Francisco Rui Cádima, Universidade Nova de Lisboa
1999
Propõe-se aqui uma reflexão
em torno da convergência de sectores, do Audiovisual à Informática,
estabelendo-se aquilo que poderá ser um programa genérico,
mas imperioso e urgente, para mudar o modelo de formação
e de constituição do saber na era da digitalização
de conteúdos, e sobretudo no quadro do desenvolvimento científico
e tecnológico português, para o período 1999-2006.
1. Considerações genéricas
O salto para a Sociedade de Informação
- que se espera venha a ser um passo decisivo na estratégia de desenvolvimento
deste país -, está a ser preparado de forma consistente,
mas espera-se uma ainda maior mobilização deste sector para
a sua melhor consecução possível. Este é um
sector absolutamente estratégico para cumprir tão somente
a possibilidade de criar uma nova utopia – justamente uma «Sociedade
da Informação».
Ainda, o reconhecimento dessa quase
heresia, nos dias que correm, de ver o mercado e o consumidor português
a responder às solicitações que lhe são feitas,
de forma absolutamente inesperada, superando mesmo as perspectivas mais
optimistas. E aí pode falar-se da excelente penetração
de novos serviços no mercado português, mesmo quando aferimos
resultados com os nossos parceiros comunitários. É o caso
do telefone celular, do cabo, das máquinas ATM, da informação
multimedia ao cidadão e mesmo da explosão da Internet, para
só citar estes.
É esta mobilização
dos utilizadores, sobretudo do mercado residencial e não tanto do
Estado ou mesmo da Universidades, por muito estranho que possa parecer,
para as tecnologias da informação, que permite olhar o futuro
com algum optimismo. Porém, esse optimismo não pode iludir
que estamos perante um país periférico, onde, grosso modo,
só apenas 10 por cento da população tem acesso a um
conjunto de bens da área informática, no «hi-tech»,
enfim, nas tecnologias de informação e nas novas redes inetractivas.
Aos pequenos países pode
estar guardado um importante papel na Sociedade de Informação
do século XXI. É um facto. Penso, aliás, que todos
os que simpatizam com esta ideia terão naturalmente em vista a urgência
de uma acção prática inequívoca nesse sentido
por parte de quem de direito.
Sabemos, aliás, que a área
da Cultura e a Economia estão sensibilizadas para apoiar essa nova
dinâmica, nomeadamente no plano do multimedia. No campo da Ciência
e Tecnologia idem. Na área das Comunicações algo também
se está a fazer: a nova legislação para o cabo está
aí. Mas… na área da Educação o que é
que está a acontecer? Que reflexão estratégica para
as Universidades portuguesas é que está a haver no sentido
de as encaminhar para as auto-estradas (da informação) e
não para os caminhos de pedra medievais?
Há, notoriamente, uma sensibilidade
institucional para estes problemas, mas ainda hoje, em determinadas estruturas
e áreas estratégicas, tal não é visível.
A área da Educação,
as Universidades e o seu Conselho de Reitores, deverão certamente
dar mais atenção à premonição de Peter
Drucker, quando de facto dizia que dentro de duas ou três décadas
a Universidade não existirá tal como a conhecemos hoje. Nessa
medida, o novo saber de que hoje a Universidade está muito necessitada
prende-se com a Comunicação, a Arte, a Cultura e as Tecnologias,
a Criatividade, isto numa perspectiva de criar as competências e
os produtores de conteúdos que exactamente podem salvar a face à
velha instituição medieval.
Se nada for feito a curto prazo
nesse sentido, a Universidade portuguesa corre o risco de hipotecar o seu
«saber fazer» às práticas e saberes de Universidades
estrangeiras e de institutos e centros de estudos imersos na rede das redes,
actualmente já fornecedores de cursos de licenciatura e de mestrado
on-line.
O que a Universidade portuguesa
hoje precisa, com carácter de urgência, para não se
auto-excluir da Sociedade da Informação, é, para já,
compreender que ou se redimensiona e se actualiza face ao novo modelo de
transmissão do saber e do conhecimento que está aí,
de forma interactiva, on-line, na Internet, ou caminhará rapidamente
para a esclerose arrastando consigo boa parte do património e das
melhores competências deste país, que têm vindo a lutar,
apesar de tudo, por essa mudança estratégica.
Hoje é possível afirmar
que há um debate que se está a fazer na sociedade portuguesa
- ainda que em círculos relativamente restritos -, em torno das
temáticas da sociedade da informação e das tecnologias
interactivas, procurando-se os atalhos que nos conduzirão às
vias rápidas e às auto-estradas da informação
do século XXI.
Importa, naturalmente, alargar esse
debate o mais possível, e colocá-lo de preferência,
nos grandes meios de comunicação social e nas redes interactivas.
A pergunta para a qual me proponho sugerir algumas respostas prende-se
com a dúvida em torno da relação intertactividade
vs. democracia. Ou seja, será assim tão líquido que
a comunicação interactiva que se anuncia nos conduz mais
rapidamente ao paraíso da democracia directa, ou esse não
será mais um dos mitos cíclicos do fenómenos comunicacional
e mediático?
Pode inclusivamente ir-se um pouco
atrás na História e ver que essa era já a crença
de Bertold Brecht, quando, nos anos 30, criticava o meio rádio,
então emergente, por não ser «um autêntico processo
de comunicação democrática». Dizia Brecht que
a rádio poderia sê-lo «se não soubesse apenas
emitir, mas também receber, não apenas fazer ouvir o ouvinte,
mas fazê-lo falar, não o isolar, mas pôr-se em contacto
com ele» . (1)
Esta utopia da plena interactividade,
mais tarde, nos anos 80, relançada pelo Relatório McBride
da Unesco, para uma Nova Ordem Internacional da Informação,(2)
reconhecia a necessidade de lançar aquilo a que se chamava então
o «princípio da reciprocidade na comunicação».
Mais uma vez tratava-se aqui de reconhecer os direitos inalianáveis
à comunicação, à cidadania e a novas relações
de produção na informação.
Hoje pode pensar-se que a Internet
e a interactividade no plano do cabo pode cumprir a utopia e relançar
a civilização para uma nova lógica social de comunicação,
mais participativa, directa. Mas atenção, importa não
tomar a nuvem por Juno... Como alguém disse, o grau de interactividade
do dispositivo técnico não equivale a um nível correspondente
de democratização do meio em si. Esse é o maior logro
deste final de século.
3. Bloqueios
3.1. Não tem sido fácil
concretizar nesta última década o conceito da convergência.
E isto em termos do maior e mais dinâmico mercado mundial. A convergência
do audiovisual, das telecomunicações e da informática
tem tido os seus problemas. Imaturidade do mercado, questões de
largura de banda, o custo dos novos fluxos, interesses envolvidos em determinadas
cadeia de negócio, etc., poderão explicar alguma coisa. Certamente,
o facto do mercado tradicional do audiovisual não dar sinais de
esgotamento, reproduzindo conteúdos, nos diferentes formatos, como
metastases, adicionado ao facto dos novos conteúdos interactivos
necessitarem de um know-how no plano das competências de escrita,
de design, de interfaces, no plano narrativo e no plano dos conteúdos
de forma mais genérica, podem também explicar este compromisso
envergonhado das indústrias de conteúdos norte-americanas
no âmbito dos novos media e da convergência de sectores.
A questão é que, de
facto, todos estes serviços, por muito que o legislador o não
queira, dificilmente se compatibilizarão com a estratégias
políticas de desenvolvimento de serviços universais a preços
justos, ou com a ideia de integrar escolas e centros de saúde de
tecnologias avançadas de telecomunicações, como prescreve
o Telecommunications Act de 1996. Esse é um dado objectivo do mercado
norte-americano nos finais dos anos 90.(3)
De todas as formas, está
aberto o caminho à reformulação das infraestruturas,
preparando-as para a televisão interactiva, digital, serviços
interactivos, acesso rápido à Internet, telefone fixo/móvel,
voz por IP, teletrabalho, telemedicina, etc. Estimativas para 10 anos (1996-2006),
mostram aliás o forte potencial destes mercados, designadamente
no multimedia interactivo: Europa, EUA e Japão passarão de
2220 milhões de USD para 73257 milhões de USD, o que significa
um crescimento médio de 300 por cento ao ano.
3.2. É certo que as plataformas digitais estão a avançar, mas não será assim tão seguro que elas libertem débitos a preços acessíveis para o mercado da Educação. Esta uma questão política de fundo que deverá salvaguardar esse acesso enquanto serviço universal.
3.3. São portanto os suportes de grandes capacidades e elevados débitos que convocam neste final de século a nossa qualidade criativa e apelam às melhores competências de forma a sermos capazes da possibilidade de recusa de nos revermos biónicos, ou tão só de criar uma singularidade no universo complexo da globalização de conteúdos e tecnológicas, sendo certo que sairá vencedor no século XXI quem apostar sobretudo na ciência, na tecnologia e na criatividade.
3.4. Os desafios ao sistema educativo são os mais aliciantes e simultaneamente os mais complexos: trata-se de fazer inverter de alguma maneira, por mais paradoxal que possa parecer, a tendência do próprio processo tecnológico, isto é, trata-se de acelerar a velocidade de formação e aprendizagem dos excluídos (analfabetismo e iliteracia) de forma a atingirem níveis cada vez mais próximos da formação mais avançada, que naturalmente evoluirá a outros ritmos. Deste paradoxo emerge uma aporia natural, ou melhor, um factor crítico no interior do processo.
3.5. Claro que um dos maiores bloqueios ao desenvolvimento, nesta perspectiva, é promover o discurso das filantropias tecnológicas.
3.6. E da mesma forma promover o discurso das virtualidades dos novos fluxos e das capacidades das infraestruturas e não haver sombra sequer de uma política de digitalização de conteúdos e de progressiva colocação on-line, enquanto programa piloto, por exemplo, das matérias leccionadas no num ou noutro curso do ensino superior público.
3.7. Em todo o caso, relativamente à identificação de oportunidades de desenvolvimento científico e tecnológico, parece-me que a questão essencial passa por uma partilha na Rede dos saberes, por um Ensino Aberto na Rede, complementar do presencial, mas cada vez mais importante. Passa sobretudo pela criação de laboratórios de produção multimedia off e on-line, transversais a todos os ramos do saber, a todas as pedagogias, áreas científicas e centros de investigação, de forma a que a ciência, o conhecimento e a cultura portuguesa conquiste o seu espaço, e eventualmente chegue a novos portos do ciberespaço, primeiro, e com mais qualidade, que outros navegadores desse mundo. Era a melhor homenagem que, apesar de tudo, prestávamos aos nossos homens de quinhentos. Enfim, agora não na qualidade de conquistadores, mas antes partilhando com outros esta pequena parte que nos cabe, esse pequeno fio da Rede.
- AAVV, Livro Verde da Sociedade de Informação, Ministério da Ciência e Tecnologia, 1997.
- AAVV, Relatório da Comissão Interministerial Para o Audiovisual, Ministério da Cultura, Lisboa, 1997.
- AAVV, Relatório da Comissão de Reflexão sobre o Futuro da Televisão, Presidência do Conselho de Ministros, Lisboa, 1996.
- AAVV, Voix Multiples, Un Seul Monde, Rapport de la Comission Internationale d' Étude des Problèmes de la Communication, Unesco, Paris, 1986.
- Bertold Brecht, «Teoria de la Radio», De las Ondas Rojas a las Radios Libres, Lluís Bassets (ed.) Barcelona, Gustavo Gili, 1981.
- Emili Prado e Rosa Franquet, «Convergencia digital en el paraiso tecnológico: claroscuros de una revolución», Zer - Revista de Estudios de Comunicación, FCSC, Bilbao, Mayo de 1998, pp. 15-40.
- Esther Dyson, Release 2.0, Ediciones B, Barcelona, 1997, p. 15.
- Francisco Rui Cádima, Desafios dos Novos Media, Editorial Notícias, Lisboa, 1999.
-, «Portugal e os Desafios da Comunicação», Actas do Colóquio Internacional Portugal e a Transição de Milénio, Fim de Século, Lisboa, 1998.
- J. A. Bragança de Miranda «O Controlo do Virtual», Tendências XXI, nº 1, Lisboa, APDC, Março de 1996.
- Javier Echeverría, «Constituir Internet», El Paseante, La Revolución Digital y Sus Dilemas, nº 27-28, s/d, Madrid, Ediciones Siruela, pp. 6-7
- Manuel Castells, La Era de la Información - Economia, Sociedad, Cultura, Vol. III, «Fin de Milenio», Madrid, Alianza Editorial, 1998, p. 394.
- Mark Dery, Velocidad de Escape - Le cibercultura en el final del siglo, Madrid, Ediciones Siruela, 1998.
- Michio Kaku, Visões, Lisboa, Bizâncio, 1998, p. 58.
- Neil Barrett, The State of the Cibernation - Cultural, Political and Economic Implications of the Internet, Kogan Page, London, 1997.
- Roy Ascott, «A Arquitectura da Cibercepção», Ars Telemática - Telecomunicação, Internet e Ciberespaço (ed: Cláudia Giannetti), Lisboa, Relógio d'Água, 1998.
- Serge Proulx e Michel Sénécal, «Interactividade técnica - simulacro de interacção e de democracia?», Tendências XXI, nº2, APDC, Lisboa, Setembro de 1997.
- Sherry Turkle, «Repensar la identidad de la comunidad virtual», El Paseante, La Revolución Digital y Sus Dilemas, nº 27-28, s/d, Madrid, Ediciones Siruela.
1 Bertold Brecht, «Teoria de la Radio», De las Ondas Rojas a las Radios Libres, Lluís Bassets (ed.) Barcelona, Gustavo Gili, 1981.
2 Ver Voix Multiples, Un Seul Monde, Rapport de la Comission Internationale d' Étude des Problèmes de la Communication, Unesco, Paris, 1986.
3 Emili Prado e Rosa
Franquet, «Convergencia digital en el paraiso tecnológico:
claroscuros de una revolución», Zer - Revista de Estudios
de Comunicación, FCSC, Bilbao, Mayo de 1998, pp. 15-40.