A semiose aljamiada e o reverso do século de ouro ibérico
1. Os limites da questão.
Saber o que
distingue o texto literário do texto não literário é porventura uma questão
adâmica, ou até mesmo bizantina. No entanto, é possível situar alguns pontos
que certificam uma ontologia do primeiro, ainda que a sua pertinência constitua
uma preocupação da modernidade e não tanto um universal anterior à milenar, mas, de qualquer modo, datada
confecção de textos. Basicamente, o literário define-se pelo facto de não
pretender deter uma relação transitiva com o real imediato em que é enunciado;
pelo facto de referencialmente se auto-reenviar,
de modo reflexivo, encontrando em si o objecto que designa; pelo facto de fazer
sobrepor o eixo generativo das conotações sobre o eixo das denotações; enfim,
pelo uso recorrente de formas de entender o mundo, não necessariamente
designativas ou indexicais, mas antes metafóricas e, até certo ponto,
metonímicas. O literário é, enfim, um campo discursivo-retórico, codificado de
forma não restritiva ou explícita, que transpõe o indizível; que expressa o
inefável e que tenta superar o inexpremível fundamental do “continuum” (L.Hjelmeslev,1968)
disponível de conteúdos humanos.
Quando o campo de
análise com que nos defrontamos é uma literatura com as características da
aljamiado-morisca, há alguns pontos
que devemos, desde logo, sublinhar. Em primeiro lugar, esta literatura
corresponde, com todas as suas virtudes e deficiências, ao esforço
singularmente expressivo e, portanto, à semiose específica de uma dada
comunidade (que aqui entendemos nos limites histórico-simbólicos de uma
topografia geo-imaginária). Em segundo lugar, esta literatura não espelha um
acrobatisno retórico capaz de uma auto-referência eficaz (nem mesmo quando
evoca, sem o entender, algum corpus
da tradição mística islâmica), nem espelha igualmente um fértil universo de
potencialidades conotativas e metafóricas. No entanto, em terceiro lugar, esta
literatura repõe como poucas a ansiedade de um universo terminal, não apenas de
uma comunidade ameaçada de autêntico genocídio, mas sobretudo de toda uma
civilizacão prestes a finar-se, ao fim de uma vida de mais de oito séculos em
terras ibéricas.
Nesta comunicação, depois de sucintamente
descrevermos os campos temáticos da literatura aljamiado-morisca, tentaremos traçar algumas linhas fundamentais do que deve
ter sido o código que possibilitava ao leitor, ou ao auditório morisco,
entendê-la e interpretá-la. O corpus
literário a que essencialmente recorremos na presente análise tem como elemento
comum o seu carácter antológico e um conjunto de isotopias centradas nas
principais temáticas e obsessões dos moriscos.
Estão neste caso, o Manuscrito número 3 da "Junta"[1]
pertença do Instituto de Filología del CSIC - Madrid - Manuscritos Árabes de la
Junta - (R. Kontzi, 1971:347 e sqqs.), o Manuscrito 4953 da Biblioteca Nacional
de Madrid[2]
(O.Hegyi, 1981) e o Manuscrito 774 da Biblioteca Nacional de Paris[3]
(M. Sánchez Alvarez, 1982). É claro que, além dos textos mencionados, faremos
referência subjacente a outros que, na devida altura, sinalizaremos.
2. Origens e dominantes da literatura
aljamiado-morisca.
A prática literária
aljamiada, essa "extraña literatura híbrida", segundo O.Hegyi
(1978:303), nasce em terras aragonesas, datando o manuscrito mais antigo que é
conhecido de 1451 (A.Labarta,1988:511 e G.Wiegers,1990:179). No entanto,
G.Wiegers, em artigo do início da década (ibid.1990:179), avança diversos
argumentos que parecem atribuir ao século XIV certos manuscritos aljamiados não
datados (ibid.:181 a 183). Esta prática literária é própria de comunidades não
arabófonas que, no entanto, mantêm vivo, nos seus escritos, o código
grafemático árabe (F.Plett,1975:81). Se adoptássemos a noção de aljamia de O.Hegyi (1979:262) extensiva
"to all the cases where the Arabic alphabet is used for transcription of a
language currently written in a different script", teríamos também que nos
referir a textos arabófonos valencianos do século XVI (A.Labarta,1977), ao corpus de textos de aljamia portuguesa,
redigidos em Safi, no século XVI, (D.Lopes,1939 e L.P.Harvey, 1976) e até à
aljamia Moçárabe (produzida entre o século VIII e o século XII - A. Galmés de
Fuentes, 1983:14). No entanto, delimitaremosos apenas, neste nosso âmbito, a
noção de prática aljamiada, circunscrevendo-a, na sua visibilidade exterior, à
“forma de expressão”[4]
particular das comunidades moriscas
que perderam a língua árabe, enquanto língua-mãe, em Castela e sobretudo em
Aragão (A.Labarta,1977:78), num processo que se inicia na época mudéjar
(possivelmente no século XIV) e que acompanha a vida morisca até à sua forçada erradicação da Península Ibérica, já no
início do século XVII.
A dominante
aragonesa desta prática literária pode ser testada nas colecções de
manuscritos, hoje existentes nas principais colecções de Espanha. A colecção do
Instituto de Filología del CSIC, Madrid - Manuscritos árabes da Junta é, na sua
totalidade, de origem aragonesa (tendo sido o seu material descoberto, em 1884,
em Almonacid de la Sierra); a colecção da Biblioteca Nacional de Madrid é
composta também por manuscritos sobretudo de Aragão (L.Cardaillac, 1977:175) e,
por fim, parte da colecção deixada por P. Gayangos à Real Academia de História
é também de proveniência aragonesa (ibid.:155). A língua vernacular destes
textos, segundo R.Kontzi (1970:200), parece traduzir um estado de transição
"del aragonés al castellano", sendo, no entanto, constante uma grande
influência de arabismos sintácticos e estilísticos (A.Galmés de Fuentes,1962:527
e sqqs.), bem como de decalques
semânticos "calcos semánticos" - com uma mesma origem
(R.Kontzi,1978-2:315 e sqq.). A. Vespertino Rodríguez (1983:81 e sqq.) refere
que "otro de los rasgos típicos de los textos aljamiado-moriscos es su carácter aragonés",
igualmente visível nos domínios vocal, consonântico e morfológico. Estamos,
como veremos, num plano de profundo sincretismo ao nível da língua - e do que
esta evoca e traduz a um nível suprassemiótico[5]-, bem como ao
nível das formas expressivo-grafemáticas, para já não falar do complexo e quase
errante palimpsesto das suas formas de conteúdo (A. Galmés de Fuentes, 1983:15
e sqqs.).
Levando ainda em linha de conta algumas
condições específicas da recepção textual dos moriscos, deve referir-se que esta literatura, de carácter
tradicional[6],
é produzida fundamentalmente para pequenos públicos que praticavam
clandestinamente o Islão. Os textos que a integram repõem, de facto, uma
tradição de oratura mais vasta e anterior, mantendo claras relações memoriais e
arquitextuais com registos árabes directos ou indirectos (ou seja, ostentando
um forçado dialogismo com "un pasado anterior - en estado latente" -
A.Galmés de Fuentes, 1983:15), mas consubstanciando-se persistentemente
enquanto voz colectiva e sobretudo anónima.
Com efeito, esta
literatura aljamiado-morisca reflecte
o estado da comunidade que a enunciou: isolada face ao seu próprio universo de
valores; perseguida; detendo poucos hábitos de leitura e sobretudo não podendo
já sequer dominar a sua língua da revelação (M. Sánchez Alvarez, 1981:446). A
perda de contacto com o passado - a decadência - é sinónimo, deste modo, não
apenas de hibridez, mas também de uma ignorância identitária muito peculiar a
que os próprios produtores de textos aljamiados, aliás, explicitamente se
referem[7].
3. Temas da literatura aljamiado-morisca.
Num encontro
internacional, realizado em Montpellier, no ano de 1981[8], A.Galmés de
Fuentes referia que um dos atributos mais relevantes da literatura aljamiado-morisca "es la grand estabilidad de
temas" que esta apresenta (1983:16). Nessa mesma comunicação, o autor dá
uma visão geral das grandes temáticas que povoam a literatura aljamiado-morisca. Assim, além de uma actividade
poética a que não dá excessiva importância[9], são referidas
as seguintes áreas temáticas dominantes: a) um grande número de lendas de
origem oral, bastante detalhadas na versão escrita aljamiada[10];
b) uma temática tradicional de intenção
premonitória, que o autor designa por "literatura
escatológica" (ibid.:19); c) uma temática ligada à descrição de viagens,
dentro da tradição árabe da Rihla; d) uma temática que, como se
refere, pudesse "abrir puertas” de esperança à delicada situação dos moriscos (ibid.:20). Encontram-se neste
caso profecias ou aljofores, tratados
de superstições, livros de sortilégios, crenças populares, receitas mágicas,
fórmulas cabalísticas, etc. Refira-se ainda, por fim, (e) uma literatura
didáctica que "trata de encaminar al lector hacia la vida recta"
(ibid.:20) e, por último (f), um domínio temático epicizante muito ligado,
aliás, às próprias investigaçöes do autor[11].
Também R. Kontzi
(1970:198) se refere aos diversos conteúdos temáticos da literatura aljamiado-morisca, nos seus grandes traços de
fundo. Considera o autor as seguintes dominantes: lendas, "rogarias,
alabanzas de Mahoma" (ibid.:198), disputas com judeus e cristãos,
instruções para a leitura do Alcorão, temas gramaticais (sobretudo fonéticos),
preceitos relativos a heranças, medicina popular e fórmulas mágicas e, finalmente,
um inúmero conjunto de regras destinadas a ordenar o quotidiano de um
muçulmano. Rematamos os testemunhos autorizados com duas outras referências
mais sintéticas: Louis Cardaillac (1977:157) que refere o facto de serem
"les légendes et les livres de dévotion avec les textes juridiques"
aquilo que constitui "l'essentiel de la littérature aljamiada"[12]
e, respectivamente, O Hegyi(1979:263) e C. López Morillas (1981:168), para quem
a literatura aljamiada morisca é
predominantemente constituida por textos religiosos e didácticos[13].
No quadro do meu doutoramento (L.Carmelo,1995), onde analisei com algum detalhe
estes segmentos temáticos, fui levado a categorizá-los funcionalmente do
seguinte modo: a) textos de
incidência particularmente religiosa; b) textos regulamentadores dos códigos
sociais[14];
c) textos escatológico-proféticos (onde, em termos gerais, a abordagem é a da
reinvenção do tempo e do espaço) e, por
último (d), as lendas que, sendo devedoras de todas as temática anteriores,
têm, no entanto, em comum um predominante carácter alegórico e de exempla (D. Cardaillac, 1981: 174) nas
suas matizes de novela, épica, relato didáctico, histórias de profetas ou pura
incursão no maravilhoso.
4. Formas de expressão da literatura aljamiada e suas implicações.
Qualquer linguagem -
mesmo se de ordem não linguística - é sempre composta, por um lado, pelas
dimensões físicas dos signos, ou seja, as suas formas de expressão, e, por
outro lado, pelas formas de conteúdo que aquelas taduzem em cada acto
comunicacional particular. Numa linguagem composta por grafemas, enquanto
formas expressivas que estão, por seu turno, em vez de sons articulados capazes
de repor retoricamente uma certa mundivisão do discurso humano, há que entrever
algumas das ligações que constituem esta cadeia, bem como o que ela
semioticamente suscita. Cabem neste campo, entre outras, as relações entre
alfabeto e língua natural, assim como todas as implicações daí decorrentes,
sobretudo as que se prendem com a intersemiose desta literatura basicamente de
tradução. São, de facto, estes os aspectos de fundo que mais terão
condicionado, no seu tempo, a recepção morisca
aos seus próprios textos.
Uma das
características formais mais marcantes da literatura aljamiado-morisca é o seu o vínculo singularíssimo
ao alfabeto árabe. Tal pode afirmar-se, porque a língua natural a que esta
literatura recorre é basicamente românica. Estamos perante um fenómeno que
levanta questões de ausência de parentesco genético (O.Hegyi,1981:83) entre
dois códigos: um, intimamente ligado à supra-semiótica islamo-árabe, o código
grafemático; outro, ligado à supra-semiótica cristã de raíz latina, o código
linguístico. É evidente que a literatura aljamiado-morisca, ao viver da cooperação entre duas ontologias bem diversas,
acaba por ser devedora do contraditório, do fracturante e, às vezes, de
inesperadas enunciações normativas, embora, quase sempre, num contexto de
inevitável hibridez; ou seja, num contexto de produção de sincretismos, quer ao
nível ao nível da sua expressão, quer ao nível dos conteúdos permutados, pois,
como provou L.Hjlemslev, um e outro cooperam mutuamente e são mesmo, na sua
actualização sígnica, indissociáveis.
Embora só muito
recentemente, no Ocidente, tenha havido uma certa oposição às noções
aristotélicas (reiteradas por F. Saussurre e por outros semiólogos[15]),
segundo as quais o grafema, ao fim e ao cabo, não é mais do que um revestimento
do signo linguístico - nomeadamente através de J.Derrida (1967) e J.Kristeva
(1969) e do próprio L.Hjelmeslev -, no universo semítico a questão nem se chega
a pôr, pois as raízes em que assenta são radicalmente outras. No mundo judaico,
as letras que compõem a Tora são
consideradas como tendo vindo directamente de Deus, e constituem um dos sete
elementos anteriores a toda a criação (D.Masson,1958:257/8)[16]. No mundo
islâmico, as letras também constituem o elemento "dont Dieu fit le
principe de toute chose" (Abú Hakim al-Râzí in G.Vadja,1961:119).
A escrita árabe é assim o legado visível da última das revelações e, portanto,
é indissociável da palavra divina. Ibn
Fâris[17]
(m. 390/5- 1001/4) refere-se a uma tradição de Ibn 'Abbâs, segundo a qual "le premier qui établi l'écriture
arabe fut Ismâ'il" (in H.Loucel,1964-II:258) e conclui: "l'écriture
est fixation révelée. Cela appert de la parole de Dieu" (ibid.: 258). Deste
modo, e independentemente da sua genealogia objectiva (Y.Safadi,1978:7/8), o
alfabeto árabe "assumed the status of the sacred script which God had
especially chosen to transmit His divine message to all men".
Poderemos, agora,
melhor compreender a razão pela qual os moriscos
não arabófonos recusam desesperadamente esquecer as formas grafemáticas do
alfabeto árabe. E isso apesar de, através dessas formas, não darem mais voz
viva à língua árabe, perdida gradativamente desde o último século mudejar[18].
Há unanimidade entre vários autores[19] quanto à
razão de fundo deste fenómeno, ou seja,-
a vital necessidade de preservar o carácter sagrado que é imanente ao
próprio código grafemático árabe. Além disso, o alfabeto árabe é, porventura,
um último vestígio sólido de ligação a uma civilização de que os moriscos se sentem (latente ou
directamente) herdeiros. Há uma espécie de resistência (senão de obstinação)
nesta postura, porque, através dela, se revela que os moriscos estão dispostos a salvaguardar parte de um edifício
perdido, mesmo se não puderem atribuir a essa mesma postura um sentido original
(prático e espiritual) de que está afectada.
Como atrás se
referiu, é possível que os moriscos
não recuperem directamente o sagrado que ritualizam, na sua expressão mais
original e plena, mas antes, e tão só, uma reminiscência desse mesmo sagrado,
na expressão do que M.Eliade (1975:23) designou por “hierofania”. Desenhar uma
forma significa, neste contexto, e ainda que involuntariamente, repôr um momento
original. Um tal acto pode, assim, ser considerado como evocador de matrizes
profundas de uma civilização e, portanto, constituir uma outra razão para a
preservação do alfabeto árabe pelos moriscos.
É nessa medida que M.Hagerty refere que o deserto e as fases da lua "y la
impresión que éstas causabam en la imaginación de los primitivos semíticos,
dieron lugar a la formación de muchos de los caracteres, si no de
todos"(1978:263). Evocar uma forma e preservá-la é, pois, evocar também o
meio que a criou e, certamente, o intertexto imagético-simbólico que aquela
veicula e pode actualizar.
As razões que levam
os moriscos a escolher como seu o
alfabeto árabe estão, pois, profundamente ligadas à percepção do sagrado; do
mágico e do próprio legado simbólico da lei islâmica revelada. Tal facto
encontra-se reflectido num conjunto de práticas, como o taktub (C.Mamés, 1987:305 e sqqs.) que se traduz no uso da escrita
árabe e do seu grafismo para fins diversos[20],
nomeadamente para protecção “contre les agressions extérieures"(
ibid.:311). As letras são também, em meio islâmico, igualmente utilizadas na
literatura profética de acordo com princípios esotéricos e mágicos da
onomatomancia[21].
Também na literatura aljamiada há exemplos deste tipo de abordagens,
concretamente no Ms.J59[22],
onde os moriscos são convidados a
escrever grafemas árabes - conjugados com outras formas, tais como cruzes de
seis pontas, estilizações dos caracteres e tábuas geométricas - para obter
graças diversas (contra qualquer tipo de medo, fol.222v; contra a febre, 216v e
sqqs ou para ver "os génios"[23], fol.228r,
etc). Também no M.J3 (fol.228r e sqqs.) existe um texto morisco no qual as letras surgem associadas aos nomes divinos e
angélicos que enformam (prática que se insere num dos dos elementos da onomatomancia
ou "simyâ", de
acordo com a designaçäo de Ibn Khaldún):
"O âlif é o nome de Allâh e o bâ' é a firmeza da religiäo e o Jim
é a nobreza de Allâh e o dâl é a lei de Allâh"[24] (ibid.:fol.228r).
Podemos, pois,
concluir que o recurso ao alfabeto árabe, por parte dos moriscos, nesta sua literatura, configura um atributo que, em
termos formais, é decisivo no horizonte de expectativas morisco. E porque o alfabeto, na superfície textual, surge
investido de valores que transcendem a simples função de revestimento do signo
linguístico, pode, igualmente, afirmar-se que "la calligraphie arabe (...)
transforme, dans sa lecture, l'énoncé
même d'un texte" (A.Khatib, 1986:174).
Se os grafemas
afectam a própria enunciação textual (e decerto também as contíguas dimensões
ilocutória e perlocutória), poderemos agora interrogar o próprio nível de
cooperação que aqueles estabelecem com o vernáculo dos moriscos, representado no seio desta literatura. Ao contrário dos
textos aljamiados produzidos por moriscos
arabófonos, verificamos que as transcrições não são aqui nunca literais. Isto
quer dizer que elas se regem, de facto, por um sistema coerente que recria, com
homologias específicas, as próprias funções dos grafemas árabes. Pode mesmo
dizer-se que a escrita adoptada se adequa o mais possível ao vernáculo românico
falado pelos moriscos. Para tal
contribui o facto de a escrita árabe se estruturar perfeitamente na base de
critérios fonológicos, denotando uma notável correspondência entre grafemas e
fonemas (O. Hegyi,1981:99). Esta quase monossemia do aparelho
expressivo-grafemático árabe deve-se, por sua vez, ao facto de a sua fixação,
tal como a conhecemos, ser contemporânea à "cristalización del árabe
clássico como lengua literaria suprarregional" (ibid.:99). Deste modo, os moriscos de Aragão - privilegiando a
notação consonântica, atribuindo funções originais a certas letras árabes[25],
registando vogais anaptíticas[26]
ou desfazendo ditongos com /Yâ'/[27]
- parecem aproximar-se de uma codificação fonológica mais ou menos consistente.
Empresa difícil, já que o séc. XVI é um século de profundas mutações
fonológicas na Península Ibérica e, também, porque, nas circunstâncias em que
vivem, os moriscos não possuem, de
modo algum, instituições capazes de definir uma tal codificação. No entanto, O.
Hegyi (1981:102) refere a existência de uma clara tendência normativa -
"hacia la formación de un schhriftbund".
J.Solà-Solé
(1970:87-89) apresenta-nos, como único, um Manuscrito[28]
onde se estabelece um padrão de normalização da pronúncia das letras árabes em
contexto linguístico aljamiado-morisco.
Decerto que, pela raridade evocada, não constitui exemplo decisivo para que
possamos concluir da existência de instituições regulamentadoras de uma schriftbund. Mas, cremos que é possível
afirmar que, no quadro da recepção morisca,
se verificam expectivas, por parte do leitor ou auditório, no sentido do
estabelecimento relações lógicas[29]
mínimas entre ambos os códigos que investem a dimensão sígnica da sua própria
literatura: o grafemático (um código de ‘apoio de linguagem’, segundo o modelo
de P.Guiraud) e o linguístico.
Podemos, portanto,
concluir que existe, de facto, uma ordem que compatibiliza os códigos
referidos, embora com natural instabilidade, e, por outro lado, que uma tal
ordenação é esperada e conhecida, ainda que não institucionalmente, pela
própria recepção morisca. Contudo,
nunca é de mais referir que o uso do alfabeto árabe, neste contexto literário,
se prende basicamente com razões de natureza extra-linguística. Como já
adiantámos, estamos sobretudo perante uma clara reminiscência do sagrado. E é o
universo escatológico, relevado pela questão da salvação que, neste tempo,
institui o sagrado, não apenas como uma crença, mas, em primeiro lugar, como
significado primeiro de entendimento do mundo; por outras palavras, como único
e surpremo ‘grande código’.
5. Formas de conteúdos e tradução intersemiótica.
Seguindo
a taxinomia de R. Jakobson (in E.Nida,1964:3), caracterizaremos tradução
intersemiótica como "transmutation, by which we mean the transference of a
message from one kind of symbolic system to another". Entendamos, aqui,
sistema como um conjunto de relações e de correspondências entre realidades
distintas de um mesmo campo e, por outro lado, código como o conjunto
hierarquizado de regras que semantizam essas mesmas realidades, no seio de uma
dada comunidade. É, de facto, na apreensão dos códigos que mais se manifesta o
trágico desfasamento dos moriscos
face ao modelo original do Islão. É por isso que certos signos simbólicos,
referidos sobretudo no contexto das lendas moriscas,
tais como a lua, a fonte, ou o rio
convocam semantizações adequadas, já que se referem - como na tradição islâmica
- ao domínio do tempo, à pureza e à água, ou ao imaginário do paraíso,
respectivamente. Já os símbolos da noite
mística, as estruturas simbólicas evocadas sob o nome de Mâlik, ou, por exemplo, o cenário de uma
cidade fantasma visionada por Abraão - adquirem semantizações particulares,
recriadas arbitrariamente pelos moriscos (respectivamente, por exemplo, de natureza
moral, de sabedoria e de auto-punição).
A tradução
intersemiótica define-se, precisamente, no âmbito deste desfasamento: mais do
que uma operação linguística, entendemo-la como um complexo processo de
transposição de modelos mentais distintos. Quando, no seu conjunto, a
literatura aljamiado-morisca resulta
de um enorme esforço (inevitavelmente condenado ao insucesso) de "traduire
une autre culture" (L.Lopéz Baralt,1980:54) para uma língua de chegada que
é estranha aos próprios moriscos, podemos,
então, concluir que os seus autores estão definitivamente a afirmar-se no
quadro do que designaríamos por uma cultura de ‘tradução intersemiótica’.
Uma tal cultura
reflecte, inevitavelmente, a profunda crise de identidade de uma comunidade[30]. É por isso
que L. Lopéz Baralt se refere aos moriscos
(ibid.:54) como "ces cryptomusulmans, qui peu à peu cessent
d'exister" e que "...perdent au fur et à mesure les référents
linguistiques, si complexes et si riches, des symboles de la théologie et de la
mystique musulmanes antérieures, que maintenant ils traduisent à l'aide de
vocables castillans". Quando os moriscos
não atribuem um sentido primordial ao mais elementar da sua cultura
genealógica, nomeadamente aos princípios que hoje afirmaríamos como religiosos,
é porque francamente se aproximam do intraduzível,
ou seja, do grau zero da sua própria existência. Mas a sua ontologia errante
deixa de ter qualquer saída, quando compreendemos que, no seu dicotomismo
escatológico, os moriscos são, por
natureza, radicalmente inassimiláveis ao mundo cristão. A.Khatibi (1985:192)
situa esta mesma questão, em termos mais gerais: "Ce serait une sorte de
folie de croire qu'une langue (...) puisse écrire et récrire une autre de
l'intérieur et puisse la domestiquer selon une loi parfaitement invisible (...)
un tel désire de transposition radicale, de tranversée renversante d'une langue
à l'autre, transite dans certains textes tentés par l'intraduisible"[31].
Num seu possível
‘horizonte de expectativas’, os moriscos
hão-de ter procurado desesperadamente as "indiosincracias” do modelo
original (O. Hegyi, 1981:23) como referência, e, por isso, a sua operação
interpretativa de tradução terá, amiúde, deixado de ser uma interpretação do
que é dito para passar a ser, sobretudo, uma interpretação do "não dito”;
ou seja: "la traduction est alors une herméneutique du sens caché ou
oublié" (Y. de Andia,1975:177). Por outras palavras: tentar interpretar
com fidelidade um sistema de signos - que só já inconscientemente é familiar -
é como procurar ingloriamente na visceral escuridão
do texto algumas das suas clareiras ainda
porventura iluminadas. Com efeito, creio que os moriscos deveriam espreitar para os seus enunciados deste modo;
isto é, tentando neles desvendar um último sentido ou um último reconforto que,
pelo menos, dissimulasse o real desfasamento cultural e sobretudo a dramática
disforia diária em que viviam.
As ‘clareiras’ a que acabamos de nos referir
constituem talvez signos de auto-reconhecimento. Pode mesmo dizer-se que são
marcas - presentes no texto - do modelo original (o Árabe) que se tentam
recuperar (ou traduzir) a todo o custo. A. Galmés de Fuentes (1962:531) refere,
a este propósito, que na "literatura morisca,
una mentalidad semítica, para quién el Árabe es solo un modelo ideal y
subconsciente, escribe en una lengua estragera". Mas esta dita língua
estrangeira, como já se referiu, estava longe de ser pura. A língua morisca, digamos assim, registada
nos textos aljamiados de Aragão, era, com efeito, um vernáculo carregado de
"rasgos dialectales aragoneses" (R.Kontzi,1970:199) e sobre o qual a
língua árabe, a nível de decalques lexicais, sintácticos e até estilísticos,
exerce uma grande influência. Estamos perante o registo de um linguajar
híbrido, distinto do castelhano que "entonces era considerado como lengua
ideal" (ibid.:199) a nível peninsular[32]. O que ainda
hoje se desconhece é se este vernáculo é reflexo directo da expressão
linguística quotidiana dos moriscos,
ou, se antes pelo contrário, corresponde "al habla general del Bajo
Aragón" (ibid.:200) do século XVI.
É deste modo que se
torna possível estabelecer uma íntima correspondência entre dois níveis da
vital expressão morisca: por um lado,
o carácter da sua cultura de tradução intersemiótica e, por outro lado, a
língua desenvolvida endogenamente pela própria comunidade morisca; ambos os níveis têm uma só origem, ou seja, a quebra com o
passado e a impossibilidade histórica de, entretanto, se ter conseguido reconstituir
um novo horizonte identitário consistente e autónomo. É uma profunda estrutura
de hibridez cultural que se configura como origem comum a estas duas contíguas
manifestações moriscas, - seja a
tentativa de traduzir toda uma cultura, seja a errância da língua natural a que
inevitavelmente, para tal, se recorre.
Nesta linha de
ideias, torna-se possível afirmar que a produçäo literária morisca é como que regulamentada por um autêntico código de hibridez cultural.
Trata-se, porventura, de um código fluido, mas que se torna inteligível através
de determinadas permanências. Procedendo a um breve inventário destas
continuidades, verificamos, de facto, -
1) que, a nível
semântico, a polissemia dos lexemas árabes não coincide, de modo nenhum, com a
polissemia da palavras românicas correspondentes (ou tidas como tal). Este
influxo, ou pressão, do modelo ideal sobre o vernáculo real dos moriscos vai inevitavelmente recriar o
espectro semântico do léxico aljamiado. Se tal constitui um desfasamento do
significado para um leitor, cuja língua-mãe é o castelhano, já para os moriscos constitui uma forma que se
enquadra no seu próprio horizonte de expectativas[33];
2) que, a nível da
formação das palavras, se recorre ao sistema castelhano, embora, muitas vezes,
a palavra que o modelo ideal empresta - e que os moriscos tentam utilizar - seja de proveniência árabe. É assim que,
por exemplo, a forma verbal árabe Khalaka
(criar) origina o particípio khalekado
na escrita aljamiada;
3) que, a nível
sintáctico, há inúmeras construções que se decalcam do Árabe e que se
manifestam à superfície do texto escrito no vernáculo aljamiado. Este aspecto
tem sido amplamente estudado[34]
e diz respeito ao uso de pronomes pessoais (por exemplo, na função de
possessivo), do particípio presente, do valor nominal de particípios e
infinitos, da paranomásia, do uso de partitivos, do recurso a formas pessoais
para evitar indeterminações - ou, ainda, a decalques de estruturas semânticas
de posse (Kâna+la ou inda originando haber+a) e a outras fórmulas sintácticas correntes no modelo ideal
árabe (como mâ kâna min - O que
tem...de, ou a perífrase ser+adjectivo em
“...dor”), etc.
4) que se regista
nos textos aljamiados uma presença de passagens intercaladas em língua árabe.
Estas passagens dizem respeito a conceitos da esfera religiosa (a começar pela basmala que, geralmente, os inicia),
conceitos do vocabulário profano, que surgem em contexto religioso
(O.Hegyi,1978:308), e lexemas que se referem ao cómputo do tempo, regido pelo
calendário lunar (M.Sánchez Alvarez (1981:446). É evidente que estas passagens
estão estruturadas dentro de uma esfera conceptual particular, assumindo
relações distintas "de las que poseían en su origen" (ibid.:443).
Mais do que compreender o Árabe, o leitor morisco
tem, face a estas passagens, uma expectativa que é devedora de um
"superestrato religioso-cultural, con el qual está vinculado estrechamente
en su calidad de lengua de culto" (O.Hegyi, 1978:304).
5) que há uma persistência de figuras
discursivas, (sobretudo metalogismos[35]) reiteradas
do Árabe, e intimamente ligadas ao que E.Shouby considera ser "the
psychological influence of the Arabic language" (1951:295), nomeadamente:
"overassertion and exaggeration" (ibid.:298), ou seja, grande
frequência de hipérboles; "stereotyped emotional responses"
(ibid.:297), isto é, tendência para um registo do patético-elegíaco, bem como
das grandes evocações; "vagueness of Thought" (ibid.:290), ou seja, o
significado da mensagem baseia-se, não em unidades, mas em estruturas de conjunto
com pendor repetitivo; e, por último, uma grande frequência de estruturas
antitéticas: "Arabic characterization aimed at an understanding of men
through their contradictions, by pointing out qualities promising success and
others leading to doom" (S.Goiten, 1975:8). Esta predicação antitética é
particularmente funcional nos textos alegóricos. Sublinhe-se ainda, a nível da
sintaxe das temáticas apresentadas, uma tendência acentuada para a miscelânea.
Os temas sucedem-se nos manuscritos, sem aparente conexão global, o que para
J.Hawkins (1988:12) reflecte "a concern with independent detail" e
adquire entre os moriscos "the
outward appearance of atomism through the antological style" (ibid.:12).
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[1]-Conhecidos como Manuscritos de la Junta, encontram-se,
hoje em dia, no Instituto de Filología del CSIC,Madrid-Manuscritos Árabes de la
Junta. Originariamente, foram descobertos em Aragão, em Almonacid de la Sierra,
no ano de 1884. Passaremos a designá-los pela inicial J, acompanhado com o
número do respectivo Manuscrito.
[2]-Os Manuscritos da
Biblioteca Nacional de Madrid, catalogados também por F.Guillén Robles (Catálogo
de Manuscritos árabes), integram, na sua maioria, manuscritos aragoneses
anteriores aos da Junta.
Referenciaremos estas fontes através das siglas Ms.BNM, acopmpanhadas do número
do manuscrito em causa.
[3]-Manuscrito aljamiado
(excepto entre os fol. 88v e 189r, em árabe), já referenciado por E.Saavedra no
apêndice aos Discursos leídos ante la Academia Española el 29 de deciembre
de 1878, Madrid, e catalogado pelo autor como número sessenta. O Manuscrito
da Biblioteca Nacional de Paris corresponde ao Manuscrito número 290 de Saint
Germain de Près. Passaremos a a designá-lo através da abreviação Ms.BNP 774.
[4]-Segundo Louis
Hjelmslev (1968), cada língua recorta do continuum
físico sonoro uma dada forma. Esta forma consubstancia o sistema fonológico
próprio de cada língua. O recorte, levado a cabo pelas culturas humanas, incide
em todo o tipo de signos e não apenas nos linguísticos É o que o autor designa
por forma de expressão. No caso concreto, a língua e os signos grafemáticos que
os moriscos recortam do contínuo
físico sonoro e do continuum grafemático disponível, constitui, portanto, parte
da sua forma de expressão .
[5]-Conjunto de crenças,
mitos, ou a "nebulosa cultural", em termos sausurreanos, ou ainda a
“pensabilidade do mundo” segundo U.Eco (1981) que permite significar, numa dada
cultura, os enunciados sígnicos. Ao contrário das teorias pan-semióticas, para
L. Hjelmslev, a supra-semiótica não deve constituir objecto da análise
semiótica.
[6]-A.Galmés de Fuentes
refere-se a P.Zumthor (1972:12) na caracterizaçäo de tradicional. Ou seja, o
texto é visto como uma produção
(cf..Kristeva,1968:12) no sentido de uma harmoniosa cooperação de criações
individuais, que durante gerações se reproduz de forma estável.
[7]-por exemplo Ms.BNM
5252 (fols. 4r) e J3 (fols. 122r,143r,148v,184r,199r e 231r).
[8]-Les
Morisques Et Leur Temps - Table Ronde Internationale, 4-7 Juillet 1981,
Montpellier. Ediçäo, 1983, Paris.
[9]-"Más
importancia, desde el punto de vista tradicional, que la obra poética de los moriscos oferece su actividad
prosaria"(A.Galmés de Fuentes, 1983:18). O autor, no entanto, refere-se
aos zéjeles - enquanto género híbrido
-e ao poeta morisco mais conhecido,
Muhammad Rabadán, autor da Historia
geneológica de Mahoma .
[10]-Ao contrário da
literatura árabe, onde estas lendas orais surgem, na versão escrita, "en
forma esquemática y fragmentadas con final trunco"(A.Galmés de Fuentes,
1983:18), a literatura aljamiado-morisca
proporciona "leyendas populares con desarrollo y finales muy pormenorizados"(ibid.:18).
[11]-Nomeadamente El
libro de las batallas, narraciones cabellerescas aljamiado-moriscas, 1975, Madrid.
[12]-Para o autor
"les manuscrits de polémique sont peu nombreux". É sobre o tema da
polémica islamo-cristã no século XVI ibérico o já clássico Morisques et
Chrétiens - un affrontement polémique de L.Cardaillac (1977).
[13]-"En cuanto al
contenido, los manuscritos traen leyendas, rogarias,
alabanzas de Mahoma, disputas con judíos y cristianos, instrucciones para la
lectura del Alcorán, temas gramaticales - sobre todo fonéticos -, reglas para
la partición de herencias, medicina
popular y fórmulas mágicas, a más de preceptos para el muslim en todas las
situaciones imaginables de cada día" (R.Kontzi, 1970:198). Para C.López
Morillas (1961:86):"Entre esta literatura en lengua aljamiada producida
por los moriscos españoles desde la
conquista de Granada hasta la expulsíon de 1609 predominan los textos
religiosos"; finalmente, na opinião de O.Hegyi (1979:263), a literatura
dos moriscos "of a predominantly
religious and didactic character flourished mainly during the sixteenth
century, and disappeared completely with their expulsion from Spain in
1608".
[14]-Segundo P.Guiraud
(1973:115), os códigos sociais significam as relações no quadro social,
constituindo o homem "o veículo e a substância do signo", sendo
simultaneamente, em termos saussureanos, "o significante e o
significado". O signo social, um signo de participaçäo, é o meio pelo qual
a identidade e pertença a um grupo se manifesta, ao mesmo tempo que, nele, se
"reivindica e institui essa pertença".
[15]-F.De Saussurre
concebe o signo enquanto unidade psíquica e diática,remetendo a expressäo
significante para um significado que a transcende. Esta concepção, que
J.Derrida (1967), em De la Grammatologie, põe em consonância com a
tradiçäo aristotélica em "De l'Interpretation (I, 16 a
3)"(ibid.:21), atribui à letra apenas "la matière extérieur à
l'esprit, au souffle, au verbe et au logos"(ibid.:53). Assim, o grafema
está condenado a uma permanente exterioridade, ou seja, torna-se apenas num
significante de outro significante, ou no revestimento puro do fonema. Ao
contrário das tradições semíticas, no Ocidente, e segundo J.Derrida, "la
secondarité qu'on croit pouvoir réserver à l'écriture affecte tout signifié en
général"(ibid.:16) pois "l'ordre du signifié n'est jamais
contemporain"(...)"de l'ordre du signifiant".
[16]-Os outros seis
elementos säo a penitência, o Éden, a "Géhenne", o Trono de glória, o
Santo e o nome do Messias.
[17]-Trata-se de Ahmad b. Fâris Abú l-Husayn "(mort en 390 ou 395/1004)
naquit à Kassâf ou Giyânâbâz"(...)"il fait partie selon la tradition
des Kúfites qui fusionnèrent avec les Basrites
dans l'école de Baghdâd" (H.Loucel,1964-II:253).
[18]-Referência ao século
XV. Isâ b.Jabír, na introdução ao seu Breviario Sunni (Ms.Junta 12,
escrito em 1462 -G.Wiegers,1990:156,n.7) justifica as razões pelas quais não
redige a sua oba em árabe: a língua havia-se, de facto, já perdido.
[19]-Nomeadamente,
L.Cardaillac, 1977:155; L.LopézBaralt, 1980:48; C.A.O. Van NiewenHuize, sd,248
e O. Hegyi 1979:267.
[20]-Säo esses fins os
seguintes:(a) protecção contra o ferro (balas ou facas), (b) protecção contra o
pássaro do azar, (c) para perturbar o espírito e as palavras de um adversário,
(d) para se proteger contra a palavra (endereçada), (e) para se proteger contra
as más intenções dos poderosos, (f) para fazer perigar os inimigos e (g)
"pour émasculer l'ennemi qui a commis l'adultère avec votre femme"
(C. Hamés,1987:311).
[21]-"The
science of letters is a branch of gafr
which was originally concerned with onomatomancy in the strict
sense"(...)"among some esoteric sects, it became a sort of magical
practice, to such an extent that Ibn Khaldún"(...)"gave it the name
of símiyâ'"(...)"which is
usually reserved for white magic"(E.I.,1971-III:595,Leiden).
[22]-Publicado
(parcialmente) em R.Kontzi,1971:717-748 (fols. 216v-224v e 228v,6 - 230r). Os
signos grafemáticos säo aqui utilizados, ritualizadamente, para que se obtenham
determinadas graças; estas prescrições para curas e outras precauções face ao
presente e ao futuro, são acompanhadas de textos que o morisco deve, simultaneamente, repetir.
[23]-"losh aljinesh".
[24]-"Ell-alíf esh
nonb(e)re de Allâh, i (y)-el bâ la finkanza del -addín, i (y)-el jim la nobleza
de Allâh i (y)-el dâl la ley de Allâh". O 'âlif é o nome de Allâh e o bâ'é
a firmeza da religião e o Gím é a
nobreza de Allâh e o dâl (é) a lei de
Allâh".
[25]-É o caso do tashdíd, signo de geminaçäo árabe. Assim
codificaram-se, por exemplo, os seguinte usos: b com tashdíd representa
a variante surda do p; n com tashdíd representa a palatal nh
etc...( Hegyi,1978:30-41).
[26]-Exemplos de taraidor, nuestoro ou garande, pois, em
Árabe, duas consoantes seguidas em início de sílaba näo se enquadram na
codificaçäo linguística instuída. Daí a necessidade de preencher com uma vogal
(anaptítica) o espaço intra-consonântico inicial.
[27]-Exemplo extraído do
manuscrito 774 BNP (M.Sánchez Alvarez,1982:81): piyadad, engustiya,
etc...).
[28] Manuscrito descrito
como “Ms. Gg 286 / antes 103”e assinalado no Indice general de la litertura aljamiada, em Memorias de la Real
Academia Española - VI.1889:273, como sendo um “caderno de seis folhas com
o exacto modo de prenunciar as letras árabes”.
[29]-"É funçäo dos
códigos lógicos significar a experiência objectiva e a relação do homem com o
mundo"(P.Guiraud,1973:65). Ou seja, neste âmbito, a relação lógica entre
grafemas e fonemas pressupõe o acento sobre a função referencial, protegendo-a
das interferências e ambiguidades de outras funções, nomeadamente a injuntiva,
emotiva, etc. À partida a mensagem denotativamente produzida, por exemplo, pelo
enunciado tashdíd mais n significa apenas (e logicamente a
palatal nh): tal codificação impede a
ambiguidade da significação.
[30]-Näo estamos, no entanto, face a um caso isolado. Por exemplo "no século VI, em Itália, começava a tornar-se problemático näo só o conhecimento do Grego, mas também do latim, e a situaçäo tornou-se praticamente obscura na Europa medieval, quando o Latim, embora permanecendo como língua de cultura, já näo era língua materna para ninguém: impôs-se, assim, a ideia de que qualquer texto escrito em Latim medieval era na realidade uma tradução."(G.Lepschy,1984:290/1).
[31]-Joseph Simon, na sua
Filosofia da Linguagem (1990:73), analisa este problema da
indeterminação da tradução, sob o pano de fundo do compromisso difícil entre
culturas estranhas entre si:"...em línguas absolutamente estranhas é de
todo incógnito em que é que os seus falantes crêem, isto é, de que certezas
indubitáveis se constroem proposições que, diferentemente delas, podem ser
verdadeiras ou falsas".
[32]-Até meados do século
XIV o Galaico-português é a língua literária (românica) da Península Ibérica.
As Cantigas de Santa Maria de Afonso X, o Sábio, são, por exemplo, redigidas
nessa língua. Após os meados do século XIV, o Castelhano assume uma certa
idealidade literária. Vários conhecidos autores portugueses, entre eles Gil
Vicente e Luís de Camões (séc.XVI), têm textos em Castelhano.
[33]-Por exemplo a
palavra árabe algazíra significa
península e também ilha, conceitos que, em Castelhano, correspondem a palavras
distintas . Daí que, para ambos os conceitos, os moriscos recorram à palavra isla
(exemplos do Ms.774 BNP:"isla de España" - fol.278r;"isla de
l-Andaluziya" - fol.396r).Sobre este assunto, cf.: R. Kontzi,1970:210.
[34]-Nomeadamente por
A.Vespertino Rodríguez,1983:111-132; M.Sánchez Alvarez,1982:98-122;
O.Hegyi,1971; A. Galmés de Fuentes,1962; A.Labarta,1981, entre outros autores.
[35]-J.Dubois
(1970:33/34) situa o que designa "discours figuré" como uma sintagmática,
onde é o valor lógico da frase é modificado através de figuras como a
hipérbole, a antítese, o eufemismo, a ironia, ou o paradoxo.