Duração mínima, alusão máxima ou a

ditadura da elipse.

Apontamentos sobre a montagem do filme de publicidade

 

 

Eduardo J. M. Camilo

 

Universidade da Beira Interior

           

 

 

Neste artigo, pretendemos reflectir sobre a especificidade da montagem do filme de publicidade. Começaremos por considerar que o filme publicitário está relacionado não só com a publicitação de uma mercadoria, mas, igualmente, com a concretização de um conjunto de objectivos de índole micro-económica através da comunicação audiovisual. O filme de publicidade serve para informar, para ensinar, mas também para (co)mover, para criar apetências, para suscitar sentimentos sobre uma existência comercial. A estrutura dos anúncios de publicidade, a articulação dos seus módulos constituintes, a combinação das cenas e dos planos, numa palavra, a especificidade da sua montagem deverá reflectir esta dimensão estratégica e externa. Tal particularidade conduz-nos ao facto de considerarmos a abordagem retórica como a mais adequada para reflectir sobre esta temática. É uma opção que, aparentemente, parece ser bizarra pois aborda o filme publicitário a partir de uma perspectiva que é típica das ciências da comunicação e não dos estudos do filme. Porém, encontra o seu paralelismo nalgumas concepções sobre montagem cinematográfica que fazem depender a sua especificidade de critérios extra-cinematográficos. São de índole poética, ligados à necessidade de contar eficazmente histórias cuja génese não é cinematográfica, mas literária.

            A estrutura deste artigo apresenta três partes: na primeira, demonstraremos a especificidade retórica do filme publicitário; na segunda, classificaremos os principais géneros de filme, descobrindo em que medida cada um exige um trabalho específico de montagem; a última parte está consagrada à dinâmica elíptica subjacente à linguagem do filme de publicidade.

 

1- A especificidade retórica do filme publicitário

Indepentemente do assunto comercial a que se refere, dos objectivos de comunicação, dos contextos e das circunstâncias subjacentes e da natureza do público-alvo, espécie de auditório ou de audiência comercial, qualquer anúncio é um tipo especial de filme que não deverá ser confundido com outros géneros (por exemplo, o documentário ou o filme de ficção). A sua especificidade fundamenta-se no facto de ser uma mensagem audiovisual relacionada com a concretização estratégias de marketing. Em publicidade, filma-se para informar, para deleitar, para fazer agir relativamente a uma oferta comercial. Na sua génese, o filme publicitário apresenta uma dimensão funcional, instrumental, que afecta (ou deveria afectar) todas as suas particularidades configurativas: desde a direcção de actores ao tipo de planos e à composição das imagens, desde a iluminação à produção, etc..

Derivado ao cada vez maior cunho espectacular da publicidade (centrado na comoção ou na sedução do público), em geral, e do filme, em particular (filme nº 1 [A – Axe; B – Glas-opera; C – Opera-bouef]), há alguns autores, dos quais salientamos Vance Packard e Umberto Eco[1], que afirmam que a referida dimensão funcional da publicidade é cada vez menos evidente. Nas mensagens publicitárias (fixas ou em movimento) não é visível qualquer dimensão argumentativa, as estratégias de persuasão não são totalmente evidentes. Até parece que a publicidade se limita principalmente a concretizar uma função fáctica, parecendo falar “un langage dejá parlé précedement et c’est por cela qu’elle est compréhensible. En définitive, puisque l’annonce dit d’une manière traditionnelle ce que les usagers attendaient (et ils attendent même a propos d’autres produits) la function fondamentale de l’anunce est une function phatique” (o negrito é do autor)[2].

Poderíamos relativizar esta valorização da função fáctica, questionando-nos se a que é a primordial na publicidade não será a de cunho referencial[3]. Não obstante esse facto, parece que na publicidade mais actual – e isso é evidente em qualquer tipo de mensagem, inclusivamente a que apresenta uma especificidade audiovisual -, o valor persuasivo tende a apresentar uma dimensão cada vez mais entimemática, implícita. Compreender e avaliar a potencialidade persuasiva de alguns filmes de publicidade, implica reconhecer o facto de as premissas que sustentam a inteligibilidade da mensagem não deverem ser encontradas no próprio filme, mas no âmbito da situação interlocutiva que previamente o sustenta (filme nº 2 [A – Colgate]). Trata-se de uma interessante situação com implicações criativas decisivas na conceptualização do anúncio e na gestão da própria montagem. Apesar do impacto que os filmes são capazes de provocar e da aparente liberdade criativa, é imprescindível transmitir algumas mensagens dotadas de uma dupla função: a de objectivar comercialmente os sentidos transmitidos e a de possibilitar um processo de inferência, pelo qual o espectador é capaz de transitar de um plano explícito de significações (as que são expressas no filme) para um implícito, a partir do qual elas adquirem um valor persuasivo (filme nº 3 [ A – Volvo; B – Absolut]). Esta operação de transição é feita por certas imagens consideradas essenciais em qualquer filme de publicidade. Estamos a referir-nos, em particular, aos planos de objectivação comercial, os packshots. É a partir desta dimensão entimemática que se compreende a posição de Umberto Eco: “désire-t-on une chose parce qu’on persuadé par la communication, ou bien accepte-t-on les persuasions communicatives qui concernent des choses que l’on désirait déjà? Le fait que l’on est persuadé par des arguments préalablement connus nous oriente vers da seconde branche de l’alternative” (o negrito é nosso)[4]. Cada vez mais, o valor persuasivo do filme publicitário se fundamenta numa espécie de ‘mundo cognitivo’ partilhado que possibilita descodificar as mensagens e, simultaneamente,  ‘re-conhecer’ o seu valor persuasivo, consensual. Apresenta uma dimensão discursiva que se alicerça numa competência pragmática fundada no conhecimento mútuo dos interlocutores sobre aquilo que ambos sabem ou julgam saber[5]. Esta realidade cognitiva depende de circunstâncias de índole micro-económica, de situações de mercado, ou de outra natureza (como é caso da morte da Ayrton de Sena no filme relativo à pasta dentífrica Colgate – cf de novo filme nº 2, “A (Colgate)”) por referência às quais o filme de publicidade é encarado como uma espécie de ‘tomada de posição’.

 

1.1- Configurações do filme publicitário a partir da sua dimensão entimemática

Na dinâmica remissiva, deverão existir marcas, signos audiovisuais, que remetam a mensagem para o tal quadro implícito de sentidos que permitem os interlocutores reconhecerem a especificidade publicitária do anúncio e sancionarem positivamente o sucesso ilocutório da sua enunciação. Uma delas estará relacionada com a existência de um plano de objectivação comercial: o já anteriormente mencionado plano packshot. Trata-se de uma imagem na qual se concretiza a objectivação comercial de todos os conteúdos que entretanto tenham sido transmitidos durante o filme. Independentemente das configurações que tal imagem pode apresentar, é importante reter que não há publicidade audiovisual sem packshot ou, pelo menos, sem um plano que tenha a função de esclarecer o destinatário sobre o estatuto dos objectos que surgem nos filmes, possibilitando-lhe estabelecer uma distinção entre mercadorias e adereços.

Para nós, o packshot (que encontra o seu correlato nas imagens de ostentação publicitária no caso da publicidade impressa[6]) é um plano artificial na dinâmica narrativa do filme de publicidade. Porém, ele desempenha uma importante função de mediação: a de estabelecer a ponte entre o que se encontra filmado (na grande maioria das vezes, sem qualquer valor comercial e cunho persuasivo), e os quadros de sentido que se encontram nos tais mundos cognitivos mencionados por Adriano Duarte Rodrigues. É nesta remissão que se fundamenta o valor dialógico do filme de publicidade.

Considerar que no filme de publicidade há uma ‘energia’ dialógica que consiste no facto dele ser obrigatoriamente composto por elementos significantes (os relativos ao packshot) que visam remeter o destinatário para quadros de sentido relativos a uma situação interlocutiva específica, conduz à necessidade de nele descortinarmos uma natureza dimensionada. O filme publicitário não vale por si, como entidade autónoma, mas por referência à sua capacidade expressiva para estabelecer a remissão para quadros de sentido essenciais na atribuição de um valor persuasivo e no reconhecimento do próprio filme enquanto género.

A singularidade da linguagem do filme publicitário (que também afecta o tipo de montagem) deverá, então, ser encontrada nos mecanismos expressivos através dos quais se concretiza a objectivação comercial de um conjunto de significações mais ou menos ideológicas mas que são destituídas desse valor. O tecnicismo subjacente à produção/realização do publicitário fundamenta-se, então, numa dinâmica metalinguística, o que não deixa de constituir um interessante facto através do qual nos distanciamos parcialmente de alguns dos estudos de Roland Barthes e Georges Péninou sobre a conotação e a ideologia publicitárias[7]. Efectivamente, ao contrário deste autores, que salientam incisivamente a dinâmica conotativa e ideológica da publicidade, remetendo implicitamente para o facto dela apresentar, na sua dimensão mais elementar, dois níveis básicos de significação (o denotativo e o conotativo), nós defendemos a particularidade de existir um suplementar, cuja especificidade será metalinguística. É caracterizado por uma expressividade (verbal, iconográfica, gráfica, audiovisual) essencial na tal remissão para os quadros de sentido que permitem reconhecer o valor publicitário e argumentativo dos anúncios. Em termos fílmicos, concebemos essa expressividade como estando adstrita ao tal plano de packshot e, igualmente, a critérios de gestão da montagem dos anúncios. Estão relacionados com a introdução de rupturas no seu ritmo, no fluxo coerente das imagens, com vista a instaurar uma inteligibilidade comercial.

 

1.2- Montagem e metalinguagem: o filme como fenómeno de tradução

Poderíamos reflectir sobre o significado desta imposição do plano packshot no filme publicitário, classificando-o como o resultado de uma violência lógica como o são todas as metalinguagens. Este assunto ficará para outras reflexões. O que nos interessa agora é destacar o valor externo e subordinado do filme relativamente a um plano que nada tem a ver com ele, isto é, cuja génese não está relacionada com a afirmação de um sentido estritamente fílmico. Repare-se na forma como a predicação publicitária do anúncio só surge a partir do momento em que o realizador do filme se oferece a esta exterioridade: aceita o plano packshot, fazendo pagar o seu preço num artificialismo, numa descontinuidade da montagem (filme nº4 [A – Gitanes; B – Colgate; C – Knorr]).

Esta dimensão subordinada do filme publicitário é interessante e foi por nós apercebida quando estudámos algumas obras mais técnicas sobre a montagem cinematográfica[8] pelas quais nos apercebemos de uma conceptualização subordinada do cinema à literatura[9]. A montagem reflecte momentos narrativos que são estritamente literários. As cenas de epílogo que fecham um filme (e, portanto, a história) são montadas de uma forma distinta das de ligação ou de atmosfera, que visam unir diferentes sequências relativas a diferentes nós narrativos. A montagem está ao serviço de uma história, o que não significa que a história esteja ao serviço do cinema porque não foi para ele (e nele) que nasceu. Explicando esta ideia de outra maneira: certa cinematografia é caracterizada por uma expressividade que tem por função traduzir e objectivar (em imagens) um universo externo ao cinema que se encontra implícito. Esse universo é poético, tal como é retórico o que está subjacente ao filme publicitário. É nesta expressividade cinematográfica de natureza metalinguística e valor literário, que compreendemos o estatuto da montagem silenciosa e a importância do raccord (que cedo se estendeu aos mais variados domínios: de realização, de olhar, de movimento, de luz, etc.[10]). Na fundamentação deste raciocínio reputamos de destaque o seguinte extracto do Techique of film editing de Karel Reisz e Gavin Millar referenciado por Vicente Sánchez-Biosca: “el objectivo principal de compaginar un copión montado (rough cut) consiste en lograr una continuidade que resulte comprensible y suave (...). Practicar un montage suave significa unir dos planos de modo que la transición no dé lugar a un salto perceptible y la ilusión del espectador de ver un fragmento de acción continua no sea interrumpida[11]. Reconhecemos que esta invisibilidade não é um tabu a respeitar cegamente. Todavia, a revolução do raccord só se faz sentir na condição de estarem em jogo valores dramáticos, portanto, externos ao próprio filme.

A exterioridade cinematográfica, como se a montagem fosse essencial para uma narratividade literária por imagens; esta subordinação do cinema à Poética, também a vamos descobrir no filme publicitário. A diferença consiste na especificidade da realidade que subordina. Se nalgum tipo de cinema, o filme não é mais do que a tradução de um romance por imagens, na publicidade deverá ser concebido como a expressão audiovisual de estratégias de persuasão. A publicidade não visa contar histórias, mas convencer espectadores a propósito de uma existência comercial. Tal como algum cinema, que deve a sua essência à Poética, o filme publicitário encontra a seu fundamento na Retórica.

 

2- Tipologias de filmes de publicidade: o conselho e a celebração comercial

Actualmente, a produção de publicidade é tão maciça que não só é difícil de inventariar na totalidade, como também de classificar, operação essencial, pois um filme integrado numa categoria apresentará especificidades configurativas que se irão reflectir em padrões de montagem.

A existir alguma taxinomia dos filmes publicitários ela terá de se concretizar por referência às circunstâncias micro-económicas e aos objectivos de comunicação que lhe estão subjacentes. Assim, da mesma forma que nalgum tipo de cinema o género apresenta, na sua génese, um valor literário (épico, trágico, de comédia, etc.) o mesmo acontecerá no caso do filme publicitário, com a diferença de que o seu fundamento já não reside na Poética, mas na Retórica. É por referência ao critério do enquadramento retórico que classificaremos os filmes publicidade em duas grandes categorias: a do conselho (comercial) e a da celebração (comercial). Subjacente a esta dicotomia, encontramos dois géneros retóricos: o deliberativo e o epidíctico.

 

2.1- Os filmes de conselho comercial

Há filmes publicitários que são caracterizados pela apresentação de um produto (ou de um serviço) e pela sua contextualização numa narrativa pela qual se procura fundamentar a utilidade desse produto para a satisfação de necessidades (filme nº 5 [A – Clearasil; B – Dodot]). Do ponto de vista persuasivo, o que está em jogo é a legitimação de uma espécie de recomendação (que se ‘comercializa’ a partir da imposição do plano packshot no anúncio). Não interessa que a necessidade seja real ou fictícia, o importante é o pressuposto da existência de um problema que o produto (ou o serviço) soluciona. Esta situação conduz à emergência de um conjunto de filmes publicitários articulados em torno da questão da dicotomia do ‘útil/inútil, do ‘melhor/pior’, do pertinente/impertinente (filme nº 6 [A – Pcsupport.com; B – Yellow pages]).

No âmbito desta categoria de filmes, existem várias premissas que se encontram no tal plano entimemático da mensagem publicitária: 1ª) o consumidor tem necessidades (problemas); 2ª) o consumidor tem várias soluções alternativas e, portanto, apresenta-se como uma espécie de ‘árbitro’ (vai escolher uma das possíveis); 3ª) não obstante poder escolher, pode ainda não conhecer todas, pelo que precisa de ser informado da existência e da adequação de algumas; 4ª) um produto é tanto melhor, quanto mais adequado estiver a um certo fim/objectivo; 5ª) a satisfação das necessidades do consumidor é concebida como uma fase, um momento transitório para uma espécie de estado de felicidade.

Este contexto extra-linguístico vai originar no anúncio uma interessante estrutura narrativa caracterizada, na sua dimensão mais primordial, por quatro partes: 1ª) a da infelicidade referente a um estado de carência, ao protagonismo de uma necessidade; 2ª) a da apresentação e da divulgação do produto, posicionado como uma espécie de ferramenta ou de medicamento, isto é, qualificado numa perspectiva estritamente instrumental; 3ª) a relativa à felicidade mais ou menos hiperbolizada decorrente da utilização/consumo do produto; e, 4ª), a parte onde se concretiza uma objectivação comercial, uma espécie de moralização micro-económica desta história, impondo ao produto uma requalificação do seu estatuto (filme nº 7 [A – Autan Bayer; B – Knorr]). Nesta parte (artificial e dotada do tal valor impositivo), o produto já não é mais um instrumento ou um medicamento, mas uma mercadoria.

Mais à frente, verificaremos de que forma alguns destes módulos podem encontrar-se elididos. Também é importante salientar a existência de uma dinâmica antitética mais ou menos assumida entre o primeiro módulo (o relativo à expressão da infelicidade) e o terceiro (o referente à significação da felicidade) – filme nº 8 [A- Nívea]. Para a significar, há decisões a tomar relativamente às cenas do protagonismo da (in)felicidade: pode optar-se por uma montagem pouco dinâmica, estática, que privilegie a significação hiperbólica de um ‘estado de alma’ ou, então, com mais ritmo, mais sintética em termos de duração dos planos, pela qual se procura significar o que fica por fazer (ou foi feito), por obter (ou obtido), por ganhar (ou ganho) pelo simples facto de (não) se consumir o produto. Por outro lado, o módulo relativo à apresentação dos produtos também requer uma expressividade adequada. Remete para uma espécie de pedagogia sobre os produtos, pela qual a apresentação de provas, reais ou fictícias (extrínsecas ou intrínsecas, para utilizar a terminologia retórica), assume um papel fundamental (filme nº 9 [A – Ariel]): já não é mais decisivo conseguir significar a atmosfera evocativa de uma (in)felicidade, mas assegurar um nível mínimo de reconhecimento e de objectividade.

 

2.2- Os filmes de celebração comercial

Concebemos o ‘filme de celebração comercial’ como a adaptação audiovisual do género epidíctico.

Quando utilizamos o termo ‘adaptação’ não devemos confundir a sua acepção com o significado subjacente ao termo ‘transposição’. Estamos conscientes do facto de a publicidade ser um processo de comunicação distinto do que classicamente estava subjacente à actividade retórica[12]. É necessário salientar que os actuais processos comunicacionais apresentam uma vertente mediatizada que influi decisivamente na forma de produzir e gerir enunciações cada vez mais curtas, sintéticas, rápidas. Por outro lado, o ‘auditório’ constitui-se como uma assistência que já não está reunida numa esfera pública; é volúvel e desinteressada das numerosas mensagens que recebe, por vezes inconscientemente; é uma audiência impaciente, cada vez menos apta para processar volumes elevados de informação ou que ultrapassam certos patamares de complexidade. Não obstante estas circunstâncias, que impedem uma simples aplicação dos conceitos clássicos da retórica aos fenómenos contemporâneos da comunicação, é de salientar que, ainda hoje, subsistem algumas configurações subjacentes aos processos de comunicação do tempo de Aristóteles. Uma estará relacionada com a necessidade de persuadir o público sobre adequação de alguma decisão para atingir certos objectivos (fundamento do género deliberativo); a outra, remeterá para o louvor ou para a censura a alguém (essência do género epidíctico). É, precisamente, a partir da dimensão estrutural destas configurações (o conselho ou a ameaça, o aplauso ou o repúdio) que reflectimos sobre a especificidade dos ‘filmes de conselho comercial’ e a dos ‘de celebração comercial’.

Na ‘dimensão epidíctica do filme publicitário’ o que está em jogo é simplesmente o deleite decorrente do contacto com o bom e o belo relativo a algo que já não é mais contestável, mas que “pode ser sempre visto com outros olhos”... (filme nº 10 [A – Tabasco]). Não está mais em questão a necessidade de demonstrar a adequação, o contributo, de uma mercadoria para a experimentação de um estado de felicidade, mas somente a celebração (através das imagens) da capacidade ‘instrumental’ (incontestada) dessa mercadoria para o alcançar. O ‘filme de celebração comercial’ é, portanto, um tipo de filme no qual se explora a reputação de uma mercadoria, de uma marca. O objectivo é o de consolidar valores que já não são mais replicáveis, pleiteados. Nesta dinâmica, o estatuto do destinatário altera-se: se os ‘filmes de conselho comercial’ dirigiam-se para um consumidor que iria desempenhar o seu papel de ‘árbitro’ aquando da decisão de compra, nos ‘de celebração comercial’ é concebido como um espectador – alguém deleitado por imagens que contextualizam os produtos num universo imaginário, consensual ou actual (filme nº 11 [A – Coca-Cola; B – Omo; C – Coca-Cola).

Nesta celebração, que está relacionada, principalmente, com estratégias publicitárias de fidelização[13], as premissas subjacentes às mensagens são distintas: 1ª) o consumidor conhece o produto e já o experimentou; 2ª) é consensual a sua adequação para satisfazer as carências dos consumidores – o produto possui reputação.

Como o consumidor já não precisa de ser informado sobre a existência da mercadoria, nem convencido da sua conveniência, a persuasão já não se fundamenta no eixo da adequação/funcionalidade, mas no do prestígio da sua ‘história de vida’ (portanto, na glorificação de uma alegada adequação). Esta particularidade apresenta implicações para a especificidade deste tipo de filme. Do ponto de vista estrutural, ele é mais pobre do que o de ‘conselho comercial’. Se este último é composto por quatro partes significativas de uma história sobre o sucesso decorrente do uso de certos produtos, aquele apresenta apenas duas. A primeira parte consiste numa celebração, num culto dos valores legítimos, inquestionáveis, que fundamentam a reputação dos produtos; a segunda é consagrada a uma objectivação comercial através da qual os produtos, que apareciam na parte anterior, adquirem o tal estatuto de mercadorias (filme nº 12 [A – Coca-Cola]). Em contrapartida, do ponto de vista substancial, isto é, ao nível da variedade de conteúdos, os ‘filmes de celebração comercial’ são mais ricos que os de ‘conselho comercial’. São compostos por episódios, por anedotas significativas de valores consensuais no âmbito das quais, os produtos se assumem como adereços fundamentais. A publicidade adquire um substracto ideológico, pois os valores que se celebram podem remeter para três domínios de legitimidade. O que está subjacente à produção das próprias mercadorias (tecnologia, durabilidade, economia, segurança, performance); o relativo a parâmetros consensuais de consumo e de usufruto (confiança, poupança, fidelidade, familiaridade, etc.) e o referente a padrões e a estilos de vida.

 

 

2.3- Critérios de montagem

No quadro nº1, sistematizamos os principais atributos dos dois géneros de filme publicitário.

 

Géneros

Objectivos

Estrutura Modular

Variedade de Conteúdos

‘Conselho comercial’

Informar; aconselhar

(ou dissuadir).

Quatro partes:

1-       Protagonismo do problema;

2-       Apresentação do

           ‘produto-instrumento’;

3-       Protagonismo da solução;

4-       Objectivação publicitária.

Pobre:

História da solução de um problema através de um produto ou de um serviço que é objectivado comercialmente como mercadoria.

‘Celebração comercial’

Glorificar

(ou repudiar).

Duas partes

1-       Encenação de uma situação evocativa de valores legítimos na qual o produto se assume como adereço;

2-       Objectivação publicitária.

Rica:

Todas as histórias desde que evocativas de valores que contribuam para reforçar a reputação dos produtos ou dos serviços

Quadro nº 1: os géneros de filme publicitário. Uma proposta provisória de sistematização.

 

 

Sobre a coluna da estrutura modular é necessário formular cinco considerações.

 

1ª consideração: sobre os módulos estruturais como ‘pontos-argumentativos’

As partes constituintes de cada anúncio são concebidas como uma espécie de ‘pontos-chave argumentativos’ caracterizados por uma dinâmica retórica. Nesta questão, inspirámo-nos em Roberto Schiavone[14] no que respeita aos ‘pontos-chave’ ou ‘nós narrativos’ que constituem um filme: o início, o primeiro nó narrativo, a parte central, o pré final e o final. A cada um corresponde uma cena típica que exige um tipo adequado de montagem. É, portanto, essencial caracterizar as cenas características de cada um dos módulos e especificar as implicações, em termos de montagem, que estão relacionadas com a sua construção.

 

2ª consideração: sobre a combinação dos módulos

Nos géneros de filme publicitário, os módulos estruturais que os constituem, apresentam uma ordenação básica que, todavia, não é completamente imutável. Se nos ‘filmes de conselho comercial’ existe uma sequência narrativa relativa à vivência de um problema e à sua adequada solução por intermédio de um produto que, posteriormente, é objectivado como uma mercadoria, nada impede que esta ordenação se modifique. O anúncio pode começar pelo módulo relativo ao protagonismo de uma solução (terceira parte) e desenvolver-se, por contraste, relativamente ao protagonismo do problema (primeira parte) através da apresentação do ‘produto-instrumento’ (segunda parte). Em contrapartida, nos ‘filmes de celebração publicitária’, reconhecemos que a estrutura modular anteriormente inventariada, é fixa: não é possível apresentar o módulo de objectivação publicitária previamente ao da encenação de uma história sobre um produto, na medida em que o primeiro só existe no filme para atribuir um estatuto comercial ao segundo.

No quadro nº 2, apresentamos algumas combinações estruturais subjacentes aos ‘filmes de conselho publicitário’.

 

Géneros

Estrutura básica

Variações de estrutura

 

‘Conselho comercial’

 

1-       Protagonismo do problema;

2-       Apresentação do

  ‘produto-instrumento’;

3-       Protagonismo da solução;

4-       Objectivação publicitária.

-          Combinação nº 1 –

 

3- Protagonismo da solução;

2- Apresentação do ‘produto-instrumento’;

1-       Protagonismo do problema;

4- Objectivação publicitária.

-          Combinação nº 2 –

 

2-       Apresentação do        ’produto-instrumento’;

1-       Protagonismo do problema;

3-       Protagonismo da solução;

4- Objectivação publicitária.

 

 

 

-          Combinação nº 3 –

 

2- Apresentação do            ‘produto-instrumento’;

3- Protagonismo da solução;

1- Protagonismo do problema;

4- Objectivação publicitária.

Quadro nº 2: combinações estruturais subjacentes aos ‘filmes de conselho publicitário’

 

 

Na combinação nº 1, verificamos uma antecipação do ponto culminante do filme publicitário. Ela pode ser importante por três razões. Em primeiro lugar, porque estabelece uma descontinuidade na configuração típica da sequência argumentativa deste género publicitário que, habitualmente, deriva do módulo do protagonismo de um problema para o da sua decorrente solução por intermédio de um ‘produto-instrumento’. Em segundo lugar, porque o módulo do protagonismo da solução do problema remete para valores relativos à felicidade: a tranquilidade, a calma, a amizade, a amabilidade, a piedade, a virtude, a modéstia, mas também a dinâmica, a energia, a riqueza, etc.. Ora, a sua celebração possibilita a introdução da dimensão epidíctica na própria especificidade deliberativa do ‘filme de conselho comercial’, originando uma espécie de sobreposição do ‘filme de celebração’. Por fim, a terceira razão relaciona-se com o facto de a opção por antecipar o momento culminante do filme chama a atenção do público, desperta o interesse e, por isso mesmo, está dotada de um valor fático em nome do qual há uma preocupação pela espectacularidade mais ou menos gratuita, por um querer encantar, seduzir o destinatário (delectare), predispondo-o positivamente, tornando-o benevolente relativamente ao que irá ser publicitado.

Na combinação nº 1, há, portanto, a valorização de uma dinâmica retórica de índole psicagógica, que actua principalmente “pela co-moção da psique, por sedução [mais ou menos] irracional”[15]. Curiosamente, esta dinâmica, desta vez dotada de um valor negativo (baseado no sofrimento, na infelicidade, decorrente de uma necessidade de consumo), também se encontra subjacente à estrutura modular de base que constitui o género do ‘filme de conselho publicitário’.

Nas combinações nº 2 e 3, a especificidade do filme publicitário altera-se radicalmente. Também nestas se verifica uma alteração da estrutura modular habitual, do ‘filme de conselho publicitário’ numa dinâmica que nos faz lembrar a ordo artifcialis subjacente à fase da dispositio da retórica[16]. Complementarmente, reencontramos uma antecipação da estrutura narrativa do filme, facto que já se encontrava presente na configuração da combinação nº 1. Porém, a diferença reside no facto de que o ponto chave argumentativo que é antecipado já não é o ponto culminante, o tal climax relativo à celebração de um estado de felicidade. Independentemente da coexistência do módulo relativo à apresentação do ‘produto-instrumento’ com os do protagonismo do problema ou da solução, o estilo do anúncio altera-se. O filme já não pretende principalmente comover ou encantar, mas sim informar, demonstrar, ensinar. O ‘conselho publicitário’ adquire uma dimensão pedagógica, distanciando-se decisivamente das dimensões configurativas do ‘de celebração publicitária’. Tal não significa que ele deixe de apresentar marcas linguísticas características de uma intenção de suscitar a atenção e de comover o público. Mas a antecipação do ‘ponto argumentativo’ relativo à apresentação do produto é indiciática de que a prioridade é a de divulgar (e, nesta perspectiva, ensinar, informar) um produto ou um serviço.

Curiosamente, estas três combinações são marginais no anúncio de publicidade. O ‘filme de conselho comercial’ desenvolve-se principalmente a partir da tal estrutura de base identificada no quadro nº 1. A existir alguma variação, então ela deverá ser descoberta a partir da supressão de alguns módulos estruturais.

 

consideração: sobre os critérios de selecção do género

Os critérios subjacentes à selecção de um género de filme e à opção de padrões de montagem dos módulos estruturais reflectem a especificidade do assunto, do tópico, isto é, do tipo de produto que se vai publicitar. Produtos complexos, serviços que se caracterizam pela sua imaterialidade, cuja funcionalidade ou forma de utilizar são desconhecidas, impõem a produção de um filme integrado no género de ‘conselho comercial’. Se o produto é muito complexo ou o mercado é desconhecido, então a combinação mais adequada parece ser a que remete para a própria categoria do género (1- Protagonismo do problema; 2- Apresentação do ’produto-instrumento’; 3- Protagonismo da solução; 4- Objectivação publicitária). Em contrapartida, se já é conhecido, se é consensual a sua existência e utilidade, então a estrutura modular mais adequada parece ser a que é típica no género do ‘filme de celebração publicitária’ (1- Encenação de uma situação evocativa de valores legítimos na qual o produto se assume como adereço; 2- Objectivação publicitária).

 

4ª consideração: relativa à caracterização dos módulos estruturais

Passamos agora para uma dimensão mais intrínseca de reflexão, isto é, relativa à análise dos próprios módulos estruturais que constituem cada filme.

Cada um destes módulos identificados é caracterizado por um estilo próprio que se descobre nas mais variadas dimensões de expressão audiovisual: composição do plano, ângulo de imagem, gestão da iluminação, parâmetros de fotografia, direcção de actores, etc.. Obviamente, que também se vai reflectir na adopção de critérios específicos de montagem: tipo de transição das imagens, tempo concedido para cada plano, gestão do ritmo do filme, etc..

Mais uma vez, inspirámo-nos na retórica para classificar os estilos subjacentes aos módulos dos filmes de publicidade. Estamos a referir-nos aos estilos baixo, médio e alto[17]. O estilo baixo está relacionado com uma produção linguística sóbria e escorreita, recomendada para a apresentação objectiva e para a argumentação. Do ponto de vista dos objectivos do discurso, da tal dimensão psicagógica do filme de publicidade, encontra o seu correlato no ‘fazer-saber’, no ‘publicitar’ (docere) e num ‘fazer-agir’ relativamente explícito (movere) - filme nº 13 [A – Persil]. Por sua vez, o estilo médio é um estilo equilibrado que procura evitar os extremismos do cinzentismo subjacente ao estilo baixo e do barroquismo ‘hiper-fático’ do estilo alto. É um tipo intermédio que apresenta especificidades características dos outros dois. Consiste em exercícios de linguagem vocacionados para o espectáculo, para o deleite e para distracção, que têm por função dar prazer ao destinatário (delectare), complementados com os que apresentam uma vertente exortativa, argumentativa e informativa (filme nº 14 [A- Super Tide]). Por fim, no estilo alto, o objectivo é o de apaixonar o público, chamar a sua atenção, deleitá-lo, fazendo uso de todas a possibilidades manipulativas para o arrastar para alguma proposta de consumo (filme nº 15 [A – Axe; B – Axe; C – Axe]). Fundamenta-se essencialmente num ‘fazer-reconhecer’, num ‘fazer-aderir’ (delectare).

Se correlacionarmos estes estilos com os vários módulos característicos dos géneros publicitários, concluiremos que alguns se encontram mais indicados que outros para certos momentos e para certas cenas.

O quadro nº 3 sistematiza esta correlação.

Género de Filme

Estrutura básica

Estilo subjacente a cada módulo

 

Protagonismo do problema

Alto [valor estrutural]/Alto [valor conjuntural]

Conselho comercial

Apresentação do                   ‘produto-instrumento’

Alto [valor estrutural]/Médio/baixo [valor conjuntural]

 

Protagonismo da solução

Alto [valor estrutural]/Alto valor conjuntural]

 

Objectivação publicitária

Alto [valor estrutural]/Baixo[ valor conjuntural]

 

Celebração comercial’

Encenação de uma situação evocativa de valores legítimos na qual o produto se assume como adereço

 

Alto [valor estrutural]/Alto [valor conjuntural]

 

Objectivação publicitária

Alto [valor estrutural]/Baixo [valor conjuntural]

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Quadro nº 3- Correlação das estruturas modulares básicas de cada género

 com o estilos de comunicação

 

Independentemente dos géneros de filme, constata-se a existência de estilos dotados de valor estrutural e conjuntural. O estilo alto dotado de valor estrutural (independente do tipo de produto publicitado e do módulo), prende-se com a necessidade de preservar um nível fático responsável pela manutenção da expectativa e do interesse do espectador pelo filme. Esta particularidade é importante porque apresenta implicações decisivas para o trabalho de montagem: na publicidade não podem existir momentos mortos. A vivacidade terá de ser garantida por vários recursos expressivos, desde os relativos à composição da imagens aos que estão subjacentes à gestão de um certo ritmo de montagem (filme nº 16 [A – Alka Seltzer]). Por sua vez, os estilos de valor conjuntural estão adaptados a natureza concreta de cada anúncio e à especificidade dos módulos que constituem a estrutura dos diferentes géneros.

No que respeita aos ‘filmes de celebração’, constata-se a conjugação de dois estilos dotados de valor conjuntural: o alto com o baixo, em que o primeiro predomina sobre o segundo. Este, último está relacionado com o módulo de objectivação publicitária, essencial para que o destinatário efectue uma interpretação comercial do filme e, ao realizá-la, consiga aceder ao quadro das premissas que se encontram elididas no filme e fundamentam o carácter entimemático da esmagadora maioria dos anúncios de publicidade. Há, portanto, uma polaridade entre delectare/movere e docere.

Relativamente, aos ‘filmes de conselho comercial’ a dinâmica é um pouco mais complexa, já que se torna necessário gerir a conjugação de uma maior variedade de estilos: desde o alto ao baixo. Esta situação conduz a que o filme de ‘conselho comercial’ apresente uma dinâmica própria que não pode ser ignorada em termos expressivos. Na perspectiva do trabalho de montagem, consubstancia-se na necessidade de assegurar um trabalho cujos critérios se pautem pela gestão de um determinado ritmo.

 

3 - Variações na estrutura modular

3.1- primeira abordagem à dinâmica elíptica da montagem publicitária - a supressão de módulos

No âmbito do livro já referido de Roberto Schiavone sobre a montagem do filme, o capítulo relativo ao spot de publicidade é assinado por Osvaldo Bargero, reputado montador italiano de filmes publicitários e documentários a partir dos anos 60 do século passado[18]. O que mais impressiona no seu ‘capítulo-depoimento’ é o facto de a evolução do filme publicitário se ter desenvolvido à custa de um encurtamento sistemático e imparável da sua duração:

 

“Os primeiros Carosello[19] duravam 2’15’’, 3375 fotogramas, nem um a mais, nem um a menos (...). No decorrer dos últimos anos, a duração dos spots publicitários do Carosello diminuiu, mas os pedidos, exigências e expectativas dos clientes e das agências aumentaram. Passou-se dos 130’’ do final dos anos sessenta, (...) aos 60’’ de 1972, quando pela primeira vez o tempo podia ser integralmente dedicado à mensagem publicitária. A partir daí passou-se rapidamente à afirmação de espaços mais breves: 45’’, 40’’, 30’’, 15’’. (...) Hoje chegamos ao 5’’ (chamados Bill Board), que juntamente com os 7’’, 15’’, 20’’ e 30’’ representam os tempos de programação mais usados (...).”[20]

 

 

Esta compressão da duração dos anúncios fez pagar o seu preço na emergência de uma dinâmica elíptica que se caracteriza pela supressão de tudo aquilo que é considerado acessório, que não contribui para a sua eficácia.

Numa primeira fase, esta compressão consiste na supressão de alguns módulos que constituem a estrutura do filme. Obviamente que tal operação apresenta limites de forma a preservar a própria singularidade dos géneros. Por outro lado, os módulos que não foram suprimidos deverão ser capazes de evocar os que já não constam no plano da expressão fílmica.

No quadro nº 4, apresentamos algumas combinações de supressão possíveis.

 

Género

Estrutura básica

Supressões dos módulos estruturais

 

 

 

 

 

 

Conselho comercial

Estrutura quaternária

 

1-        Protagonismo do problema;

2-        Apresentação do    ‘produto-instrumento’;

3-        Protagonismo da solução;

4-        Objectivação publicitária.

Estrutura trenária

1-       Protagonismo do problema;

2-       Apresentação do

produto-instrumento’;

3-       Objectivação publicitária.

 

1-        Apresentação do

‘produto-instrumento’;

2-        Protagonismo da solução;

3-        Objectivação publicitária.

Estrutura binária

1-        Protagonismo do problema;

2-        Objectivação publicitária.

Ou

1-        Protagonismo da solução;

2-        Objectivação publicitária.

 

1-        Apresentação do

‘produto-instrumento’;

2-        Objectivação publicitária.

Estrutura unária

 

Objectivação publicitária

 

Celebração comercial

Estrutura binária

1-       Encenação de uma situação evocativa de valores legítimos na qual o produto se assume como adereço;

2-       Objectivação publicitária.

 

 

Estrutura unária

 

Objectivação publicitária.

Quadro nº 4- A acção da dinâmica elíptica nas estruturas do ‘filme de conselho publicitário’

e de ‘celebração comercial’.

 

 

Salientamos que esta eliminação modular produz consequências. A primeira consiste no facto de que quanto maior for o número de módulos elididos, maior será a potencialidade entimemática do filme, pois aquilo que o determina enquanto género e que fundamenta a sua eficácia persuasiva encontra-se implicitado no plano de expressão. Esta dinâmica supressiva é compensada por uma enfatização das potencialidades fáticas dos módulos que ainda integram o anúncio, consubstanciada numa apetência cada vez mais frequente por um estilo alto. Os filmes concorrem entre si para chamar a atenção do espectador, na medida em que o (re)conhecimento das imagens é essencial para que ele possa iniciar um processo de inferência, procurando descobrir as significações que se encontram implícitas (filme nº 17 [A – Vick; B – Guronsan; C – Guronsan]).

A segunda implicação está relacionada com a especificidade do módulo de objectivação publicitária no âmbito das situações em que o anúncio apresenta uma estrutura unária. Quando o filme é composto exclusivamente por este módulo, situação limite interessante e rara, ele deverá ser capaz de significar, por si só, o género em que se inscreve o filme publicidade. Assume-se como um elemento de mediação responsável pela transição do mostrado (e do dito) para o que ficou por mostrar e por dizer. É precisamente nesse plano do oculto do (inter)dito que se gera a energia persuasiva do filme publicitário.

Ainda sobre à especificidade do módulo de objectivação publicitária no anúncio. Conforme se poderá constatar, a partir dos quadros nº 2 e 4, o seu valor depende de uma ordem e de uma localização específicas no filme. Encontra-se no final do spot de publicidade, instituindo uma espécie de ruptura entre o que é apresentado, por vezes com um estatuto de adereço e o que é predicado comercialmente. Esta descontinuidade cedo constituiu um incómodo para os técnicos de montagem que a procuraram amenizar na medida do possível. Para tal, descobriram algumas soluções relacionadas com a forma de introduzir suavemente as imagens características deste módulo, os planos de packshot[21]. Mais recentemente, tem vindo a usar-se nos filmes uma última imagem, um key frame (imagem memorável do spot), cuja função é a de fazer um elo de ligação com as relativas a cenas integrantes dos outros módulos da estrutura do filme – filme nº 18 [A – Budlight; B – Agfa]. Esta imagem denomina-se ‘piggy back’: “por norma o filme fechava sempre com a imagem do produto, mas a certo ponto, uma proposta de montagem foi a de fechar com uma imagem que relembrasse a história que tinha acabado de passar”[22].

Na nossa opinião, a partir do momento em que surge o piggy back - uma imagem que visa repor no filme uma dinâmica de sentido que originariamente não era comercial (publicitária) -, verifica-se a ocorrência possível de dois fenómenos: ou os anúncios perdem a sua especificidade comercial, aproximando-se de géneros que já não são dotados de uma dinâmica retórica, mas simplesmente poética, literária, ou, então, os sentidos comerciais já se encontravam nos outros módulos, estabelecendo com o de objectivação publicitária uma simples relação de redundância.

O plano piggy back apresenta a vantagem de tornar o anúncio mais suave, não tão abrupto na tal obsessão por concretizar um acto de marcação publicitária. Simultaneamente, contribui para aumentar o impacto do filme: ao subverter a estrutura habitual do anúncio (actualizando, por isso, uma espécie de ordo artificialis[23]), consegue surpreender o espectador .

 

3.2 - segunda abordagem à dinâmica elíptica da montagem publicitária - a supressão de cenas

No filme de publicidade, a compressão da duração dos anúncios também se faz sentir noutros planos de intervenção que não o de cariz modular. Estão relacionados com a supressão de cenas e até mesmo de planos integrantes de cada módulo. Todavia, também esta tarefa tem limites: é sempre possível cortar cenas com excepção das que caracterizam estruturalmente os módulos que integram. Se, por inépcia, o montador proceder à exclusão da cena representativa de um módulo, então este perderá a sua singularidade o que afectará a dinâmica argumentativa do próprio anúncio. Pelo contrário, se o montador, optar por suprimir cenas que apresentam um valor acessório, o filme ficará cada vez mais curto, sem que, por isso perca a sua eficácia persuasiva e a sua especificidade enquanto género. É imprescindível, portanto, saber eliminar. A compressão da duração dos anúncios só terá sucesso na condição de o montador conhecer quais as cenas que são específicas de cada módulo estrutural.

Na classificação do tipo de cenas dos filmes publicitários, voltamos a basear o nosso raciocínio nas hipóteses metodológicas de trabalho de Roberto Schiavone, relativamente à classificação do tipo de cenas que constituem um filme de cinema[24]. Se existem filmes que apresentam um valor narrativo, então os módulos, as cenas e os planos que os constituem, deverão ser montados por referência à gestão de uma eficácia narrativa. Da mesma maneira, se existem filmes publicitários que apresentam um valor retórico (de conselho ou de celebração), então as partes (módulos), as cenas e os planos que os compõem, serão montados por referência à gestão de uma eficácia persuasiva.

Como já descobrimos a estrutura dos géneros de filmes publicitários falta agora discriminar as cenas que são típicas de cada um dos módulos e as implicações que elas apresentam para o trabalho de montagem (quadro nº 5).

 

 

Género

Estrutura modular básica

Cenas características

 

Protagonismo do problema

Cena introdutória

Conselho comercial

Apresentação do ‘produto-instrumento’

Cena de apresentação comercial

 

Protagonismo da solução

Cena de epílogo

 

Objectivação publicitária

Cena de objectivação

 

[Remissão]

Cena de ‘piggy back’

 

Celebração comercial

Situação evocativa de valores legítimos na qual o produto se assume como adereço.

Cena de episódio

 

Objectivação publicitária

Cena de objectivação

Quadro nº 5- Classificação das cenas características dos filmes de publicidade

 

 

3.2.1- Cenas dos ‘filmes de conselho comercial’

 

Cena introdutória

Corresponde a uma cena inicial caracterizada pela homogeneidade de um espaço e de um tempo argumentativo no âmbito do qual alguém protagoniza um problema. Nela, é essencial significar um ambiente, um espaço, um tempo e um conjunto de actores publicitários. O montador pode tentar produzir distintos efeitos de sentido a partir da selecção dos planos evocativos de tais significações. Por exemplo, pode explorar os que são significativos de uma única situação (enfatização da passagem do tempo) - filme nº 19 [A – Ariel]; ou, em contrapartida, valorizar a questão da ambiência (enfatização do espaço envolvente), de um contexto evocativo da infelicidade experimentada pelo protagonista (cidade poluída, más condições de trabalho, uma família problemática, azar ao jogo, etc.) – filme nº 20 [A – Chugai].

Salientamos a particularidade destas cenas deverem apresentar uma funcionalidade fáctica associada à gestão do tal ‘estilo alto’ já anteriormente referido. A cena introdutória, não é uma simples cena de significação de uma atmosfera (uma espécie de cena de ligação ou de ambientação) pela qual se procura preparar a que é específica do módulo relativo à apresentação do ‘produto-instrumento’. Nela é essencial suscitar a atenção do espectador, influir, nas suas emoções. Parafraseando Kurt Lang, é fundamental desencadear uma espécie de processo de ‘engajamento’ do destinatário (que ele designa por efeito «clincher» ou de «accroche»)[25]. Ora, este efeito consegue-se através da gestão dos conteúdos decorrentes de cada plano, mas também por intermédio da gestão do ritmo e da transição de planos.

 

Cena de apresentação comercial

Do ponto de vista argumentativo, é uma cena importante : nela, introduz-se o produto que se pretende promover e demonstra-se a sua adequação para a solução do problema apresentado na cena introdutória. Salientamos o facto de o produto apresentar o estatuto de mero adereço: a sua especificidade ainda não é comercial (é somente funcional) – filme nº 21 [A- Vicks]. Consideramos este posicionamento essencial, pois assume-se como o fundamento do valor persuasivo da globalidade do anúncio. Daí que esta cena implique a adopção de critérios específicos no trabalho de montagem. O ritmo do filme pode abrandar, a duração de cada plano aumentar e as modalidades de conjugação das imagens têm de obedecer ao objectivo de um ‘fazer-saber’. Obviamente que o tom, o dinamismo do filme baixa, verificando-se uma transformação do próprio estilo do filme a partir da transição da cena anterior para esta: a predominância do delectare (encantar, seduzir) é substituída por um estilo predominantemente docere (ensinar, informar).

Na transição da cena de introdução para a de apresentação surge uma descontinuidade cujo controlo dos efeitos no equilíbrio do filme se oferece como um desafio ao montador. Efectivamente, ele deverá ser capaz de gerir duas realidades aparentemente inconciliáveis. A primeira está relacionada com a gestão de um estilo relativamente espectacular, fático, relativo à cena de introdução. A segunda realidade reporta-se à necessidade de assegurar um estilo baixo, adequado à apresentação do produto. Em termos de conteúdos, esta descontinuidade também se põe: se na cena de introdução, o sentido do filme gravitava em torno do protagonismo do herói, nesta há um centramento no produto que oferece o risco de fazer esquecer o que antes se encontrava tão enfaticamente valorizado. Como gerir, então, esta duas realidades incompatíveis? Se o montador optar exclusivamente pela dramatização publicitária, deixa de respeitar os cânones relativos à apresentação do produto e que caracterizam estruturalmente a essência deste tipo de cena. Perde-se o valor referencial de índole comercial do produto, mas ganha-se uma eficácia em termos fáticos; em contrapartida se privilegiar a pedagogia, assumindo o espírito da cena, arrisca-se a perder a atenção e o interesse do espectador. Na nossa opinião, esta incompatibilidade foi resolvida a partir de duas estratégias, uma das quais está relacionada com critérios de montagem. A primeira, prende-se com a compressão da cena, pela qual o montador procura encurtar a duração dos planos ou até mesmo suprimir alguns. Esta opção não é a melhor, pois esta cena tem um valor argumentativo fundamental. A segunda estratégia consiste na gestão de uma encenação que passe pela apresentação do produto e, simultaneamente, pela sua contextualização na trama dramática que tinha sido introduzida na cena anterior (filme nº 22 [A – Ariston]).

 

Cena de epílogo

Do ponto de vista estrutural, o valor desta cena é semelhante ao da cena introdutória. Também nesta é fulcral significar um espaço e um tempo, no âmbito do qual o actor publicitário protagoniza o efeito resultante do consumo do produto apresentado na cena anterior. Assim, tal como sucede na cena introdutória, também nesta surgem efeitos de sentido decorrentes de opções de montagem relacionadas com a valorização da sucessão do tempo ou, pelo contrário, da contextualização do actor num determinado ambiente. Aliás, é precisamente na gestão destes efeitos que se pode criar uma interessante relação dialógica entre o tipo de montagem desta cena e o que esteve subjacente à de introdução. Se nesta última, o montador, optou por um regime de montagem dinâmico, ritmado, com o objectivo de enfatizar, quase que pateticamente, a infelicidade da vida do actor, agora poderá optar por uma montagem mais calma, estática na qual se valorize a significação de um ambiente de tranquilidade, de felicidade. Inversamente, se na cena de introdução procurou significar uma atmosfera doentia, então irá privilegiar uma montagem evocativa de um ritmo relativo ao seu novo estilo de vida (filme nº 23 [A – Liril]).

Na cena de epílogo procura-se significar um estado de clímax decorrente do consumo ou da utilização de um determinado produto. Esta particularidade implica voltar a implementar um estilo alto, não só para suscitar a atenção do espectador, mas também para diverti-lo, comovê-lo, para influenciar decisivamente as suas emoções.

 

Cena de objectivação publicitária

É a cena responsável pela singularização do filme publicitário enquanto género fílmico.

Se consideramos o filme em si, isto é, exclusivamente a partir de um ponto de vista criativo, estético, a sua harmonia não depende desta cena. Pelo contrário, pode adquirir um desequilíbrio a partir do momento em que a integra. Todavia, esta instabilidade é importante, já que existe para gerir a tal eficácia persuasiva que o filme publicitário necessita, obrigatoriamente, de concretizar. O problema que surge, e que apresenta implicações ao nível do trabalho de montagem, consiste em conseguir descobrir uma solução para conciliar valores estéticos com valores estratégicos.

A cena de objectivação publicitária está associada à implementação de um estilo relativamente cinzento, baixo, no âmbito do qual se estabelece uma marcação, a denominação comercial do ‘produto-instrumento’ que possibilita transformar o seu estatuto numa mercadoria. Ora, a concretização deste objectivo apresenta implicações não só em termos de encenação publicitária, mas também no que respeita ao próprio trabalho de montagem. Do ponto de vista da encenação, a objectivação publicitária impõe a produção de um conjunto de planos compostos por características configurativas que estão relacionados com a ostentação de uma mercadoria. Em termos de montagem, é essencial gerir uma descontinuidade no ritmo do filme, impondo uma duração artificial na apresentação do packshot (mercadoria, slogan ou designação comercial) - filme nº 24 [A – Euro RSGC; B – Mikado].

 

Cena de ‘piggy back’

Trata-se de uma cena marginal, mas que tem vindo a aparecer com frequência nalguns anúncios nos últimos anos. A sua duração é muito curta e, geralmente, é composta por um único plano através do qual se procura retomar a história que tinha ficado anteriormente interrompida aquando da imposição da cena de objectivação comercial (filme nº 25 [A – Schweitzer optik]). Possibilita recuperar a dinâmica que se vinha desenvolvendo a partir da cena introdutória, apresentando, portanto, uma funcionalidade remissiva.

Consideramos que o piggy back deverá ser explorado cuidadosamente: se é certo que produz impacto através de um prolongamento inesperado do anúncio, apresenta o risco de desviar a atenção do espectador para aspectos laterais que podem relativizar as suas potencialidades persuasivas.

 

3.2.2- Cenas dos ‘filmes de celebração comercial’

Nos filmes de celebração publicitária, a estrutura do anúncio adquire uma especificidade decorrente do facto de a dinâmica persuasiva subjacente ser de índole epidíctica, pela qual se procura persuadir sobre as qualidades, o prestígio de uma determinada mercadoria. Subjacente a estes filmes existe uma dinâmica laudatória sobre o produto que se promove. Cantam-se os ‘feitos do produto’, o seu prestígio ou os episódios que contribuem para a sua reputação (filme nº 26 [A – Rolo; B – Martini]).

A especificidade epidíctica dos filmes de celebração comercial fundamenta-se numa estrutura binária, composta por duas ordens de cenas. As que estão relacionadas com o elogio do produto, com a gestão da sua reputação, e as que têm por função estabelecer uma inteligibilidade comercial. Este último tipo de cenas já foi suficientemente abordado no âmbito dos filmes de conselho comercial: inscrevem-se na categoria da objectivação publicitária. Quanto às que fundamentam a homenagem do produto, podem ser classificadas na classe das cenas de episódio. Visam significar histórias concretas evocativas da reputação do produto ou de uma axiologia de valores no âmbito da qual o produto assume um estatuto principal.

As cenas de episódio apresentam uma dupla função que se reflecte em opções distintas no trabalho de realização e de montagem. Em certos casos, visam significar uma atmosfera positiva sobre o produto (filme nº 27 [A – Coca-Cola]). Do ponto de vista do trabalho de montagem, os desafios que se oferecem ao montador estão relacionados com a gestão de um ritmo vivo, que prenda a atenção e o interesse do espectador, isto é, que lhe dê prazer, pois o regime subjacente a este tipo de anúncios é o do delectare e o (co)movere. Salientamos que o trabalho de compressão da duração deste tipo de anúncio é fácil de concretizar: é sempre possível suprimir uma das cenas que lhe são constituintes. Em casos limite, o montador poderá mesmo optar por dividir o enquadramento da imagem, fazendo coexistir a cena de objectivação publicitária com todas as outras. Todavia, a opção por esta estratégia faz pagar o seu preço nas potencialidades fácticas do filme.

Passemos para as situações relacionadas com cenas de episódio que já não visam significar uma atmosfera positiva mas uma anedota sobre o produto (filme nº 28 [A – Martini; B – McDonalds; C - DHL). São ilustrativas de uma história sobre a sua reputação, eficácia, a sua essência, etc.. Por vezes, nas cenas de episódio, estas significações não são totalmente evidentes: o produto encontra-se relativamente elidido ou propositadamente desvalorizado, particularidade que conduz a um enfraquecimento das potencialidades epidícticas do próprio anúncio. Pensamos que é precisamente neste fenómeno que reside a cada vez maior gratuitidade e ludicidade do discurso publicitário actual.

Do ponto de vista configurativo, a cena que narra uma anedota sobre o produto assume-se como a versão simétrica da que é evocativa de uma atmosfera positiva. Se esta última é composta por uma sucessão de planos cujo valor se avalia a partir da significação de uma atmosfera de reputação sobre o produto, a que apresenta um valor narrativo é constituída por vários, cuja articulação deverá ser sempre expressiva de uma pequena história. Esta exigência impõe maiores desafios ao técnico de montagem: ele precisa de conseguir gerir uma dinâmica narrativa sem ultrapassar as durações cada vez mais limitadas dos anúncios publicitários. Como conseguir, contar uma história em três segundos, já que os restantes são para cenas de objectivação? A resposta a esta questão só pode ser uma: cortando na duração dos próprios planos, particularidade que originou uma técnica de montagem específica do filme publicitário: o quick cut (corte rápido). Já não é mais suficiente suprimir módulos argumentativos e cenas; o derradeiro desafio consiste em cortar o máximo de planos de cada cena e intervir na sua própria duração.

 

3.3 - terceira abordagem à dinâmica elíptica da montagem publicitária - a supressão de planos

O princípio do corte rápido consiste numa modalidade de montagem que visa comprimir temporalmente cada cena, intervindo na duração e na estrutura dos planos que a constituem. O objectivo é “montar em 2 ou 5 segundos uma acção que se desenrola em 10 ou 15”[26], filmada com vários planos. Sobre este aspecto, confira-se o anúncio da Durex, em que esta expressividade elíptica é claramente assumida, não por razões técnicas (o filme dura 56’’), mas de índole moral (filme nº 29 [ A – Durex])...

Neste trabalho de síntese, o montador deverá possuir a capacidade de resumir a acção num conjunto suficiente, mas limitado, de cortes que não só a comprimam, mas também lhe atribuam ritmo. Por outro lado, o desafio consiste em eliminar sem que a sensação de continuidade fique afectada. Por vezes, este meta só é alcançada porque os cortes estão adequados a sistemas de expressão que não são visuais, mas auditivos: a montagem acompanha o tipo de música ou o jingle do anúncio. É o ritmo e a harmonia musicais que inspiram o corte dos planos.

A sensação da continuidade subjacente à montagem por corte rápido constitui um imperativo muito importante, pois o critério subjacente é o da invisibilidade. Ora, o sucesso (im)perceptivo da compressão da duração dos planos remete para uma competência filmográfica que se assume como uma espécie de realidade de mediação graças à qual o espectador não estranha os resultados decorrentes deste trabalho. Consideramos que esta competência se fundamenta num conjunto de arquétipos visuais e cinematográficos que são próprios das artes plásticas e, sobretudo, do cinema. Esta particularidade é sintomática da actualização de quadros específicos de sentido que são externos à publicidade, mas que se reflectem na própria actividade publicitária. Porém, a situação inversa também se verifica: a linguagem da publicidade assume-se como um quadro de sentido que se reflecte na própria produção cinematográfica. Não nos estamos a referir apenas ao tipo de imagem publicitária, cujos cânones de composição e de produção se encontram patentes nalguns filmes, mas, igualmente, à especificidade do trabalho de montagem baseado no princípio do corte rápido. Efectivamente, em certas obras cinematográficas, (é o caso, por exemplo, da série Matrix) o espírito do quick cut tem sido decisivo para a emergência de uma espécie de ‘minimalismo narrativo’ que é compensado por um extraordinário dinamismo em termos de velocidade e de ritmo.

 

Conclusão

Procurámos reflectir sobre as modalidades de montagem subjacentes ao filme publicitário. Começámos por conceptualizar o filme de publicidade como sendo uma mensagem audiovisual que visa divulgar um produto e criar expectativas de consumo. Tal pressuposto conduziu-nos à reivindicação da sua singularidade retórica, especificidade essencial não só para a classificação dos diferentes géneros de filme, mas também para entender as suas dimensões expressivas. Nestas, não só integramos as especificidades relativas à própria configuração das imagens, mas igualmente as referentes à sua combinação através de critérios específicos de montagem. Salientamos que, no que respeita à temática da montagem, defendemos uma concepção ampla deste trabalho que não se limita a uma simples operação de edição técnica do filme. Para lá da escolha e da combinação dos planos, o operador tem uma palavra decisiva na gestão da estrutura dos módulos e das cenas que constituem os anúncios de publicidade, intervindo decisivamente nas suas dinâmicas argumentativas.

Reflectimos igualmente sobre um conceito essencial que está subjacente à produção de filmes de publicidade: a ideia de compressão, cuja amplitude se estende a todas as dimensões estruturais do filme de publicidade, desde as relativas à composição e à articulação dos módulos argumentativos, à própria duração dos planos. A obsessão pela compressão dos filmes publicitários até um limite de duração absolutamente mínimo é essencial, pois vai originar que a mensagem publicitária seja caracterizada por uma estilística própria: a expressividade da elipse.

    

 

 

Bibliografia

 

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Ariel/Impecable chaque fois et pour longtemps. [França], Ariel, s.d., 44’’;

Ariston. G.B., Ariston, 1995, 40’’;

Autan/Bayer. Indonésia, Bayer, 1992, 30’’;

Axe/eunuco. G.B., Axe, 1998, 29’’;

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Axe/O efeito axe. S.l., Axe, s.d., 36’’;

Budlight. [E.U.A], Budlight, s.d., 30’’;

Chugai. S.l. Chugai, s.d., 31’’;

Clearasil/ jovens na escola. [França], Clearasil 1994, 19’’;

Coca-Cola, campanha Internacional. [E.U.A.], Coca-cola, 1970, 56’’;

Coca-cola. Argentina, Coca-cola, 1989, 48’’;

Coca-cola. Tailândia, 1993, 1’30’’;

Coca-cola. África do Sul, Coca-cola, 1994, 51’’;

Colgate/homenagem a Aryton de Senna. Paraguai, Colgate, 1994, 59’’;

Colgate/sketch da estátua. [França], Colgate, s.d., 19’’;

Durex. Belgica, Durex, 1995, 56’’;

EURO RSGC -  Euro Rsgc ensemble. [França], EURO RSGC, s.d., 31’’;

Gitanes. Argentina, Gitanes, 1995, 47’’;

Gurosan/aeroporto.[França], Gurosan, s.d., 17’’

Gurosan/piscina.[França], Gurosan, s.d., 18’’

Knorr. Coreia do Sul, Knorr, 1993, 33’’;

JMB- Knorr. [França], Knorr, s.d., 33’’;

LEMOINE, Beranrd; COLPI, Henri – Ópera Boeuf. França, Maggi, s.d., 1’14’’;

Limpian, cuidan y miman. Espanha, Dodot, 1993, 25’’;

Liril fresh. Índia, Liril, 1994, 40’’;

McDonalds/ ocenário. Hong Kong, McDonalds, 1997, 29’’;

Martini/Sur de soi. Sur de Martini. [França], Martini, s.d., 42’’.

Martini, entretemps, a Portofino... [França], Martini, s.d., 49’’;

Mikado.S.l., s.d, 29’’;

New Axe showergel/AXE. S.l. Axe, s.d., 29’’;

Nívea. S.l. Nívea, s.d., 22’’;

Omo. França, Omo, 1981, 45’’;

Persil. Hong-Kong, Persil, 1997, 29’’;

Pcsupport.com. [E.U.A.], Pcsupport.com, s.d., 30’’;

Rolo/ Think twice what you do with your last Rolo. S.l., s.d, 34’’

Schweitzer optik. S.l., s.d, 28’’

Supertide. França, Tide, 1969, 47’’;

Tatuzinho. Brasil, Tautizinho, s.d., 29’’;

Volvo/[comparação a cavalo]. G.B., Volvo, 1994, 1’01’’;

Yellow pages. S.l., Páginas Amarelas, s.d., 51’’;

Tabasco /Apocalipse. [E.U.A.],Tabasco, s.d., 31’’;

ULRICH JENSEN FILM PRODUKTION – Agfa. Dinamarca, Agfa, s.d., 28’’;

Vicks/bébé. [França], Vicks, s.d., 24’’;

Vicks vaporub. [França], Vicks, s.d., 25’’.

 

Internet

[BOURSICOT, Jean-Marie (Coord.)] - La nuit des publivores. Endereço da Internet (2005): www.publivores.com

 



[1] - PACKARD, Vance. La persuasion clandestine. Paris, Calmann-Lévy, 1989.

Relativamente a Umberto Eco, referimo-nos às suas análises da imagem publicitária (fotografia):

ECO, Umberto – La structure absente. Paris, Mercure de France, 1972, citado por: ADAM, Jean- Michel - L’argumentation publicitaire. Rhétorique de l’éloge et de la persuasion. Paris, Nathan Université, 1997, p. 180-183.

[2] -ECO, Umberto – La structure absente, p. 256, citado por: ADAM, Jean-Michel - Idem, p. 182.

[3] - Sobre este assunto, salientamos os nosso estudos: CAMILO, Eduardo J. M. - “Das especificidades estruturais da mensagens publicitárias: o conceito de género” in: Ciências da Comunicação em congresso na Covilhã (III Sopcom, VI Lusocom e II Ibérico). Covilhã, Universidade da Beira Interior/Departamento de Comunicação e Artes/ Labcom, 2004 [suporte em CD Rom].

[4] - ECO, Umberto – La structure absente, p. 257, citado por: ADAM, Jean- Michel - Idem, p. 182.

[5] - RODRIGUES, Adriano  Duarte – Dimensões pragmáticas do sentido. Lisboa, 1996, Cosmos, p.     103-106.

[6] - CAMILO, Eduardo – “Antonímias da fotografia publicitária: da ostentação à elisão dos objectos” – artigo referente à comunicação apresentada no Iº Congreso de teoría y técnica de los medios audiovisuales: el análisis de la imagen fotográfica. Espanha, Universidad Jaume I/ Grupo ITACA (Investigación en Tecnologias Aplicadas a la Comunicación Audiovisual), Outubro de 2004.

[7]- Estamos a referir-nos, concretamente, às mitologias e aos estudos sobre a mensagem publicitária (Roland Barthes) e às análises sobre a publicidade de qualificação (Georges Péninou).

BARTHES, Roland – Mitologias. Lisboa, Edições 70, 1988, Col. Signos, (2);

BARTHES, Roland – “A mensagem publicitária”, in: A aventura semiológica. Lisboa, Edições 70, 1981, Col. Signos, (45), p. 165-170, (1ª Edição em francês: “Le message publicitaire”, in: Cahiers de publicité, Julho-Setembro de 1963, (7)).

BARTHES, Roland – “Rhétorique de l’image”, in: MARTY, Éric (Coord.) – Roland Barthes, ouvres complètes. Paris, 1993, Tome I, 1942-1965, (1ª Edição em francês: “Rhétorique de l’image”, in: Communications, Novembro de 1964, (4)).

PÉNINOU, Georges - Semiótica de la publicidad. Barcelona, Editorial Gustavo Gili, s.d., Col. Comunicación Visual, p. 116-126, (1ª Edição em francês: 1972).

[8] - Destacamos SHIAVONE, Roberto – Montar um filme. Avanca, Cineclube de Avanca, 2003, 67 e ss.

Salientamos, também, algumas interessantes passagens relativamente aos cânones sobre a montagem invisível e o estatuto do raccord, formalizados por Karel Reisz e Gavin Millar.

SÁNCHEZ-BIOSCA, Vicente – El montage cinematográfico. Teoría y análisis. Barcelona, Paidós, 1996, p. 25 e ss.

[9] - Roberto Shiavone chega ao ponto de comparar a montagem à narração, “fazendo referência aos mecanismos narrativos que desde sempre pertencem à escrita e à linguagem literária”, não obstante o facto de as linguagens cinematográfica e literária se influenciarem mutuamente.

SHIAVONE, Roberto – Idem, p. 68

[10] - SÁNCHEZ-BIOSCA, Vicente – Idem, p. 29.

[11] - REISZ, Karel e MILLAR, Gavin – The technique of Film Editing. Londres/Boston, Focal Press, 1968, segunda edição corrigida e ampliada (primeira edição: 1953), citado por: Ibidem, p. 28.

[12] - ARISTÓTELES – Retórica. Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1998 [tradução e notas de Manuel Alexandre Júnior, Paulo Farmhouse Alberto e Abel do Nascimento Pena].

[13] - BROCHAND, Bernard e outros - Publicitor. Lisboa, Edições Dom Quixote, 1999, Col. Gestão & Inovação/ Ciências de gestão, p. 99 e ss.

[14] - SHIAVONE, Roberto – Montar um filme, p. 65.

[15] - CUNHA, Tito Cardoso- “prefácio à edição Da retórica de Nietzche”, in: NIETZCHE, F. – Da retórica, 2ª Ed.. Lisboa, Ed. Vega, 1999, Col. Passagens, p. 7 (1ª Edição em alemão: Wercke. Leipzig, Druck und Verlag vn C. G. Nonmann, 1896).

[16] - SPANG, Kurt - Fundamentos de retórica literaria y publicitária, p. 70.

[17] - SPANG, Kurt- Idem, p. 80-84.

[18] - BARGERO, Oswaldo – “Montar o spot publicitário”, in: SHIAVONE, Roberto – Montar um filme, p. 131-140.

[19] - Carosello, ‘carrossel’ em português, título de um programa de televisão italiano, produzido a partir de 1956, que apresentava um conjunto de situações intercaladas por publicidade.

[20] - Idem, p. 132-133.

[21] - É o caso da inserção das ligações entre planos de um pequeno fotograma em branco para gerir o mais suavemente a emergência dos planos packshot. Outra solução está relacionada com a dissimulação dos planos característicos do módulo de objectivação publicitária (solução típica de uma montagem subliminar). No final dos anos 70 do século passado, optou-se pela solução da coexistência de planos através da decomposição explícita de enquadramentos: “no interior do enquadramento, montam-se diversas cenas em harmonia entre si, trabalhando com a deslocação de máscaras para imprimir ritmo à cena” (cf, a este propósito, o filme nº 27). Outro expediente consiste numa decomposição mais suave dos enquadramentos e está relacionada com a sobreposição de imagens nas que são específicas de outros módulos .

Ibidem, p137.

[22] - Ibidem, p. 138.

[23] - SPANG, Kurt - Fundamentos de retórica literaria y publicitária, p. 70.

[24]- SHIAVONE, Roberto – Montar um filme, p. 64-108.

[25] SPANG, Kurt - Fundamentos de retórica literaria y publicitária, p. 114.

[26] - Idem, p. 135.