Alta
Autoridade para a Comunicação Social, tendo
a deliberação deste órgão natureza vinculativa e incorrendo em
crime de desobediência quem não a acatar.
5 - Os jornalistas têm direito a um regime especial que permita a
circulação e estacionamento de viaturas utilizadas no exercício das respectivas
funções, nos termos a estabelecer por
portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas
áreas da administração interna e da comunicação social.
Artigo 11.º
Sigilo profissional
1 - Sem prejuízo do
disposto na lei processual penal, os jornalistas não são obrigados a
revelar as suas fontes de informação, não sendo o seu silêncio
passível de qualquer sanção, directa ou indirecta.
2 - Os directores de informação dos
órgãos de comunicação social e os administradores ou gerentes das
respectivas entidades proprietárias, bem como qualquer pessoa que nelas
exerça funções, não podem, salvo com autorização escrita
do jornalista envolvido, divulgar as suas fontes
de informação, incluindo os arquivos jornalísticos de texto, som ou
imagem das empresas ou quaisquer documentos susceptíveis de as revelar.
3 - Os jornalistas não podem ser
desapossados do material utilizado ou obrigados a exibir os elementos
recolhidos no exercício da profissão, salvo por mandado judicial e nos
demais casos previstos na lei.
4 - O disposto no número anterior é extensivo às empresas que tenham
em seu poder os materiais ou elementos ali referidos.
Artigo 12.º
Independência dos jornalistas e cláusula de consciência
1 - Os
jornalistas não podem ser constrangidos a exprimir
ou subscrever opiniões nem a desempenhar tarefas
profissionais contrárias à sua consciência, nem podem
ser alvo de medida disciplinar em virtude de tal
recusa.
2 - Em caso de alteração profunda na linha de orientação ou na
natureza do órgão de comunicação social, confirmada
pela Alta Autoridade para a Comunicação Social a requerimento
do jornalista, apresentado no prazo de 60 dias, este poderá fazer
cessar a relação de trabalho com justa causa, tendo direito à
respectiva indemnização, nos termos da legislação laboral aplicável.
3 - O direito à rescisão do contrato de trabalho
nos termos previstos no número anterior deve ser
exercido, sob pena de caducidade, nos 30 dias subsequentes
à notificação da deliberação da Alta
Autoridade para a Comunicação Social, que deve
ser tomada no prazo de 30 dias após
a solicitação do jornalista.
4 - Os jornalistas podem recusar quaisquer ordens ou instruções de
serviço com incidência em matéria editorial emanadas
de pessoa não habilitada com título profissional ou equiparado.
Artigo 13.º
Direito de participação
1 - Os jornalistas
têm direito a participar na orientação editorial do órgão de
comunicação social para que trabalhem, salvo
quando tiverem natureza doutrinária ou confessional, bem como a pronunciar-se
sobre todos os aspectos que digam respeito à sua actividade profissional, não
podendo ser objecto de sanções disciplinares pelo exercício desses
direitos.
2 - Nos órgãos de comunicação social com mais de cinco jornalistas, estes têm o
direito de eleger um conselho de redacção, por escrutínio secreto e segundo
regulamento por eles aprovado.
3 - As competências do conselho de redacção são exercidas pelo conjunto
dos jornalistas existentes no órgão de
comunicação social, quando em número inferior a cinco.
4 - Compete ao conselho de redacção:
a) Cooperar com a direcção no
exercício das funções de orientação editorial que a esta incumbem;
b) Pronunciar-se sobre a designação ou demissão, pela entidade proprietária,
do director, bem como do subdirector e do
director-adjunto, caso existam, responsáveis pela informação do respectivo
órgão de comunicação social;
c) Dar parecer sobre a elaboração e as alterações ao estatuto editorial; d)
Pronunciar-se sobre a conformidade de escritos ou imagens
publicitárias com a orientação editorial do órgão de comunicação social;
e) Pronunciar-se sobre a invocação pelos jornalistas do direito
previsto no n.º 1 do artigo 12.º;
f) Pronunciar-se sobre questões deontológicas ou
outras relativas à actividade da redacção;
g) Pronunciar-se acerca da responsabilidade
disciplinar dos jornalistas profissionais, nomeadamente na apreciação de
justa causa de despedimento, no prazo de cinco dias a contar da data em
que o processo lhe seja entregue.
Artigo 14.º
Deveres
Independentemente do
disposto no respectivo código deontológico, constituem deveres
fundamentais dos jornalistas:
a) Exercer a actividade com respeito
pela ética profissional, informando com rigor e isenção;
b) Respeitar a orientação e os objectivos definidos no estatuto editorial
do órgão de comunicação social para que trabalhem;
c) Abster-se de formular acusações sem provas e
respeitar a presunção de inocência;
d) Não identificar, directa ou indirectamente, as vítimas de crimes
contra a liberdade e autodeterminação sexual, bem como os
menores que tiverem sido objecto de medidas tutelares sancionatórias;
e) Não tratar discriminatoriamente as pessoas, designadamente em função
da cor, raça, religião, nacionalidade ou sexo;
f) Abster-se de recolher declarações ou imagens que atinjam a
dignidade das pessoas;
g) Respeitar a privacidade de acordo com a natureza do caso e a condição
das pessoas;
h) Não falsificar ou encenar situações com intuitos de abusar da
boa fé do público;
i) Não recolher imagens e sons com o recurso a meios não
autorizados a não ser que se verifique um estado de
necessidade para a segurança das pessoas envolvidas e o interesse
público o justifique.
CAPÍTULO III
Dos directores de informação, correspondentes e colaboradores
Artigo 15.º
Directores de informação
1 - Para
efeitos de garantia de acesso à informação, de sujeição às
normas éticas da profissão e de incompatibilidades, são equiparados a
jornalistas os indivíduos que, não preenchendo os requisitos fixados no artigo
1.º, exerçam, contudo, de forma efectiva e permanente, as funções
de direcção do sector informativo de órgão de comunicação social.
2 - Os directores equiparados a jornalistas estão
obrigados a possuir um cartão de identificação próprio, emitido nos
termos previstos no Regulamento da Carteira Profissional de
Jornalista.
Artigo 16.º
Correspondentes locais e colaboradores
Os correspondentes locais,
os colaboradores especializados e os colaboradores da área informativa de
órgãos de comunicação social regionais ou locais, que exerçam
regularmente actividade jornalística sem que esta constitua
a sua ocupação principal, permanente e remunerada,
estão vinculados aos deveres éticos dos jornalistas e têm direito
a um documento de identificação, emitido pela Comissão da Carteira
Profissional de Jornalista, para fins de acesso à informação.
Artigo 17.º
Correspondentes estrangeiros
Os correspondentes de
órgãos de comunicação social estrangeiros em Portugal estão
vinculados aos deveres éticos dos jornalistas e têm direito a um cartão de
identificação, emitido pela Comissão da
Carteira Profissional de Jornalista, que titule a sua actividade e
garanta o seu acesso às fontes de informação.
Artigo 18.º
Colaboradores nas comunidades portuguesas
Aos cidadãos que
exerçam uma actividade jornalística em órgãos de comunicação social destinados
às comunidades portuguesas no estrangeiro e aí sediados é atribuído
um título identificativo, a emitir nos termos definidos em portaria conjunta
dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das comunidades e da
comunicação social.
CAPÍTULO IV
Formas de responsabilidade
Artigo 19.º
Atentado à liberdade de informação
1 -
Quem, com o intuito de atentar
contra a liberdade de informação, apreender ou
danificar quaisquer materiais necessários ao
exercício da actividade jornalística pelos possuidores dos títulos
previstos no presente diploma ou impedir a entrada ou permanência
em locais públicos para fins de cobertura informativa nos termos do
artigo 9.º e dos n.os 1, 2 e 3 do artigo 10.º, é punido com prisão até 1
ano ou com multa até 120 dias.
2 - Se o infractor for agente ou funcionário do Estado ou de pessoa colectiva
pública e agir nessa qualidade, é punido com prisão até 2 anos ou com
multa até 240 dias, se pena mais grave lhe não couber nos termos da lei
penal.
Artigo 20.º
Contra-ordenações
1 - Constitui contra-ordenação,
punível com coima:
a) De 100 000$00 a 1 000 000$00, a
infracção ao disposto no artigo 3.º;
b) De 200 000$00 a 1 000 000$00, a infracção ao disposto no n.º 1
do artigo
4.º e a inobservância do disposto no
n.º 1 do artigo 8.º, quando injustificada;
c) De 500 000$00 a 3 000 000$00, a infracção ao disposto no n.º 2
do artigo 4.º
2 - A
infracção ao disposto no artigo 3.º
pode ser objecto da sanção acessória de interdição do exercício da profissão
por um período máximo de 12 meses, tendo em conta a sua gravidade e a culpa do
agente.
3 - A negligência é punível.
4 - A instrução dos processos das contra-ordenações e a aplicação das
coimas por infracção aos artigos 3.º e
4.º deste diploma é da competência da Comissão da Carteira
Profissional de Jornalista.
5 - A instrução dos processos das contra-ordenações e a aplicação das
coimas por infracção ao artigo 8.º deste diploma é da competência da Alta
Autoridade para a Comunicação Social.
6 - O produto das coimas reverte integralmente para o Estado.
Artigo 21.º
Disposição final e transitória
A
definição legal da protecção dos direitos
de autor dos jornalistas, prevista no artigo 7.º, n.º 3, será aprovada no
prazo de 120 dias, precedendo audição das associações
representativas dos jornalistas e das empresas de
comunicação social interessadas.
Aprovada em 17 de Dezembro de 1998.
O Presidente da Assembleia da República, António de Almeida Santos.
Promulgada em 5 de
Janeiro de 1999.
Publique-se.
O Presidente da República, JORGE SAMPAIO.
Referendada em 6 de
Janeiro de 1999.
O Primeiro-Ministro, António Manuel de Oliveira Guterres.